sexta-feira, abril 30, 2004
"Quero-te fazer a ti o que a Primavera faz às cerejeiras"
Georgia O'Keeffe, Jack in the Pulpit No. IV, 1930
"Estás de Levis e com a tua camisola de gola virada.
Sim.
Sim?
Sim.
Sabes o que me apetece fazer?
O quê?
Abre o fecho das Levis.
Pronto.
Desabotoa o botão.
Pronto.
E abre o fecho.
Pronto… Estou defronte do espelho.
Estás defronte do espelho?
Estou.
Deitada?
Sim.
Agora baixa as Levis… Puxa-as para baixo até aos tornozelos.
(Sussurrando) Pronto.
E despe-as… Eu espero… Despiste-as?
Despi.
O que vês?
Vejo as minhas pernas. E vejo o entrepernas.
Trazes calcinhas biquíni?
Trago.
Baixa a mão e põe o dedo no entrepernas das calcinhas. Só do lado de fora das calcinhas, esfrega o dedo para trás e para diante. Devagarinho, pra trás e para diante. Qual é a sensação?
Boa. Sim. Muito boa. É tão agradável. Está molhado.
Está molhado?
Está realmente molhado.
Ainda tens o dedo fora das calcinhas. Esfrega com ele do lado de fora… para a frente e para trás… Agora afasta as calcinhas. Podes fazer isso?
Posso.
Agora põe o dedo no clitóris. Continua a esfregar… E diz-me que sensação causa.
Sabe bem.
Excita-te desse modo. Diz-me o que sentes.
Estou a pôr o dedo na cona. Estou enfiada no meu dedo."
Philip Roth, "Teatro Sabbath", Publicações Dom Quixote, 2000.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 30, 2004
quinta-feira, abril 29, 2004
"Desde que aconteçam noutro sítio."
Aernout Mik, Organic Escalator, 2000.
"- Por que é que pessoas decentes e bem-intencionadas, responsáveis, se sentem sempre tão interessadas e intrigadas pelas estratégias e catástrofes que vêem na televisão? Não me dizes, Alfonse?
E contei-lhe do recente serão de lava, lama e águas tormentosas, que tanto me tinha entretido e aos miúdos.
- E queríamos ver mais, mais.
- É natural. É normal – disse ele com um aceno de cabeça tranquilizador. – Acontece a toda a gente.
- Por quê?
- Porque andamos a sofrer de esvaziavamento cerebral. Precisamos de uma catástrofe esporádica para quebrarmos o constante bombardeamento de informação.
- É óbvio – disse o Lasher, um homem levezinho, de cara contraída e cabelo preto escorrido.
- O fluxo é constante – disse o Alfonse. – Palavras, imagens, números, factos, gráficos, estatísticas, pintas, ondas, partículas, apontamentos. Só uma catástrofe mantém a nossa atenção presa. Queremo-las, precisamos delas, dependemos delas. Desde que aconteçam noutro sítio. É aí que a Califórnia entra em jogo: avalanches, incêndios florestais, erosão costeira, terramotos, assassínios em massa, etcetera. Podemos gozar calmamente o espectáculo desses desastres porque, no íntimo, todos achamos que a Califórnia merece tudo o que lhe possa acontecer. É bem feito. Foram os californianos que inventaram o conceito de «estilo de vida». Só isso é suficiente para os condenar eternamente.
O Cotsakis esmigalhou uma lata de Pepsi-Cola de dieta e atirou-a para um dos recipientes de lixo.
- O Japão também é bom para quem gosta de ver desastres – disse o Alfonse. – A Índia, no entanto, ninguém filma. Mas têm imenso potencial: fome, monções, lutas religiosas, descarrilamentos, naufrágios, etcetera. Mas os desastres delas vão sem registo, três linhas no jornal é tudo. Nem transmissões em diferido, nem por satélite. Por isso a Califórnia e tão importante. Não só gozamos ao vê-los ser castigados pelo estilo de vida descontraído e as ideias progressistas, como sabemos que nada de terrível escapa à sua investigação. Sabemos que as câmaras estão lá, mesmo no sítio. A postos. Nada consegue escapar ao seu minucioso exame, desde que seja horroroso.
- Estás a dizer-me que ficar fascinado pelas estratégias que aparecem na televisão é um fenómeno universal?
- Para a maior parte das pessoas, o mundo tem só dois sítios: o sítio onde eles vivem e a televisão. Se algo nela acontece, temos todo o direito de ficar fascinados. Seja lá o que for.
- Não sei se me sinta bem ou mal, sabendo que a minha experiência é assim tão amplamente partilhada.
- Sentes-te mal – disse ele.
- É óbvio – disse o Lasher. – Todos nos sentimos mal com isso. Mas a esse nível nada nos impede de gozá-lo.
Disse o Murray:
- Isto é o que dá olharmos a televisão da forma errada: as pessoas começam a ficar com os cérebros vazios. E isso porque já se esqueceram de como é que se vê e ouve, como fazem as crianças. Esqueceram-se da maneira correcta de coligir dados. Num sentido psíquico, um fogo florestal, na televisão, é de somenos importância, se o compararmos com um anúncio de dez segundos a uma máquina de lavar. O anúncio traz sempre ondas que vão mais fundo, emanações mais profundas. Só que nós invertemos o significado relativo destas coisas. Daí os nossos olhos, ouvidos, cérebro e sistemas neurológicos terem ficado enfastiados. Trata-se de um simples caso de uso indevido."
Don DeLillo, "Ruído Branco", Editorial Presença, 1991.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 29, 2004
quarta-feira, abril 28, 2004
"cellar door"
"quando a vi, tive a sensação de ter um enxame de abelhas no estômago."
Diane, 28 de Abril de 2004. 22 horas e 50 minutos.
contemplar, qualquer que seja, um trabalho de david lynch é uma experiência labiríntica. sem petroglifos. é ver, no mesmo dia, as diferentes luminosidades da luz. ainda que enclausurados na cave com a porta fechada.
no Twin Peaks, por exemplo, é esquecer a morte de laura palmer.
e, outro exemplo, entrar num concurso de beleza, subir a um palco, de saltos, num mundo já de si estranho é uma experiência que não me agrada, diz ela.
entretanto, o alpinista, com capacete de mineiro, desce do tecto até ao solo. com a lâmpada apagada.
ao longe ouvem-se os gritos do Tarzan.
a imagem é da vigésima quinta hora.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 28, 2004
blogosfera
de visita a alguns blogues:
A Arca do Bué - Agora, que a chuva já passou...
Avenida dos Aliados - Do Porto, pelo Porto, para o Mundo.
A Praça Nova está de volta! Que trema o país...
O homem que gostava das mulheres - Os homens cada vez se declaram menos às mulheres. Os homens evitam o galanteio. Têm medo de ceder perante as mulheres, evitam dizer-lhes o quanto são belas e elegantes. Mas há homens (ainda não totalmente extintos), que ainda cortejam as mulheres. E perdem o norte por elas... São os homens que gostam das mulheres. E este é o diário de um deles.
Letras Com Garfos II - "Nada de ideias!
Dexem-me saborear esta bacalhoada, em perfeita inocência de espírito, como no tempo do Senhor Dom João V, antes da democracia e da crítica!"
Fradique (Eça)
Rouba a Alheira - no país dos Óinks solipsistas
Serra-a-Velha - Também a Pena pode ser Chicote...
A Garrafa Vazia
cadernodecampo1.blogger.com.br
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 28, 2004
terça-feira, abril 27, 2004
"o primeiro passo para a vida é termos de morrer."
Bill Viola, The Messenger, 1996
"O Tyler arranja-me um emprego como criado de mesa, a seguir o Tyler está a enfiar-me uma arma na boca e a dizer que o primeiro passo para a vida é termos de morrer. No entanto, durante muito tempo, o Tyler e eu fomos os maiores amigos do mundo. As pessoas estão sempre a perguntar se eu conhecia o Tyler Durden.
Com o cano da arma encostado ao fundo da minha garganta, o Tyler diz:
- Não vamos morrer de verdade.
Com a língua, consigo sentir os buracos do silenciador que abrimos no cano da arma. A maior parte do barulho que uma arma de fogo faz resulta da expansão de gases e daquela explosãozinha sonora que a bala produz porque se desloca tão depressa. Para fazer um silenciador, basta abrir uns buracos no cano da arma, uma data de buracos. Isso permite que o gás saia e faz com que a bala se desloque a uma velocidade inferior à do som.
Se nos enganarmos a abrir os buracos, a arma rebenta-nos com a mão.
- Isto não é uma morte verdadeira – diz o Tyler. – Vamos tornar-nos uma lenda. Nunca seremos velhos.
Toco com a língua no cano metido na minha bochecha e digo:
- Tyler, tu estás é a pensar em vampiros.
O edifício onde estamos vai deixar de existir dentro de dez minutos.
