A montanha mágica

quarta-feira, maio 11, 2011

Heródoto, Heródoto de Halicarnasso, o pai da História, ponto de exclamação. O pai da história.

A História da Guerra do Peloponeso juntou-se agora aos volumes de Histórias, de Heródoto.

E que maravilhosos volumes. É o que venho dizer. Que maravilha.

Dou um salto para a frente para retroceder depois: da introdução: "Como bem nota J. Hart, em Herodotus and Greek history, em Tucídides as coisas acontecem porque os seus protagonistas são o tipo de homem que são (...) Em Heródoto, as coisas acontecem porque têm de acontecer. Tal não significa que as decisões do destino sejam arbitrárias nem que os deuses sejam, de facto, jogadores de golpes maléficos à custa de pobres imortais. Antes cada fase do cumprimento de um destino situa-se dentro de uma cadeia de causalidade."

"em Tucídides as coisas acontecem porque os seus protagonistas são o tipo de homem que são (...) Em Heródoto, as coisas acontecem porque têm de acontecer."

Maria Helena Rocha Pereira escreve, na introdução geral, sobre a concepção da História em Heródoto que "a declaração principal sobre a sua a obra, misto de título (que não era ainda de uso bem definido) e de enunciado de intenções, está como todos sabem, na frase inicial:

Esta é a exposição das informações de Heródoto de Halicarnasso, a fim que os feitos dos homens, como tempo, se não apaguem e de que não percam o seu lustre acções grandiosas e admiráveis, praticadas, quer pelos helenos, quer pelos bárbaros, e sobretudo, qual a razão por que entraram em conflito uns com os outros."

Pressupõe, continua, Rocha Pereira "em consequência, uma apreciação directa dos factos. A finalidade dessa exposição é tripla: lembrar o passado, dar glória, encontrar uma causa da guerra; (...) as informações colhidas, a visão directa, a reflexão. Andar pelas terras, ser um viajante que indaga; (...) a atitude racionalista não exclui, porém o reconhecimento da presença de forças superiores que actuam na vida do homem".

"Que Heródoto não descura a geografia, é evidente, sobretudo nos primeiros logoi; tão-pouco a etnografia, a ponto de ser hoje considerado (desde os trabalhos de Momigliano) o pai desse ramo do saber. Precursor da antropologia cultural lhe chamaram outros, como Harmatta; merecedor de um lugar de honra entre os fundadores da história comparada das religiões, outros ainda, como Burkert. Toda essa riqueza de informação, sistematicamente colhida e criticamente avaliada, aproxima-o, na visão hodierna, da "História total" a que hoje se aspira."

Enquanto escritor: "o processo de estruturação da narrativa vinha, afinal, da Ilíada e não é menos frequente na tragédia. E a noção de causalidade, fundamental na investigação histórica, e anunciada na primeira frase do proémio, não é nunca perdida de vista; (...) embora seja difícil considerá-lo ´o primeiro expoente da literatura ática`, não obstante ter usado o dialecto iónico, ele foi, tanto quanto sabemos, ´o inventor da primeira obra complexa em prosa da literatura europeia; o encadeamento dos acontecimentos sugere um estreito parentesco espiritual com a tragédia grega; (...) característico de Heródoto é ainda o frequente interclar de digressões, sempre ligadas de novo à narrativa principal por meios que podem variar, embora o mais frequente seja o sincronismo; a presença constante da sua própria pessoa, como que em diálogo com o leitor, tal como o haviam de fazer, muitos séculos mais tarde..."


Na introdução ao Livro I, de José Ribeiro Ferreira e Maria de Fátima Silva, e no ponto II, referem-se a "um sentido novo à leitura de Heródoto que Immerwahr trouxe, à cadência narrativa, encontrando-se assim uma nova solidez, e também na questão histórica pois muitas interrogações têm sido postas sobre a forma como selecciona os factos históricos", chegando-se mesmo a repreendê-lo!
E acrescentam, "se Heródoto não é nem procura ser exaustivo no seu relato dos factos, talvez uma outra leitura permita entender qual a lógica e o objectivo que presidem a essa selecção."

