A montanha mágica

sábado, abril 24, 2004

"Nós acreditávamos que na cave vivia qualquer coisa."



O'Keeffe, Bare Trunks with Snow


"Abraçámo-nos, caindo de lado para a cama, de uma forma controlada, e procurámos uma posição melhor, banhando-nos ao mesmo tempo na carne um do outro, tentando livrar-nos dos lençois a pontapé. O corpo dela possuía um sem número de cavidades, lugares onde no escuro a mão podia parar para resolver enigmas, lugares que exigiam um compasso mais lento.
Nós acreditávamos que na cave vivia qualquer coisa.
- O que é que tu queres fazer? - perguntou ela.
- O que te apetecer.
- Apetece-me fazer o que tu gostares mais.
- O que eu gosto mais é de te satisfazer - disse eu.
- Eu quero fazer-te feliz, Jack.
- Sinto-me feliz quando sinto que te satisfaço.
- Eu só quero fazer o que te apetecer.
- Apetece-me fazer o melhor que for para ti.
- Mas tu afradas-me deixando-me satisfazer-te - disse ela.
- Como parceiro masculino, acho ser meu dever satisfazer-te.
- Não consigo saber se isso é um comentário sensível e de quem ama ou uma afirmação sexista.

(...)

- Escolhe um século. Apetece-te ler sobre jovens escravas etruscas ou libertinas georgianas? Acho que temos aí qualquer coisa acerca de flagelação em bordéis. E a Idade Média? Temos incubi e succubi. Freiras aos montes.
- O que gostares mais.
- Tens de ser tu a escolher. Assim é mais excitante.
- Um escolhe, o outro lê. Não é o equilíbrio aquilo que queremos? Uma espécie de dar-e-receber? Não é isso que torna tudo mais excitante?
- Uma tensão, um suspense. De primeira. Eu escolho.
- Eu leio - disse ela. - Mas não quero que escolhas nada que fale de homens «dentro de mulheres», cito, ou homens a «penetrar mulheres». «Eu penetrei-a.» «Ele penetrou-me.» Não somos nenhumas entradas, nem nenhuns elevadores. «Eu desejava-a dentro de mim», como se ele se pudesse meter lá dentro de gatas, assinar o livro na recepção, dormir, comer e por aí fora. Concordas? Não quero saber o que essa gente faz ou não faz, desde que não se ponha a penetrar ou ser penetrada."


Don DeLillo, "Ruído Branco", Editorial Presença, 1991.

posted by Luís Miguel Dias sábado, abril 24, 2004

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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