(…)
Bem, eu e o Tyler estamos no cimo do Edifício Parker-Morris com a arma enfiada na minha boca, e ouvimos vidros a partirem-se. Olhamos por cima da borda. Está um dia enevoado, mesmo a esta altura. Este edifício é o mais alto do mundo e a esta altura o vento é sempre frio. Está tudo tão calmo aqui, a esta altura toda, que a sensação que tens é que és um desses macacos do espaço. Fazes o trabalhinho que estás treinado para fazer.
Puxar uma alavanca.
Carregar num botão.
Não percebes nada e depois morres.
No cimo do 191.º andar, olhamos por cima da borda do telhado e a rua lá em baixo está sarapintada com uma carpete espessa de pessoas, de pé a olharem para cima. O vidro a partir-se é uma janela mesmo por baixo de nós. Uma janela rebenta o lado do edifício e lá vai um armário de arquivo, grande como um frigorífico preto, mesmo por baixo de nós, um armário de arquivos com seis gavetas cai da superfície escarpada do prédio, e cai girando devagarinho, e cai ficando cada vez mais pequeno, e cai desaparecendo no meio da multidão compacta.
Algures, nos 191 andares por baixo de nós, os macacos espaciais do Comité da Maldade do Projecto Destruição estão completamente enlouquecidos e destroem todos os vestígios da história.
Aquele velho ditado, matamos sempre aquele que amamos, bem, olha, funciona para os dois lados.
Com uma pistola enfiada na boca e o cano da arma entalado entre os dentes, só podes falar com vogais.
Chegamos aos nossos últimos dez minutos."
PALAHNIUK, Chuck (trad. Maria Dulce Guimarães da Costa), "Clube de Combate", Editorial de Notícias, Lisboa, 1999.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 27, 2004
segunda-feira, abril 26, 2004
"overflow"
Andrew Wyeth, Overflow, 1978
"- Estás a tremer. Estás doente?
- Estou excitada.
(…)
-Fecha os olhos.
- Oh, oh!
- Fecha-os.
- Não deixo que me ates.
- Minha querida amiga, quem é que deu a entender que te ia atar tão cedo?
- Já li coisas dessas nos livros.
- E então?
- Há escritores que escrevem livros desses.
- Fecha os olhos.
- Se tem que ser.
(…)
- Sinceramente, juro-te que é verdade. Nunca me masturbei antes dos vinte e sete anos.
- Coitadinha.
(…)
Despindo-o:
- Este cinto é novo.
(…)
- A minha mãe ensinou-me a nunca me sentar com a cona exposta.
- E as pernas sobre os ombros dum senhor.
- Nunca me disse isso. Não penso que ela imaginasse que eu me metesse nisso.
(…)
Depois de ele se vir. Docemente:
- Estás bem?
- Bonita menina.
- Em que pensas?
- Não penso. Não é óptimo?
- É sublime.
Philip Roth, "Traições", Bertrand Editora, 1991.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 26, 2004
domingo, abril 25, 2004
obrigado a todos aqueles que fizeram a Revolução de 25 de Abril.
A Amélia Pais enviou-nos a primeira versão de "Tanto Mar" de Chico Buarque.
TANTO MAR¹
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Chico Buarque
1975
¹ (primeira versão)
Letra original, vetada pela Censura;
gravação editada apenas em Portugal, em 1975
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 25, 2004
"Que vértigo de no verte"
Andrew Wyeth, Wind from the Sea, 1947.
ABRO LA VENTANA
Ahora me levanto
De esta cama
Ahora
Abro la ventana
Y entra la luz
Com el viento
Ahora te siento
Y estas tan lejos
De aquí
Si un dia te vas
Y ya no vuelves más
Si un día me voy
Y ya no vuelvo yo
Que largo es el mundo
Es infinito
Ayer te tuve
En mis brazos
Y hoy
Como un grano de arena
En algún suelo ajeno
Estas escondido de mí
Si un dia te vas
Y ya no vuelves más
Si un día me voy
Y ya no vuelvo yo
Que grán silencio
Todo en suspenso
Que vértigo de no verte
Retumbo
Como una camapana
Abro la ventana
Y entras tú
Entras tú…
Lhasa, The Living Road.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 25, 2004
sábado, abril 24, 2004
"Nós acreditávamos que na cave vivia qualquer coisa."
O'Keeffe, Bare Trunks with Snow
"Abraçámo-nos, caindo de lado para a cama, de uma forma controlada, e procurámos uma posição melhor, banhando-nos ao mesmo tempo na carne um do outro, tentando livrar-nos dos lençois a pontapé. O corpo dela possuía um sem número de cavidades, lugares onde no escuro a mão podia parar para resolver enigmas, lugares que exigiam um compasso mais lento.
Nós acreditávamos que na cave vivia qualquer coisa.
- O que é que tu queres fazer? - perguntou ela.
- O que te apetecer.
- Apetece-me fazer o que tu gostares mais.
- O que eu gosto mais é de te satisfazer - disse eu.
- Eu quero fazer-te feliz, Jack.
- Sinto-me feliz quando sinto que te satisfaço.
- Eu só quero fazer o que te apetecer.
- Apetece-me fazer o melhor que for para ti.
- Mas tu afradas-me deixando-me satisfazer-te - disse ela.
- Como parceiro masculino, acho ser meu dever satisfazer-te.
- Não consigo saber se isso é um comentário sensível e de quem ama ou uma afirmação sexista.
(...)
- Escolhe um século. Apetece-te ler sobre jovens escravas etruscas ou libertinas georgianas? Acho que temos aí qualquer coisa acerca de flagelação em bordéis. E a Idade Média? Temos incubi e succubi. Freiras aos montes.
- O que gostares mais.
- Tens de ser tu a escolher. Assim é mais excitante.
- Um escolhe, o outro lê. Não é o equilíbrio aquilo que queremos? Uma espécie de dar-e-receber? Não é isso que torna tudo mais excitante?
- Uma tensão, um suspense. De primeira. Eu escolho.
- Eu leio - disse ela. - Mas não quero que escolhas nada que fale de homens «dentro de mulheres», cito, ou homens a «penetrar mulheres». «Eu penetrei-a.» «Ele penetrou-me.» Não somos nenhumas entradas, nem nenhuns elevadores. «Eu desejava-a dentro de mim», como se ele se pudesse meter lá dentro de gatas, assinar o livro na recepção, dormir, comer e por aí fora. Concordas? Não quero saber o que essa gente faz ou não faz, desde que não se ponha a penetrar ou ser penetrada."
Don DeLillo, "Ruído Branco", Editorial Presença, 1991.
posted by Luís Miguel Dias sábado, abril 24, 2004
sexta-feira, abril 23, 2004
divulgação
Amanhã, por volta das 17h, na Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão, abre ao público a exposição o surrealismo abrangente colecção particular de Cruzeiro Seixas.
Cruzeiro Seixas: Diário de bordo, 1951
"Desfolhar uma rosa
é poesia
ou prosa?"
Cruzeiro Seixas
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 23, 2004
quinta-feira, abril 22, 2004
moleskine
Bill Brandt - a centenary retrospective
Nude, London, 1952, by Bill Brandt
"Antigamente, quando alguém queria guardar um segredo, subia a uma montanha e junto de uma árvore abria um buraco. Depois, sussurrava o segredo para esse buraco tapando-o de seguida com lama, e ele ali ficava."
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 22, 2004
quarta-feira, abril 21, 2004
"Wo hu zang long"
"Sempre que tocámos em alguma coisa tornámo-la efémera."
"Um coração sincero torna os sonhos realidade."
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 21, 2004
terça-feira, abril 20, 2004
All My Little Words
You are a splendid butterfly
It is your wings that make you beautiful
And I could make you fly away
But I could never make you stay
You said you were in love with me
Both of us know that that's impossible
And I could make you rue the day
But I could never make you stay
Not for all the tea in China
Not if I could sing like a bird
Not for all North Carolina
Not for all my little words
Not if I could write for you
The sweetest song you ever heard
It doesn't matter what I'll do
Not for all my little words
Now that you've made me want to die
You tell me that you're unboyfriendable
And I could make you pay and pay
But I could never make you stay
Magnetic Fields
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 20, 2004
segunda-feira, abril 19, 2004
"Amor omnia."
"- É aqui que vivo como eremita. Esquecida, apagada. E é assim que me convém. Preciso de solidão e de liberdade.
- Como passas o teu tempo?
- Eu própria cozo o meu pão, conserto a minha roupa.
- Tens rádio?
- Tenho. É preciso acompanhar os tempos, saber o que se passa.
- Escrevi-te recentemente.
- É verdade. Está aqui a tua carta. Repara.
- Poderias ter-me respondido.
- Não, Axel. Não se pode escrever à máquina a um velho amigo.
Tens então ainda um pouco de amizade para comigo?