Immerwahr, dizem, clarifica, então, "os princípios que constituem a filosofia que determina, na globalidade, a história de Heródoto (...) o historiador, ao reunir as várias tradições, adquire uma consciência muito mais ampla, não limitada a perspectivas individuais, mas compreendendo a natureza profunda e permanente da história na sua totalidade. A visão de Heródoto é a de um historiador universal, embora, como veremos, ele se defronte com um tema histórico particular.(...) Mais do que a narrativa minuciosa dos factos na sua individualidade, empenha-se na síntese de certos tópicos que, repetitivos na história ou mesmo na tradição dos povos, são reveladores das verdades universais subjacentes à existência humana. Na forma como a historiografia de Heródoto encara o processo de análise dos factos e sintetiza oss eus tópicos essenciais, revela-se profundamente marcada pela tragédia e pelos conceitos que definiam o pensamento trágico seu contemporâneo."

A historiografia "apoia-se no princípio da ascensão e queda do chefe de um povo, que tem por trás a ideia da instabilidade da fortuna e da fragilidade da natureza humana" que são para Heródoto "verdades absolutas que a história dos povos, sem excepções, vai comprovando; Creso, Ciro, Cambises ou Dario, todos seguem um destino paralelo que Immerwarh codifica segundo um padrão permanente de desenvolvimento:

1. origens de um chefe (como nasceu e ascendeu ao poder);
2. primórdios do reinado até atingir o auge do seu poderio (momento que é marcado por um processo de ascensão muito rápido);
3. curva descendente, amplamente circunstanciada, que desfecha em destruição, ou, pelo menos, em declínio."

Livro I, Creso da Lídia e Ciro da Pérsia: "O frontispício da obra, a definição dos princípios básicos de que a sorte é efémera, o homem fraco e cego, o poder corrosivo e a destruição inevitável."

A terminar, dois exemplos da maravilha que estes Livros são mais...

- "o diálogo entre Sólon e Creso sobre a felicidade humana é um dos passos mais famosos do livro primeiro": Creso quer saber se há alguém mais feliz do que ele. Sólon: "Se, a somar a isso, ainda terminar bem a vida, esse é quem tu procuras, o que merece ser designado feliz. Mas, antes de chegar ao fim, espera e não o chames feliz, mas afortunado."

- "os Iónios e os Eólios, mal os Lídios foram dominados pelos Persas, mandaram a Sardes mensageiros, à presença de Ciro, oferecendo-lhe vassalagem nas mesmas condições que tinham existido com Creso. Ciro ouviu-lhes as propostas e, no fim, contou-lhes esta história: ´Um tocador de flauta viu os peixes no mar e pôs-se a tocar, convencido de que eles iam saltar para terra. Mas, quando viu gorada a sua expectativa, pegou numa rede, apanhou uma grande quantidade de peixes e tirou-os da água. Ao vê-los debaterem-se, disse: acabem-me com essas danças, que, quando eu estava a tocar flauta, não quiseram vocês saltar cá para fora e dançar."

No prefácio da obra Silêncios no Teatro de Sófocles, de Marta Várzeas, Maria Helena Rocha Pereira escreve "a história em que cada uma se baseia [peças de Sófocles] -- o mythos, como lhe chama Aristóteles (Poética, 1450a, 39-40), dizendo que é a alma da tragédia -- decorria geralmente em tempos que os gregos tinham por históricos, mas sabiam muito recuados em relação ao século V a.C.. Não era, porém, de uma reconstituição do passado que se tratava, mas de representar figuras em acção, porquanto o que importava era «o encadeamento das acções», «pois a tragédia é uma imitação, não dos homens, mas dos actos e da vida» (ibid., 1450a, 15-17). E, «se atém aos nomes de pessoas que existiram», «a razão é que o possível é fácil de acreditar. Pois aquilo que não sucedeu não cremos tanto que seja possível, ao passo que o sucedido é evidente que é possível, porquanto não sucedera, se fora impossível. Contudo, em algumas tragédias, há um ou dois nomes conhecidos, e os restantes são fictícios, e noutras não há um só, como no Anteu de Ágaton. Neste drama tanto acção como nomes, é tudo inventado, e nem por isso agrada menos» (ibid., 1451b, 15-23).
No entanto, advertira o autor anteriormente, o historiador e o poeta diferem em dizer, um, o que aconteceu, outro, o que poderia acontecer. «É por isso que a Poesia é mais filosófica e mais elevada que a História, pois a Poesia conta de preferência o geral, e a História, o particular. O geral é aquilo que, segundo a verosimilhança ou a necessidade, dirá ou fará certo homem; isto é o que se esforça por representar a Poesia, embora atribuindo nomes às figuras. O particular é o que fez ou aconteceu a Alcibíades» (ibid., 1451b, 4-11)."

Por estes dias poder ler/abrir páginas ora de Heródoto ora de Tucídides ora de é muito bom.

posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, maio 11, 2011

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