terça-feira, abril 27, 2004
"o primeiro passo para a vida é termos de morrer."
Bill Viola, The Messenger, 1996
"O Tyler arranja-me um emprego como criado de mesa, a seguir o Tyler está a enfiar-me uma arma na boca e a dizer que o primeiro passo para a vida é termos de morrer. No entanto, durante muito tempo, o Tyler e eu fomos os maiores amigos do mundo. As pessoas estão sempre a perguntar se eu conhecia o Tyler Durden.
Com o cano da arma encostado ao fundo da minha garganta, o Tyler diz:
- Não vamos morrer de verdade.
Com a língua, consigo sentir os buracos do silenciador que abrimos no cano da arma. A maior parte do barulho que uma arma de fogo faz resulta da expansão de gases e daquela explosãozinha sonora que a bala produz porque se desloca tão depressa. Para fazer um silenciador, basta abrir uns buracos no cano da arma, uma data de buracos. Isso permite que o gás saia e faz com que a bala se desloque a uma velocidade inferior à do som.
Se nos enganarmos a abrir os buracos, a arma rebenta-nos com a mão.
- Isto não é uma morte verdadeira – diz o Tyler. – Vamos tornar-nos uma lenda. Nunca seremos velhos.
Toco com a língua no cano metido na minha bochecha e digo:
- Tyler, tu estás é a pensar em vampiros.
O edifício onde estamos vai deixar de existir dentro de dez minutos.
(…)
Bem, eu e o Tyler estamos no cimo do Edifício Parker-Morris com a arma enfiada na minha boca, e ouvimos vidros a partirem-se. Olhamos por cima da borda. Está um dia enevoado, mesmo a esta altura. Este edifício é o mais alto do mundo e a esta altura o vento é sempre frio. Está tudo tão calmo aqui, a esta altura toda, que a sensação que tens é que és um desses macacos do espaço. Fazes o trabalhinho que estás treinado para fazer.
Puxar uma alavanca.
Carregar num botão.
Não percebes nada e depois morres.
No cimo do 191.º andar, olhamos por cima da borda do telhado e a rua lá em baixo está sarapintada com uma carpete espessa de pessoas, de pé a olharem para cima. O vidro a partir-se é uma janela mesmo por baixo de nós. Uma janela rebenta o lado do edifício e lá vai um armário de arquivo, grande como um frigorífico preto, mesmo por baixo de nós, um armário de arquivos com seis gavetas cai da superfície escarpada do prédio, e cai girando devagarinho, e cai ficando cada vez mais pequeno, e cai desaparecendo no meio da multidão compacta.
Algures, nos 191 andares por baixo de nós, os macacos espaciais do Comité da Maldade do Projecto Destruição estão completamente enlouquecidos e destroem todos os vestígios da história.
Aquele velho ditado, matamos sempre aquele que amamos, bem, olha, funciona para os dois lados.
Com uma pistola enfiada na boca e o cano da arma entalado entre os dentes, só podes falar com vogais.
Chegamos aos nossos últimos dez minutos."
PALAHNIUK, Chuck (trad. Maria Dulce Guimarães da Costa), "Clube de Combate", Editorial de Notícias, Lisboa, 1999.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 27, 2004