- Tive muito afecto para contigo. Tenho ainda muito afecto para contigo. Vem cá. [sentam-se e dão as mãos] Há quanto tempo é que íamos às aulas juntos?
- Para aí há uns 30 ou 40 anos.
- E a nossa amizade sobreviveu a todo esse tempo.
- Uma amizade que nunca foi amor.
- Mas tu foste para mim um grande amigo.
- Ainda és jovem. A tua pele é tão branca e lisa.
- Vou ter mais rugas e a minha pele empalidecerá. Sabes no que estou a pensar?
- Não.
- Queres que te entregue as tuas cartas ? Não há necessidade de uma pessoa estranha as encontrar e ler as palavras vindas do teu coração. Toma.
- Posso queimá-las?
- Essas cartas são tuas. Faz delas o que quiseres.
- Nunca pensaste em ecrever poemas?
- Até escrevi um poema. Um só. Está aqui. Queres que to leia? Tem 3 estrofes.
- Sim.
- "Olha-me
Sou linda ?
Não.
Mas amei.
Olha para mim
Sou nova?
Não.
Mas amei.
Olha para mim
Estou viva?
Não.
Mas amei."
A Gertrude, com 16 anos escreveu um evangelho de amor.
- Lembras-te das tuas próprias palavras? “A única coisa que importa na vida é amar.” “Amar e nada, nada mais.”
Continuas da mesma opinião? Não estás arrependida de nada?
- Não estou arrependida de nada, e mantenho o que disse. Nada mais há na vida do que a juventude e o amor. Axel, um dia às portas da sepultura, debruçar-me-ei sobre o meu passado. Poderei dizer a mim própria: Sofri muito, enganei-me muitas vezes, mas amei.
- Pensas muito na morte?
- Já comprei a minha sepultura. Sei que serei enterrada junto a uma amoreira. E ontem encomendei a pedra tumular. Até já arranjei uma inscrição.
- O teu nome suponho?
- Não, só lá inscriverão duas duas palavras: "Amor omnia."
- O amor é tudo.
- Sim o amor é tudo. E disse ao jardineiro para só lá deixar crescer a erva. Na Primavera haverá anémonas. Se passares por lá, colhe uma anémona e pensa em mim. Considera-a como uma palavra de amor. Que foi pensada, mas nunca pronunciada."
Gertrude, Carl Dreyer.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 19, 2004
domingo, abril 18, 2004
uma imagem de, e para, três mulheres. para Alexandra Lucas Coelho, para Cristina Fernandes e para Charlotte
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 18, 2004
A Cristina Fernandes não é a Cristina Fernandes . Óptimo! Porquê? O talento é um dom, logo, quantos mais talentos melhor. e, nestes casos, isso é evidente.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 18, 2004
James Turrell, "Elliptic Ecliptic A", 1999
"Só de pensar nos teus encantos, comecei a dançar e caí ao chão; dei entrada no hospital e, em vez de te mandar dizer o que me sucedera, como seria devido, deixei-me embalar pela ilusão de que estava sempre junto a ti. Tu estavas sempre à minha beira e a olhar para mim. Talvez seja verdade que o amor é o próprio inimigo do maor. Foi unicamente por lealdade que fui desleal para contigo e agi de modo bem feio unicamente para poder desfrutar da beleza. Depois, quando caí em mim, já não tive coragem de ir ter contigo, andei a vaguear por aí, o meu espírito e a minha alma para sempre intimamente dependentes de ti e, portanto, tranquilos para sempre. Olha, amiga minha, a verdade é esta: não me aprouve ir ter contigo, porque tu me tinhas já feito demasiado feliz e poderias, talvez, tirar-me aquilo que já era meu. Para falar francamente, eu já tinha de ti o suficiente, ou seja, estava já tão possuído por ti que não carecia mais da tua presença. Além disso, sentia-me envergonhado, porque tinha pensado demasiado em ti. Algo me impele a travar conhecimento com uma outra mulher qualquer para a enganar de maneira sedutora, para lhe prestar todas as atenções, atenções a que só tu tens direito. Não é verdade que me roubaste toda a minha alegria, que me qualificaste de criança insegura? O amor faz de nós crianças; será que eu devo permitir que me inflijam tal empobrecimento? Foi por, na tua presença, me ter tornado assim um pobrezinho que já não pude dispor-me a voltar para ti e que usei de todas as minhas forças para reencontrar o caminho que conduz a mim mesmo. A pouco e pouco, fui deixando de saber chorar saudades tuas. Esquecer-te, isso não poderei nunca, mas tão-pouco me posso forçar a descurar, por tua causa, aquilo que me rodeia. (…)
Amo-te e tu és minha e, porque és minha, não sinto necessidade de voltar a ver-te. Para quê pormo-nos em movimento para apanharmos aquilo que já nos pertence. Cumulaste-me de tudo à saciedade e para sempre, deste-me em demasia, deixaste que eu te tomasse demais para que eu agora necessite que me dês ainda mais qualquer coisa. Quem iria querer que lhe continuassem a verter líquido num recipiente que já está cheio até à borda? Numa palavra, acho-te demasiado bela para seres desejada e coloquei-te demasiado alto para que possas continuar a satisfazer-me."
Robert Walser, "A Rosa", Relógio D`Água, 2004.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 18, 2004
sábado, abril 17, 2004
"Ao voltar do sindicato reflecti muito. Há pessoas que sonham durante a vida inteira, enquanto que outras transbordam de actividade. Lenta e inevitavelmente a vida escapa-se-nos. Seja qual for a forma como a vivemos. Eu interrogava-me como é que aquilo que eu tenho de mais caro no mundo estava prestes a fugir-me, sem eu saber porquê. Lembrei-me então de dois versos:
Guarda bem o tesouro que Deus te confiou a fim de não o deixares fugir.
Nenhuma vigilância é demasiada sobre aquilo que não se quer perder."
Gertrude, Carl Dreyer
posted by Luís Miguel Dias sábado, abril 17, 2004
sexta-feira, abril 16, 2004
"VÉRTIGO"
Giovanni Battista Tiepolo, “Saint Thecla Praying for the Plague-Stricken”, 1758–59.
"El viage en ferrocarril de Viena a Venecia apenas dejó huella en mi memoria. Quizá haya estado mirando durante una hora cómo, girando, se sucedían las luces de los barrios periféricos del suroeste de la metrópolis más o menos habitados, hasta que, calmado por el veloz desplaziamento que después de las interminables caminatas de Viena actuaba como un sedante, me hundí en un profundo sueño. Y mientras fuera hacía un buen rato que todo se había sumergido en la oscuridad, vi, en el sueño, la imagen de un paisage que no he podido olvidar desde entonces. (…)
Las nubes bajas, procedentes de los valles alpinos que se extendían por la zona desierta, se relacionaban en mi imaginación con un cuadro de Tiépolo que con frecuencia me he quedado observando un buen rato. Muestra Este, ciudad a la que la peste había castigado, castigado, con una apariencia incólume en la llanura. El fondo lo conforma una cordillera con una cumbre humeante. La luz extendida por encima del cuadro está pintada, según parece, por entre un velo de ceniza. Casi se cree que era esta luz lo que ha expulsado a los ombres fuera de la ciudad, al campo abierto donde, después de una época de vagar sin rumbo, quedaban finalmente abatidos, muertos, tirados por el suelo a causa de la peste que ellos mismos llevaban en su interior y que pugnaba por lair hacia fuera. En la mitad delantera del cuadro yace una mujer muerta por la peste con su hijo aún vivo en los brazos. Al lado izquierdo, de rodillas, Santa Tecla intercediendo por los habitantes de la ciudad, con la cabeza inclinada hacia arriba, hacia el lugar donde transitan los ejércitos celestiales y cuando queremos mirar nos dan una idea de cuanto acontece por encima de nuestras cabezas. Santa Tecla, ruega por nosotros, para que seamos liberados de toda adicción contagiosa y de una muerte imprevista, y seamos misericordiosamente redimidos de todas las embestidas de la corrupción. Amén."
SEBALD, W. G. "Vértigo", Editorial Debate, Madrid, 2001.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 16, 2004
quinta-feira, abril 15, 2004
moleskine
Montagnes célestes
Marc Riboud
« Le saint, portant en lui la Voie, répond aux êtres et aux choses,
et le sage, au cœur purifié, apprécie leurs images.
Des montagnes et des rivières, ces tangibles,
leur charme est spirituel. »
Zong Bing (fin IVe-début Ve siècle),
Introduction à la peinture de Paysage (Hua shanshui xu)
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 15, 2004
"VIAGEM A ITÁLIA" pela mão de Goethe e do Google 10
"Veneza, 9 de Outubro de 1786
Hoje á tardinha subi à torre de S. Marcos; como tinha visto recentemente lá de cima as lagunas em todo o seu esplendor na altura da maré cheia, queria vê-las também na sua hora mais modesta, com a maré vazia; é preciso juntar estas duas imagens se quisermos conhecer bem esta realidade. É estranho ver aparecer por todo o lado terra onde antes havia manchas mais altas edificadas de um grande pântano cinzento-esverdeado, atravessado por belos canais. A parte pantanosa está coberta de plantas marítimas, e isso fará com que pouco e pouco se eleve, embora as marés constantemente as resolvam e arranquem, não dando tréguas a esta vegetação.
