domingo, abril 18, 2004
James Turrell, "Elliptic Ecliptic A", 1999
"Só de pensar nos teus encantos, comecei a dançar e caí ao chão; dei entrada no hospital e, em vez de te mandar dizer o que me sucedera, como seria devido, deixei-me embalar pela ilusão de que estava sempre junto a ti. Tu estavas sempre à minha beira e a olhar para mim. Talvez seja verdade que o amor é o próprio inimigo do maor. Foi unicamente por lealdade que fui desleal para contigo e agi de modo bem feio unicamente para poder desfrutar da beleza. Depois, quando caí em mim, já não tive coragem de ir ter contigo, andei a vaguear por aí, o meu espírito e a minha alma para sempre intimamente dependentes de ti e, portanto, tranquilos para sempre. Olha, amiga minha, a verdade é esta: não me aprouve ir ter contigo, porque tu me tinhas já feito demasiado feliz e poderias, talvez, tirar-me aquilo que já era meu. Para falar francamente, eu já tinha de ti o suficiente, ou seja, estava já tão possuído por ti que não carecia mais da tua presença. Além disso, sentia-me envergonhado, porque tinha pensado demasiado em ti. Algo me impele a travar conhecimento com uma outra mulher qualquer para a enganar de maneira sedutora, para lhe prestar todas as atenções, atenções a que só tu tens direito. Não é verdade que me roubaste toda a minha alegria, que me qualificaste de criança insegura? O amor faz de nós crianças; será que eu devo permitir que me inflijam tal empobrecimento? Foi por, na tua presença, me ter tornado assim um pobrezinho que já não pude dispor-me a voltar para ti e que usei de todas as minhas forças para reencontrar o caminho que conduz a mim mesmo. A pouco e pouco, fui deixando de saber chorar saudades tuas. Esquecer-te, isso não poderei nunca, mas tão-pouco me posso forçar a descurar, por tua causa, aquilo que me rodeia. (…)
Amo-te e tu és minha e, porque és minha, não sinto necessidade de voltar a ver-te. Para quê pormo-nos em movimento para apanharmos aquilo que já nos pertence. Cumulaste-me de tudo à saciedade e para sempre, deste-me em demasia, deixaste que eu te tomasse demais para que eu agora necessite que me dês ainda mais qualquer coisa. Quem iria querer que lhe continuassem a verter líquido num recipiente que já está cheio até à borda? Numa palavra, acho-te demasiado bela para seres desejada e coloquei-te demasiado alto para que possas continuar a satisfazer-me."
Robert Walser, "A Rosa", Relógio D`Água, 2004.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 18, 2004