A montanha mágica

quinta-feira, abril 29, 2004

"Desde que aconteçam noutro sítio."



Aernout Mik, Organic Escalator, 2000.


"- Por que é que pessoas decentes e bem-intencionadas, responsáveis, se sentem sempre tão interessadas e intrigadas pelas estratégias e catástrofes que vêem na televisão? Não me dizes, Alfonse?
E contei-lhe do recente serão de lava, lama e águas tormentosas, que tanto me tinha entretido e aos miúdos.
- E queríamos ver mais, mais.
- É natural. É normal – disse ele com um aceno de cabeça tranquilizador. – Acontece a toda a gente.
- Por quê?
- Porque andamos a sofrer de esvaziavamento cerebral. Precisamos de uma catástrofe esporádica para quebrarmos o constante bombardeamento de informação.
- É óbvio – disse o Lasher, um homem levezinho, de cara contraída e cabelo preto escorrido.
- O fluxo é constante – disse o Alfonse. – Palavras, imagens, números, factos, gráficos, estatísticas, pintas, ondas, partículas, apontamentos. Só uma catástrofe mantém a nossa atenção presa. Queremo-las, precisamos delas, dependemos delas. Desde que aconteçam noutro sítio. É aí que a Califórnia entra em jogo: avalanches, incêndios florestais, erosão costeira, terramotos, assassínios em massa, etcetera. Podemos gozar calmamente o espectáculo desses desastres porque, no íntimo, todos achamos que a Califórnia merece tudo o que lhe possa acontecer. É bem feito. Foram os californianos que inventaram o conceito de «estilo de vida». Só isso é suficiente para os condenar eternamente.
O Cotsakis esmigalhou uma lata de Pepsi-Cola de dieta e atirou-a para um dos recipientes de lixo.
- O Japão também é bom para quem gosta de ver desastres – disse o Alfonse. – A Índia, no entanto, ninguém filma. Mas têm imenso potencial: fome, monções, lutas religiosas, descarrilamentos, naufrágios, etcetera. Mas os desastres delas vão sem registo, três linhas no jornal é tudo. Nem transmissões em diferido, nem por satélite. Por isso a Califórnia e tão importante. Não só gozamos ao vê-los ser castigados pelo estilo de vida descontraído e as ideias progressistas, como sabemos que nada de terrível escapa à sua investigação. Sabemos que as câmaras estão lá, mesmo no sítio. A postos. Nada consegue escapar ao seu minucioso exame, desde que seja horroroso.
- Estás a dizer-me que ficar fascinado pelas estratégias que aparecem na televisão é um fenómeno universal?
- Para a maior parte das pessoas, o mundo tem só dois sítios: o sítio onde eles vivem e a televisão. Se algo nela acontece, temos todo o direito de ficar fascinados. Seja lá o que for.
- Não sei se me sinta bem ou mal, sabendo que a minha experiência é assim tão amplamente partilhada.
- Sentes-te mal – disse ele.
- É óbvio – disse o Lasher. – Todos nos sentimos mal com isso. Mas a esse nível nada nos impede de gozá-lo.
Disse o Murray:
- Isto é o que dá olharmos a televisão da forma errada: as pessoas começam a ficar com os cérebros vazios. E isso porque já se esqueceram de como é que se vê e ouve, como fazem as crianças. Esqueceram-se da maneira correcta de coligir dados. Num sentido psíquico, um fogo florestal, na televisão, é de somenos importância, se o compararmos com um anúncio de dez segundos a uma máquina de lavar. O anúncio traz sempre ondas que vão mais fundo, emanações mais profundas. Só que nós invertemos o significado relativo destas coisas. Daí os nossos olhos, ouvidos, cérebro e sistemas neurológicos terem ficado enfastiados. Trata-se de um simples caso de uso indevido."


Don DeLillo, "Ruído Branco", Editorial Presença, 1991.

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 29, 2004

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