Volto com a minha narrativa ao mar, onde hoje vi com muito gosto o mercado dos búzios, moluscos e caranguejos. Que preciosas e magníficas são todas as coisas vivas! Como se ajustam à sua condição, como são verdadeiras, realmente existentes! Agora vejo como me é útil o pouco que estudei das coisas da natureza, e alegro-me em poder continuá-lo! Mas não quero entusiasmar os meus amigos com meras exclamações, até porque estas coisas podem ser descritas e comunicadas.
Os paredões construídos do lado do mar apresentam primeiro alguns degraus altos, depois vem um leve plano inclinado, a que se segue novo degrau, nova superfície inclinada e em seguida uma parede íngreme com uma cabeça saliente no topo. Por estes degraus e rampas sobe o mar na maré alta, até rebentar e espumejar em cima, na parede e no seu rebordo saliente. Com o mar vêm os seus habitantes, pequenos búzios e comestíveis, moluscos univalves (patelle) e tudo o que se mexe, em especial os caranguejos. mas mal estes animais se instalaram no paredão liso, e já o mar, tal como tinha subido, desce novamente, ondulante e suave. A princípio todo aquele formigar vivo não sabe bem onde está e espera pelo regresso das ondas salgadas; mas estas não voltam, o sol queima-se e seca-os depressa,e então começa a retirada. Nesta altura os caranguejos procuram as suas presas. Não se pode imaginar como são estranhos e cómicos estes seres constituídos por um corpo redondo e duas tenazes compridas; as outras patas, como as das aranhas, nem se vêem. Como se tivessem andas, eles deslocam-se para todos os lados, e assim que uma lapa se move debaixo da sua casca, eles avançam e procuram enfiar a tenaz na estreita fresta entre a concha e a pedra, virar aquela e comer o molusco. A lapa continua o seu caminho, mas mal dá pela proximidade do inimigo agarra-se de novo à pedra. Aquele movimenta-se então à volta da pequena cobertura de forma curiosíssima, subtil e amacacada; mas falta-lhe a força para dominar o forte músculo do pequeno molusco, e a primeira continua calmamente o seu caminho. Não vi nenhum caranguejo conseguir os seus objectivos, embora tivesse observado durante horas a retirada desta bicharada, á medida que iam deslizando pelas duas rampas e pelas escadas até ao mar."
GOETHE (trad. João Barrento), "Viagem a Itália", Lisboa, Relógio D`Água Editores, 2001.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 15, 2004
quarta-feira, abril 14, 2004
blogosfera com os mais pequeninos
Ouguela Com Vida - o blog: Este blog será um espaco onde os alunos e a comunidade de Ouguela poderão partilhar com todos os amigos os seus sonhos...
Muitos parabéns aos alunos da Escola de Ouguela e a todos os seus responsáveis. Com a internet as fronteiras esbatem-se e o que está longe (longe do quê?) fica aqui mesmo ao lado. Um grande abraço para todos vocês. Se puder ser do tamanho do Alentejo, que amo, melhor. Deixo-vos uma cópia que tive que fazer quando tinha a vossa idade, tal e qual como a passei na altura. De cópias percebem vocês não é? O autor não sei quem é, mas aqui fica:
Copia
As ávores arvos árvores
são grandes e mansas
As ávores arvores
são verdes e brancas.
As avores arvores
são silenciosas e barulhentas
e gostam da Terra e do Sol.
As avores arvores
são meninas francas,
não falam
mas cantam
quando o vento
as convidas convida para dancar.
Uma vez mais um grande abraço e como podem ler, nessa altura, tal como agora, tinha e tenho um grande caminho a percorrer.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 14, 2004
"ia a correr nua com uma matilha de cães atrás de mim"
- Esperaste muito tempo por mim?
- Muito mesmo.
- Perdoa-me, meu amor.
- Vou tentar.
- Amas-me?
- Sim [acenando com a cabeça]
- Quero ouvir.
- Amo-te!
- Mais uma vez.
- Amo-te [displicentemente]. Amo-te [beijando-lhe o pescoço]. Mas temos que falar seriamente. O que posso ser eu para ti? Deixa-me antes seguir o meu próprio caminho, que jamais poderá, seja como for, tornar-se o teu.
- És tudo para mim. A minha nova vida, na alegria e na infelicidade.
- Infelicidade?
- Sim. Para mim é uma infelicidade amar-te como te amo. Ainda que eu não te compreenda.
- Para ti não passo de um capricho. Mandaste-me rosas.
- Foi pelo teu primeiro concerto. Não recebi resposta nem agradecimento.
- Recebi outras rosas.
- Recordas-te do nosso primeiro beijo?
- Recordo-me de muitos beijos, beijos que me fizeram perder o fôlego.
- Só pensava em ti. Quando te vi, não era capaz de outra coisa senão de amar-te.
- E quando te peço que sejas minha, hesitas. Sim, és tudo para mim.
- E sabes como é que isso aconteceu?
Não conhecia a tua voz. Tive que a ouvir para saber se te podia amar. Fui ver-te. Ainda não sei como é que tive coragem.
- Que sorte eu estar em casa.
[…]
- Estou cansado. Andei na borga esta noite.
- Como de costume. Isso é necessário para ser artista?
- De qualquer das formas, para mim é uma necessidade. Estive com amigos. Jogámos às cartas com uns trafulhas. Mas eram uns trafulhas bem simpáticos.
- Também jogaste?
- Estava meio a dormir, a pensar num tema. Ainda o tenho na cabeça. Com base nele, fazia uma sinfonia, se tivesse coragem de começar.
- Erland, não devias andar pelos cafés dessa maneira. Fico em tua casa esta noite, sim?
- Recebi um convite.
- Para casa de quem?
- De um homem que acaba de montar um apartamento para uma rapariga. Chama-se Constanz. A inauguração é esta noite. Não quero falhar.
- Não vás.
- Porquê?
- Porque eu to peço.
- Também te pedi uma coisa.
- Erland, há tanta música em ti que pede para ser composta. Se continuares assim, ela acaba por morrer. Quato às tuas inspirações a tresandar a cerveja não têm o mínimo valor. Peço-te, como se tratasse da minha vida, que não vás.
- Vivo como posso e quero viver, está-me no sangue. Ainda que eu te prometesse, não deixaria de lá ir.
- Nesse caso, é melhor que não me prometas nada.
- Vivo de uma maneira intensa porque isso me agrada. E, amanhã, recomeçamos. Gabriel Lidman acaba de regressar do estrangeiro. Festejamos os seus cinquenta anos. Como se fosse uma proeza ter 50 anos.
- Então encontramo-nos. Eu também lá vou.
- O teu marido também vai?
- Vai.
- O político. E, em breve, também ministro.
- Estás a falar de um homem que não conheces.
- Perdão.
- Erland, tive uma longa conversa com ele. Recuperei a minha liberdade. Posso fazer o que me apetecer.
- O que queres dizer? [espantado e surpreso]
- Disseste-me que nunca poderia seguir pelo mesmo caminho que tu. Posso, sim. A partir deste momento quero apenas ser tua. Esta noite tive um sonho.
- Com que sonhaste?
- Que ia a correr nua com uma matilha de cães atrás de mim. Quando me apanharam, acordei. Foi então que compreendi que estávamos sozinhos no mundo.
Dá-me a tua boca. A tua boca adorada.
- Onde queres ir agora?
- A tua casa. Vamos.
Gertrude, Carl T. Dreyer.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 14, 2004
KILL BILL vol. 2
Watch the 'Kill Bill Vol. 2' trailer
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 14, 2004
terça-feira, abril 13, 2004
"The Killing Moon"
Under blue moon I saw you
So soon you'll take me
Up in your arms, too late to beg you
Or cancel it, though I know it must be
The killing time
Unwillingly mine
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
In starlit nights I saw you
So cruelly you kissed me
Your lips a magic world
Your sky all hung with jewels
The killing moon
Will come too soon
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
Under blue moon I saw you
So soon you'll take me
Up in your arms, too late to beg you
or cancel it though I know it must be
The killing time
Unwillingly mine
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
You give yourself to him
La la la la la...
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
You give yourself to him
La la la la la...
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give your...self to him
Fate
Up against your will
Through the thick and thin
He will wait until
You give yourself to him
La la la la la...
Echo And The Bunnymen
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 13, 2004
segunda-feira, abril 12, 2004
"O Anjo Mudo" 1
"A chama da vela espelhava-se na tampa do pequeno estojo dourado, uma luz opaca e morna que se reflectia na parede formando um desenho dançante, uma rosca trémula que queria fugir mas estava presa, bailando no meio de um círculo diminuto. A freira rezava recolhida, um monumento escuro feito de muitas pregas de tecido no meio do qual só a mão branca e larga, a bater devota no peito, parecia viva, emergindo três vezes do tufo e desaparecendo, finalmente, à terceira vez.
O padre abriu a tampa do estojo como se fosse um relógio: a mancha de luz na parede apagou-se, e a hóstia leitosa provocou um brilho de felicidade nos olhos da moribunda; ela tentou erguer as mãos e bater no peito, mas a dor paralisou-a; o seu corpo retraiu-se num espasmo, as suas entranhas pareciam contrair-se como um punho a fechar-se de raiva, contendo somente dor, dor louca e reprimida que, de súbito e totalmente, desapareceu, tão rapidamente que ela se assustou e se sentiu desvanecer: com uma velocidade tremenda, algo subiu, jorrou por cima da beira da mesinha-de-cabeceira, embebeu com violência a base do crucifixo e sujou uma vela, mas o jorro mais forte caiu no chão, por cima da beira da cama, formando uma grande poça que alastrava rapidamente, no meio da qual o sapato brilhante da freira formava uma ilha; era sangue, sangue muito escuro… (…)
Sentia-se fraca e sem dor durante um momento que lhe pareceu terno, até que o punho invisível se contraiu novamente no seu corpo, esse punho que encerrava alguma coisa de imaterial: a dor, esses nada mortal, que, por dabaixo da pressão desesperada, podia libertar-se e erguer-se novamente, veloz e jorrante: desta vez o sangue corria pastoso e pesado pelo seu leito e foi absorvido pelo lençol como tinta: um grande círculo negro.
O rosto do padre parecia estar isolado do corpo: a batina escura misturava-se com a escuridão e, no meio desta escuridão estava o seu rosto cansado e assustado, as suas mãos estavam postas rígida e correctamente à altura daquilo que deveria ser o seu peito…
«Abençoe-me mais uma vez», murmurou ela… (…)
O jacto quente e repugnante do sangue chegou-lhe ao nariz, provocou-lhe uma tontura; ele ergueu-se rapidamente, mas já não foi a tempo: a batina não estava completamente abotoada, a onda molhou o peito da camisa, escorreu, lenta, e ele sentiu-a pesada e húmida; ergueu-se, tirou o estojo dourado do bolso e olhou-o assustado: estava manchado; segurou-o com cuidado para que não caísse e esfregou o lado sujo na manga, amedrontado e agitado, enquanto via a freira debruçar-se com tanta violência sobre a cama que a chama das velas tremeu. A pequena silhueta da cruz aumentou, a sombra da diminuta trave oscilou no tecto durante alguns segundos, larga e escura, e depois a chama diminuiu, a grande sombra da cruz afundou-se com ela, reduziu-se, e ele viu uma outra sombra, a do apagador de velas. Parecia um grande capuz; desceu lentamente, abateu-se sobre a vela e ficou parada, escura, num canto, e a sombra do crucifixo saltou um pouco mais para a esquerda da cama onde agora só uma vela brilhava."
BÖLL, Heinrich (trad. Edições Asa), "O Anjo Mudo", Diário de Notícias, Lisboa, 2003.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 12, 2004
"Sobre la historia natural de la destrucción" 2
"Los testimonios alemanes de esa época [pós 2ª Guerra Mundial], que apenas que aenas se remonta una genaración, son tan escasos y dispersos que, en ma colección de reportajes publicada por Hans Magnus Enzensberger en 1990 Europa in Trümmern (Europa en ruinas), sólo periodistas y escritores extranjeros toman la palabra, con trabajos que hasta entonces en Alemania, significativamente, apenas se habían conocido. Los pocos relatos en alemán procedían de antiguos exilados o de otros marginales com Max Frisch. Los que se quedaron en casa y, como por ejemplo Walter von Molo y Frank Thiess en la deplorable controversia sobre Thomas Mann, gustaban de decir que, a la hora de la desgracia, habían aguantado en su patria mienras otros contemplaban la función desde sus asientos de palco en América, se abstuvieron casi por completo de comentar el proceso y el resultado de la destruccion, sin duda en gran parte por miedo de caer en desgracia con las autoridades de ocupación si sus descripciones eran realistas. En contra de la suposición general, el déficit de transmisión de lo contemporáneo tampoco fue compensado por la literatura de la posguerra, deliberadamente reconstituida desde 1947, de la que hubiera cabido esperar alguna luz sobre la verdadera situación. (…)
Incluso la muy nombrada literatura de las ruinas, que se había fijado programáticamente un sentido insobornable de la realidad y, según confesión de Heinrich Böll, se ocupaba pricipalmente «de lo que… entramos al volver a casa», resulta sr, bien mirada un instrumento ya afinado con la amnesia individual y colectiva, probablemente influido por una autocensura preconsciente, para ocultar un mundo del que era imposible hacerse ya una idea. A causa de un acuerdo tácito, igualmente válido para todos, no había que describir el verdadero estado de ruina material y moral en que se encontraba el país entero. Los aspectos más sombrios del acto final de una destrucción, vividos por la inmensa mayoria de la población alemana, siguieron siendo un secreto familiar vergonzoso, protegido por una especie de tabu, que quizá no se podia confesar ni a uno mismo. De todas las obras literarias surgidas a finales de los cuarenta, la novela de Heinrich Böll El ángel callaba es en realidad la única que da una idea aproximada de la profundidad del espanto que amenazaba apoderarse entonces de todo el que verdaderamente mirase las ruinas que lo rodeaban. Al leerla resulta evidente enseguida que precisamente ese relato, impregnado al parecer de una irremadiable melancolía, era demasiado para los lectores de la época, como pensaba la editorial y sin duda también el proprio Böll, y por ello no se publicó hasta 1992, casi cincuenta años más tarde. De hecho el capítulo diecisiete, que describe la agonía de la señora Gompertz, es de un agnosticismo tan radical que incluso hoy resulta dificil de olvidar. La sangre oscura, de grumos pegajosos, que en esas páginas brota a raudales y entre espasmos de la boca de la moribunda, se expande por su pecho, tiñe las sábanas y cae al suelo, formando un charco que se extiende rápidamente, esa sangre como tinta y, como el propio Böll subraya, muy negra, es el símbol de la acedia cordis contra la voluntad de sobrevivir, la depresión lívida, imposible ya de eliminar, en que hubieran tenido que caer los alemanes ante semejante final."
SEBALD, Winfried Georg, "Sobre la historia natural de la destrucción", Barcelona, Anagrama, 2003.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 12, 2004
domingo, abril 11, 2004
moleskine "Rembrandt`s Journey" para
mjo
The return of the prodigal son, c. 1662.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 11, 2004
sábado, abril 10, 2004
esta semana, a galeria virtual (desculpem a presunção) é dedicada aos companheiros secretos
"When I think of art I think of beauty. Beauty is the mystery of life. It is not in the
eye it is in the mind. In our minds there is awareness of perfection.
Agnes Martin
You can see that you will have to have time to yourself to find out what appeals to your mind. While you go along with others you are not really living your life. To rebel against others is just as futile. You must find your way.
Happiness is being on the beam with life--to feel the pull of life.
Agnes Martin, "Beauty is the Mystery of Life"
I can see humility
Delicate and white
It is satisfying
Just by itself. . .
And Trust
absolute trust
a gift
a precious gift
I would rather think of humility than
anything else.
Humility, the beautiful daughter
She cannot do either right or wrong
She does not do anything
All of her ways are empty
Infinitely light and delicate
She treads an even path.
Sweet, smiling, uninterrupted, free.
. . Agnes Martin 1973"
posted by Luís Miguel Dias sábado, abril 10, 2004
sexta-feira, abril 09, 2004
"Representar a Paixão de Jesus"
O viver de Jesus é uma paixão como não há memória sobre a terra que os homens pisam. Jesus viveu sempre em estado de paixão. A cada momento tudo, podia ser o seu lema. Na conversa com a Samaritana ou Nicodemos, a quem ele explicou o que era nascer de novo. No encontro com os excluídos e com as multidões. No solitário silêncio da sua oração ao Pai. Na proclamação das Bem-Aventuranças que superam a antiga Lei ou nas paradoxais parábolas que põem a sabedoria do avesso. Na mesa dos justos fariseus ou do corrupto Zaqueu. No êxito da Galileia ou no julgamento em Jerusalém. A cada momento tudo. Por alguma razão, os evangelistas não pretenderam contar a tortura de um inocente, mas antes a grande revelação humana e divina que a sua inocência constitui. (...)
José Tolentino Mendonça
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 09, 2004
pynchon, pynchon...
"79) Muito mais oculto do que Gracq ou Salinger, o nova-iorquino Thomas Pynchon, escritor de quem apenas se sabe que nasceu em Long Island em 1937, formou-se em Literatura Inglesa na Universidade de Cornell em 1958 e trabalhou como redactor para a Boeing. A partir daí, nada de nada. E nem uma fotografia, ou melhor, uma, dos seus anos de escola na qual se vê um adolescente francamente feio que não tem forçosamente de ser Pynchon, e é uma mais do que provável cortina de fumo.
José Antonio Guerpegui conta um episódio que há anos lhe contou o seu saudoso amigo Peter Messent, professor de literatura norte-americana na Universidade de Nottingham. Messent fez a sua tese sobre Pynchon e, como é natural, ficou obcecado por conhecer o escritor que tanto estudara. Depois de vários contratempos, conseguiu uma breve entrevista em Nova York com o deslumbrante autor de “Leilão do Lote 49”. Os anos passaram e quando Messent já se tinha transformado no prestigiado professor Messent – autor de um grande livro sobre Hemingway – foi convidado, em Los Angeles, para uma reunião de íntimos com Pynchon. Para sua surpresa, o Pynchon de Los Angeles não era de maneira nenhuma a mesma pessoa que tinha entrevistado anos antes em Nova York, mas, tal como esse, conhcia perfeitamente os pormenores mais insignificantes da sua obra. Ao terminar a reunião, Messent atreveu-se a expor a duplicidade dos personagens, ao que Pynchon, ou fosse quem fosse, respondeu sem a menor perturbação:
- Então você terá de decidir qual é o verdadeiro."
VILA-MATAS, Henrique (trad. José Agostinho Baptista), "Bartleby & Companhia", Lisboa, Assírio & Alvim, 2001, p.p. 186 e 187.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 09, 2004
Matthaeus Grünewald, Georg Wilhelm Steller y Sebald
Si me hubiera quedado en mar abierto (IV)
Cuando el barco zarpó de la bahía de Danzig,
Steller, que nunca se había enfrentado
al mar, se quedó un buen rato en cubierta,
haciéndose preguntas acerca de la travesía
sobre las aguas, acerca de la energía y el peso,
acerca de la sal en el aire y acerca de
la oscuridad empujada hacia las profundidades
bajo la quilla. A su izquierda,
el límite del entrante de arena de Putzig;
a su derecha, el cabo
frente a Frische Haff,
una pálida línea gris, infinita
fusionándose con un gris más pálido aún.
Frente a él lo que había sido Alemania,
lo que había sido su vida, su infancia,
los bosques de Windsheim;
el aprendizaje de las lenguas antiguas
demorándose durante toda su juventud:
perscrutamini scripturas,
¿no podría querer decir
perscrutamini naturas rerum?
W. G. SEBALD
Poema perteneciente a "Nach der Natur. Ein elementargedicht (Tras la naturaleza. Un poema elemental, 1995)", el primer libro de Sebald, un poemario aún inédito en español. Sus protagonistas son el pintor Matthaeus Grünewald, el botánico Georg Wilhelm Steller y el propio Sebald, que utiliza esas tres vidas para hablar de las incertidumbres del pasado y la carga que la historia nos coloca sobre los hombros.
in www.elcultural.es
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 09, 2004
quinta-feira, abril 08, 2004
para Augusto M. Seabra
obrigado.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 08, 2004
fracção. 20 anos. íntima.
" Em direcção ao fundo das horas ... ".
"Atravessando sozinho o deserto, transportando-se a si mesmo sem nenhum apoio trascendente, o homem actual caracteriza-se pela sua vulnerabilidade."
Lipovetsky
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 08, 2004
"Coffee and Cigarettes" - Jim Jarmusch
TRAILER PAGE
"Coffee and Cigarettes is a comic series of short vignettes that build on one another to create a cumulative effect as the characters discuss things as diverse as caffeine popsicles, Paris in the twenties, and the use of nicotine as an insecticide, all the while sitting around sipping coffee and smoking cigarettes. As Jarmusch delves into the normal pace of our world from an extraordinary angle, he shows just how absorbing the obsessions, joys, and addictions of life can be.
Cast:
Roberto Benigni, Steven Wright, Joie Lee, Cinqué Lee, Steve Buscemi, Iggy Pop, Tom Waits, Joe Rigano, Vinny Vella, Vinny Vella Jr., E.J. Rodriguez, Alex Descas, Isaach De Bankole, Cate Blanchett, Meg White, Jack White, Alfred Molina, Steve Coogan, GZA, RZA, Bill Murray, Bill Rice, Taylor Mead."
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 08, 2004
quarta-feira, abril 07, 2004
"Sobre la historia natural de la destrucción" 1
"A pesar de los denodados esfuerzos por la llamada superacion del pasado, me parece como si los alemanes fuéramos hoy un pueblo sorprendentemente ciego a la historia y sin tradiciones. No conocemos el interés apasionado por la antigua forma de vida y las características específicas de nuestra civilización, como por ejemplo se aprecia por todas partes en la cultura de Gran Bretaña. Y, cuando volvemos la vista atrás, en especial a los años entre 1930 y 1950, miramos y apartamos los ojos al mismo tiempo. Por eso, las obras de los escritores alemanes de después de la guerra están marcadas a menudo por una conciencia medias o equivocada de la necesidad de consolidar una posición sumamente precaria de quienes escribían en una sociedad desacreditada moralmente casi por completo. Para la abrumadora mayoría de los literatos que permanecieron en Alemania durante el Tercer Reich, redefinir la comprensión de sí mismos era una cuestión más urgente que describir las auténticas condiciones que los rodeaban después de 1945. Característico de las desagradables consecuencias que se derivaban para la práctica literaria fue el caso de Alfred Andersch. (…)
En aquella época [hace unos años] me valió duras reprimendas de personas que no querían admitir que, durante el despliegue aparentemente incontenible del régimen fascista, una postura de oposición básica y una inteligencia despierta, por las que Andersch sin duda se caracterizaba, podían convertirse en intentos más o menos conscientes de adaptación, y que ello podía hacer ajustes al presentar su vida, mediante discretas omisiones y otras enmiendas. En esa preocupación por retocar la imagen que se quería transmitir se encuentra, en mi opinión, una de las razones fundamentables de la incapacidad de toda una generación de escritoes alemanes para describir y traer a nuestra memoria lo que bían presenciado."
SEBALD, Winfried Georg, "Sobre la historia natural de la destrucción", Barcelona, Anagrama, 2003.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 07, 2004
Entrevista
"La ficción contemporánea está dominada por el vacío de ideas"
Sebald nació en 1944 en Wertach, Allgäu, en los Alpes bávaros, y creció en una postguerra traumatizada por la violencia, y culpabilizada de la propia. La familia emigró en 1965, primero a Suiza y después a Inglaterra. Desde 1970 enseñaba literatura en Norwich. Todos sus libros fueron escritos en alemán y publicados en su país. Quizá por el modo tangencial –hasta Austerlitz–, nada “oficialista”, con que abordó el tema del Holocausto, nadie le prestó mayor atención en Alemania. Su universo lírico pertenece a esa tradición, pero también a ese confín que son las literaturas menores del destierro.
–Vértigo, su libro más popular, comienza con un Stendhal subteniente, que revisita el campo de la batalla de Marengo, en plena campaña napoleónica. Sus libros muestran su preocupación por la geografía, perdida para las ciencias naturales y ya apoderada por la historia. Esto está en el centro de su melancolía y de su concepto del pasado.
–La geografía y la topografía han sido importantes para mí desde la infancia. Pasé horas incontables, creci prácticamente, buscando países y regiones en los atlas.Wertach, el pueblo alemán donde me crié, estaba rodeado de un ambiente natural. La geografía sigue siendo una preocupación. Siempre necesito saber dónde estoy y conocer cómo son en verdad los lugares que sólo conozco como nombres en el mapa. Como esto es parte de mi propia infancia, no es sorprendente que tenga ese toque melancólico
que usted señala.
–Eso evoca también, y no es la única referencia, al pequeño Walter Benjamin estudiando su colección de estampillas, ¿recuerda?, la exótica estampilla de Liberia.
–Pero mi gusto por los mapas no tiene nada que ver con el coleccionismo. Nunca fui un coleccionista. En mi caso, siento una inquietud concreta por el mundo real y el estado en que se encuentra. Es difícil abstraerse del mundo real. De hecho, nunca deja de asombrarme que tantos escritores reconocidos ignoren olímpicamente el estado del mundo y se embarquen en interminables disquisiciones personales o confesionales sin importancia.
–Volviendo a la geografía –en "Los anillos de Saturno" se trata de un viaje a pie, como aquellos que revelaban el territorio para los cartógrafos–, encuentro que su narrativa refleja la pérdida definitiva del paisaje como el contexto natural del hombre. Algunos autores en lengua alemana reclaman el derecho de re- leer el romanticismo.
–No digo que no se vincule con el romanticismo pero eso fue hace dos siglos.Yo vuelvo a lo real. Mi melancolía se debe
a que el paisaje está amenazado realmente; de hecho, está desapareciendo. Los escenarios naturales están siendo regulados, normalizados, incluso borrados violentamente, como hemos visto en los últimos meses. En ciertas regiones de Europa, como Holanda y Alemania, no existe ya el paisaje sino como un vacío reconstruido por el hombre. Eso claramente milita contra la experiencia de mi infancia. Cada tradición nacional tiene sus problemas, sus puntos ciegos. En Alemania, como usted sabe, el romanticismo fue empleado políticamente por el nacionalismo, y por lo tanto
uno debe ser muy cuidadoso. Quiero decir, no podemos volver atrás. Pero sí los alemanes también, como todas las identidades, tenemos el derecho de lamentar lo mucho que hemos perdido, porque ese lamento es, de algún modo, una de las pocas formas de consuelo.
–Usted ha escrito sobre el trauma de los bombardeos de la Segunda Guerra en Luftkrieg in der Literatur. Este tópico, poco tratado en la literatura, es parte de lo que señala.
–Sí, los bombardeos, por cierto. En Alemania, el paisaje urbano, que era de una gran densidad histórica, fue arrasado
en tres años y reconstruido a nuevo en un lustro. Así, lo que tenemos ahora es un símil histórico en el que las ciudades no guardan la memoria de sí mismas.
Homenaje a Robert Walser
–Usted homenajea reiteradamente, aunque sin nombrarlo, al escritor suizo Robert Walser. Precursor de Kafka,internado en un psiquiátrico, Walser sólo salía del asilo para dar largas caminatas. Es una especie de emblema de fracaso victorioso, de triunfo de la mudez. Walser está en varios personajes, sobre todo en el tío Ambros Adelwarth, de Los emigrados, y en Ernst Herbeck de Vértigo.
–Hay un razón autobiográfica. Siempre me inquietó que Walser muriera el mismo día que mi abuelo, con quien me crié. Además, los dos se parecían muchísimo físicamente, fueron caminantes de largas distancias y tuvieron muertes semejantes. El escenario de los paseos de Walser distaba cien kilómetros de nuestra casa, en Wertach. La tradición en la que él estaba –digamos, fuera de la que él se situaba debido a sus largos períodos de alienación mental–, también es la mía. Y, sin duda, aprecio la singularidad de su escritura, en verdad intraducible. Pero más que como un emblema del desperdicio, lo es para mí de cierta inocencia. Los artistas tendemos a ser vanos y egocéntricos, y Walser es uno de los grandes inocentes de la literatura.
–Usted ha sido también un lector exhaustivo de Thomas Bernhard.
–Su particular estilo es una constribución importantísima. Esos monólogos a lo largo de cientos de páginas estaban contra todas las convenciones de su época. Y además, tuvo una actitud personal incluso épica, al escribir casi un libro por año durante veinticinco años, persistiendo a pesar de los ataques y de sus propios ataques de cólera contra su país y su sociedad. Es la antítesis de Walser. La llegada de los nazis al poder coincidió con su reclusión autoimpuesta, de modo que él no se ocupó del tema. En cuanto a Bernhard, combatió en cada una de sus líneas las perversiones fascistoides de la sociedad austríaca.
Poética de la extinción
–Usted nombra dos casos de exilio interior, en Austria y Suiza, y autores a contramano del uso compartido del alemán. Vive en Inglaterra desde hace treinta y cinco años y escribe, también, en una lengua de invernadero.
–Vivo en un ambiente distante. Mi alemán no tiene un color moderno y está más influenciado por la lengua que ya sólo existe en mi recuerdo.Esto no es tan singular. Piense en Canetti, en Peter Weiss, la Rumania fascista o la España
franquista.Desde Nabokov a Semprún, es un fenómeno del siglo XX el que gran parte de su literatura se escribiera en
contextos extranjeros. Las guerras hicieron que fuera más habitual para la lengua alemana.
–Hablemos de las imágenes en sus libros. Deliberadamente low tech, detienen la historia en fotogramas, encuadran el relato en un realismo anacrónico, recrean una literatura de posguerra. De ese pasado en blanco y negro, los personajes nunca acaban de emerger.
–Lo que no quiero es que los lectores las confundan con ilustraciones, por eso les he dado un tratamiento deliberadamente low tech. En verdad, eso es lo último que pretenden. No se trata de libros ilustrados sino de imágenes que son parte del texto. A veces lo complementan, y siempre proveen piezas de evidencia circunstancial. Verdaderas o no, funcionan en esa dirección. Suspenden el fluir del relato, crean hiatos de lectura. Antes de saber lo que estaba haciendo con estas imágenes, mientras tomaba la decisión de incluirlas, formaban parte sustancial de mi material de trabajo y por lo tanto, tenían el derecho de estar allí. Trabajaba con esas imágenes sobre mi mesa: escribía en torno
de ellas. Quizá lo que dice de una narrativa de posguerra sea acertado porque se seguía haciendo mucho cine en blanco y negro en esos años y a mí, ciertamente, siempre me pareció superior. No creo que el color en el cine haya develado zonas particularmente interesantes. Por el contrario, el blanco y negro conserva un misterio, algo que no se entrega en la imagen.
–Walser, Bernhard, usted: casi una poética de la extinción.
–Ah, ese último libro de Bernhard... No es tan descabellado. Las cosas hoy desaparecen a una velocidad inaudita, mucho más rápido que nunca antes en la historia. Basta mirar la pasmosa lista de especies que desaparecen cada día, botánicas y zoológicas, organismos gigantescos o diminutos, perdidos para siempre. Incluso la Historia desaparece. Las poblaciones ya no pueden apresar su sentido ni experimentarla. Muchos viven en raros espacios libres de historia. Esto no es un lamento general, porque siempre ha existido la desaparición, pero nunca a este ritmo. Es aterrador mirar cuánto daño y extinción se ha causado en los últimos veinte años, y el proceso de aceleración parece irrefrenable. Es interesante que la literatura se haga cargo de esta consternación.
–Sin embargo, las ciencias naturales, un tema tan suyo, hoy derivan hacia la tecnología. El hombre crea especies, ratones luminosos, sandías cuadradas.
–Preferiría no estar presente cuando comiencen a venderse en el mercado de Norwich. La perspectiva de nuevas especies industrializadas me da escalofríos, es sencillamente horrenda.
–Al igual que en algunos relatos de Claudio Magris, hay constantes referencias a Borges en su obra, sobre todo en "Los anillos de Saturno". En "Vértigo" hay un anti-Funes: cierto personaje sufre del mal del olvido.
–Siempre valoré en Borges que creyera tan importante incorporar ideas sobre la vida en sus relatos, el valor de las ideas... La ficción contemporánea está dominada casi enteramente por el vacío de ideas. Una interminable catarata de descripciones sobre las relaciones humanas, en distintas permutaciones y sin ningún sentido de la densidad de la historia, y la escrupulosa exclusión de cualquier elemento que pueda pálidamente parecerse a una idea... Borges es un escritor que no puede escribir tres líneas sin incluir alguna lucubración iluminadora. Sin embargo, tenía muy poco en común con la figura del escritor intelectual. El suyo es otro tipo de pensamiento, el cual, aunque fuera heurísticamente, siempre tiene un carácter elucidatorio. Tengo la mayor admiración por él.
La marca de la especie
–Le mencioné a Magris; antes hablábamos de procedimientos narrativos. El pasado en sus libros se pliega, pasado sobre modernidad, pasado plissé y la modernidad como una fecha límite que, sin embargo, no puede superarse. Nunca hay un nuevo comienzo... Pero hoy día asistimos a un historicismo maniático: “el verdadero comienzo del siglo”, “el nuevo orden mundial”.
–Mi visión del pasado no ha cambiado en absoluto con los acontecimientos de este año. Me queda claro que la violencia
se vuelve cada vez más endémica y que esto está en la lógica misma del desarrollo tecnológico. En el pasado, la violencia irrumpía inesperadamente; en cambio, ahora se ha vuelto constante bajo formas diversas y difusas y ya no es posible eludirla. Y creo que ahora la violencia va a determinar de manera directa nuestras vidas. Incluso cuando vamos a un aeropuerto la sentimos. El 11 de septiembre aumentó lo que sentimos durante mucho tiempo, una sensación de permanente amenaza, porque la catástrofe está incorporada al sistema. Si usted va de Buenos Aires a México, debe maravillarse de que la catástrofe no se haya producido, porque un pequeño desperfecto tiene la capacidad de desatar una catástrofe en cadena. Si atraviesa Francia a pie, las oportunidades de una catástrofe son mucho más limitadas.
–Seguro. Sin embargo, en Afganistán y en Bosnia ni siquiera se puede caminar. Lo real es que medio planeta está sembrado de minas. De hecho, el peregrino también es una especie en extinción: ése es un hallazgo de Sebald, y un modelo de experiencia sebaldiana.
–La violencia, y por ende la historia, es la marca de nuestra especie. Ninguna otra tiene nuestra capacidad destructiva, ni un poder mortífero semejante. La amenaza hoy se vuelve endémica por segundo. No crea que deja de sentirse en un pueblito del Este de Inglaterra.
¿Qué es lo sebaldiano? Sus narraciones fluyen –mejor: se siguen– de un breve relato a otro, sin distinción entre ficción, autobiografía y ensayo literario, según un ritmo de oleaje, plegados en sí mismos. A pesar de su precisión extrema para los detalles, lo sebaldiano no es enfático. Rodeada de pudor, cuando la dimensión privada se cruza con la Historia, su prosa es autodiminutiva, sin vanidad. (Un crítico estadounidense observó que en Austerlitz cabe la analogía con Proust, “sólo que la magdalena de Sebald está envenenada”). Todos sus personajes sufren alguna forma de enajenación, política o neurológica, que les impide emerger al presente. Cuentan viajes –de personalidades históricas, del narrador–, en los que sólo se encuentran vestigios, o, en su ausencia, "el poder inmenso del vacío".
in www.elcultural.es
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 07, 2004
terça-feira, abril 06, 2004
Farö
Aernout Mik, Float (1998).
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 06, 2004
Sentado debaixo do grande terebinto XXV
"- O que eu receava - irrompeu Jacob com uma voz que a dor diminuíra, tornando-a mais aguda e meio abafada - o que eu receava desabou sobre mim, aconteceu o que eu temia. Compreendes isto, Eliezer? Podes concebê-lo? Não, não, não se pode conceber que suceda exactamente o que se temia. Se eu não o tivesse temido e isto tivesse inopinadamente caído em cima de mim, eu acreditaria e diria ao meu coração: foste irreflectido, não evitaste o mal porque não o viste a tempo de o evitar. Sabes, na surpresa pode-se acreditar. Mas que aconteça o que se tinha previsto e se desdenhe deixando que aconteça, é um horror com que eu não concordo!
- Nas provações que Deus manda aos homens não há acordos prévios - retorquiu Eliezer.
- Não, por direito, não. Mas pelo sentimento humano que tem também a sua razão e a sua revolta! Para que foi dado ao homem o medo e a precaução, senão para conjurar o mal, para tirar a tempo ao destino os maus pensamentos e os pensar ele próprio? O destino então enquieta-se, também se envergonha e diz de si para si: «São estes ainda os meus pensamentos? Se são pensamentos humanos, não quero saber mais deles.» Mas que será do homem, se a precaução já não lhe serve para nada, se ele teme em vão e teme com razão? Ou como pode um homem viver, se já não pode esperar que as coisas aconteçam diferentemente do que pensa?
- Deus é livre - disse Eliezer."
Thomas Mann, "O jovem José", Livros do Brasil.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 06, 2004
segunda-feira, abril 05, 2004
"There is a vast shadow universe of normally unseen matter that exists side by side with ours."
"- Como é que nunca os vi antes?
- Somos aqueles que vocês nunca vêem."
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 05, 2004
domingo, abril 04, 2004
dos revisionistas em directo que são os comentadores relatadores dos jogos de futebol na televisão pública
estão no seu melhor. ouçam-nos, ouçam-nos. se se muda tanta coisa na rtp, por que raio de razão é que temos que continuar a aturar estes senhores?
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 04, 2004
Empire
In national elections
In songs raised on high
With stirring emotions
As tears fill our eyes.
In democratic fever
For national defense
I am a mountain
I am a mountain
I am a mountain
Like birds upon a fence
Like birds upon a fence
Young artists and writers
Please heed the call
What's good for business
Is good for us all
For as it is in Nature
So it is in life:
The weak among us perish
The weak among us perish
The weak among us perish
The strong alone survive
The strong alone survive
Voices like thunder
Decisions like steel
The past and the future
They belong to us all
From every mountain
The water and the land
The world that we've created
The world that we've created
The world that we've created
By working hand in hand
By working hand in hand
Written by David Byrne ? 2004
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 04, 2004
Sépia - arte e estética
O nosso muito obrigado ao António Carvalhal que se deu ao trabalho de realizar um pequeno banner para o nosso blogue. obrigado, gostámos muito. há dias assim. aqui fica:
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 04, 2004
blogosfera
de visita a alguns blogues:
A Amiga de História - O Blogue da Pró-Secção Cultural «A Amiga de História» da Associação Académica de Coimbra
Tripping Out of my Space - Descriptions and impressions acquired when travelling abroad... As viagens aqui blogueadas, sao percursos fisicos e mentais, feitos fora da minha terra...
Em defesa da nossa identidade - Espaço dedicado à defesa da nossa Identidade cultural, económica e tecnológica.
MaisTurvaSão - Inconfidências à Mão
A [Minha] Jornada - Paixões e Trabalhos de Filinto Melo
quase em português
As Musas Esqueléticas- "Vinde cá, meu tão certo secretário Dos queixumes que sempre ando fazendo"
|a|barriga|de|um|arquitecto| - | s ó | e x i s t e | u m | i n s t a n t e | e | é | a g o r a | m e s m o | e | é | a | e t e r n i d a d e |
Brinca na areia
B. LOGO ESCREVO - Diário Literário e de Desobediência
Welcome to Elsinore - Entre nós e as ideias...
O Proletário Vermelho - O proletariado unido na luta contra o capitalismo e a burguesia. Todos os elementos do povo que desejem exprimir o seu justo ponto de vista na voz do proletariado podem enviar mensagens a "oproletario@netscape.net"
Primeiro blog
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 04, 2004
sábado, abril 03, 2004
moleskine
Alice Neel Gallery
Self Portrait, 1980.
"Desta vez, levado por um impulso do momento liguei para a Sr. Neel, que estava e me disse que evidentemente podia ver o retrato de Gould e deu-me o endereço do atelier dela. Tratava-se de um edifício num bairro de negros e porto-riquenhos no Upper East Side e a Sra. Neel revelou-se uma mulher magestosa de cinquenta e poucos anos, loira e bonita, com uma voz suave."
MITCHELL, Joseph (trad. José Lima), "O Segredo de Joe Gould", Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001.
posted by Luís Miguel Dias sábado, abril 03, 2004
sexta-feira, abril 02, 2004
"Gostarás da Grécia"
Henri Rousseau. The Dream. 1910.
"Quando acordei e subi à coberta, o navio deslizava por um estreito apertado. DE ambos os lados havia colinas baixas e áridas, suaves outeiros de terra salpicados de violetas e de proporções humanas tão íntimas que faziam chorar de alegria. O Sol estava quase no zénite e o seu fulgor era ofuscantemente intenso. Encontrava-se precisamente naquele pequeno mundo grego cujas fronteiras descrevera no meu livro alguns meses antes de deixar Paris. Era como acordar e encontrar-me vivo um sonho. Havia algo de fenomenal na proximidade luminosa destas duas costas cor de violeta. Deslizávamos exactamente da mesma maneira que le douanier de Rousseau descrevera no seu quadro. Era mais que uma atmosfera grega: era poético e não pertencia a nenhum tempo ou lugar efectivamente connhecidos pelo homem. O próprio barco era o único elo com a realidade. Estava cheio até às amuradas de almas perdidas desesperadamente agarradas aos seus poucos haveres terrenos. Mulheres esfarrapadas, de peitos desnudos, tentavam em vão amamentar os filho pequenos que berravam desalmadamente; estavam sentadas no chão da coberta, num chiqueiro de vómito e sangue, e o sonho que iam atravessando nem lhes roçava as pálpebras. Se tivéssemos sido torpedeados naquele instante, teríamos passado assim, no meio de vómito, sangue e confusão, para o negro mundo inferior. Naquele momento rejubilei com o facto de ser livre de haveres, livre de todos os laços, livre de medo, e inveja, e maldade. Podia ter passado serenamente de um sonho para outro sem possuir nada, sem lamentar nada, sem desejar nada. Nunca tive maior certeza de que a vida e a morte são uma e a mesma coisa e nenhuma delas pode ser fruída ou abraçada se a outra estiver ausente."
MILLER, Henry (trad. Fernanda Pinto Rodrigues), "O Colosso de Maroussi", Lisboa, Livros do Brasil, 1996.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 02, 2004
quinta-feira, abril 01, 2004
Moleskine
Gérard GAROUSTE "Portraits"
Gérard Garouste, Le vol du fou (autoportait), 2003.
"O seu íntimo estava sempre dominado pela angústia, e isso afligia-o, o seu organismo era o mais delicado e frágil que se possa imaginar."
Thomas Bernhard
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 01, 2004