quinta-feira, maio 26, 2011
È nesse implacável balanço entre peso e leveza, entre agrura e doçura, que os povos do sul sempre construíram, no meio do maior caos, a grandeza arcaica do seu destino
LMD, sem título, Florença, 2009.
(não sei traduzir a frase, não sei se é de índole nacionalista e xenófoba ou se é de apoio aos seres humanos que conseguem chegar a Lampedusa enfrentando o inferno, mas parece-me mais de índole nacionalista)
A conclusão diz-se já será a mesma que a introdução: a reter:
"«O mistério do mundo não está na ambição dos poderosos mas na vontade de escravidão dos pobres.»"
"Depois dessa longa estadia em França, senti de novo falta da ofuscante e excessiva luz do sul, a luz que transforma tudo o que é real numa hipérbole da realidade: o exagero de realidade, aqui, parece afinal ser exactamente a sublimação desse real. Mas não é, é apenas o desvio que exige de nós um muito maior esforço para ultrapassar a evidência da realidade. Mas o que se passa debaixo da crueza da luz do sul é uma forma de benevolência mascarada de impaciência: aceitamos as imperfeições do real com a mesma voracidade com que devoramos (ou desejamos devorar) as suas perfeições. È nesse implacável balanço entre peso e leveza, entre agrura e doçura, que os povos do sul sempre construíram, no meio do maior caos, a grandeza arcaica do seu destino. E isso não é coisa acessível à compreensão dos povos do norte, a menos que façam um grande esforço para entenderem a beleza das enormes diferenças que existem entre estas duas naturezas. Dirigi-me pois, como muitos alemães já o fizeram, a Roma. Nesta estrondosa e esmagadora cidade, excessiva no seu fatal confronto entre a extrema e desordenada vitalidade e a impassibilidade imponente e incontornável das ruínas (a permanente intrusão do passado, “a força do passado”, como diz Pasolini…),"
A primeira citação é de Maria Gabriela Llansol in A Restante Vida e a segunda citação, bem como o título, é de Rui Chafes Entre o céu e a terra (a história da minha vida) in jornal público, p2 de 15 de abril de 2011.
Anda-se de um lado para o outro, é tudo muito rápido, no princípio do filme de Fincher quase ninguém apanha nada e depois, e quando se anda de comboio as travagens e as aberturas das portas fazem um barulho/ruído de emergência em ascensão, atonal, que nos remete para perto de um abismo, e hoje, 2011 d.C., ler ou citar os Tratados de Roma de 1957 é quase o mesmo que citar algum excerto do Tratado da Política de Aristóteles. E não me parece que seja retórica, dizer isto.
Aristóteles página 133: "A alternância do mando e da obediência
Vulgarmente, diz-se que o fundamento do governo democrático é a liberdade, como se não existisse liberdade senão nesta forma de governo. Acrescenta-se ainda que é para esta finalidade que tende toda a democracia.
Ora um dos apanágios da liberdade é mandar e obedecer, cada um por sua vez. Desta diferente permanência ou alternância dependem a disciplina e a instituição.
Se existisse uma raça de homens tão superior às outras que se considerasse como de deuses ou de heróis, e se esta superioridade se manifestasse, em primeiro lugar, pela sua estatura e pela sua aparência, e, em seguida, pelas suas qualidades e não houvesse entre os inferiores qualquer dúvida a este respeito, a melhor coisa seria que o mando por parte dessa raça fosse perpétuo e que todos se submetessem a ela duma vez por todas.
Mas como, vulgarmente, não se encontra, a não ser entre os Indianos, pelo que diz Cílax, que os reis tenham uma vantagem tão nítida sobre os súbditos, torna-se necessário que todos os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente e isto por diversas razões. Antes de mais, é essencial para haver igualdade que haja uma mesma condição entre pessoas semelhantes: seguidamente, é difícil que um governo seja duradouro se é constituído contra este princípio de equidade. Aos descontentes juntam-se os camponeses, sempre hávidos de novidades: e, qualquer que seja o número de homens colocados em lugar de destaque, nunca será o suficientemente grande para que se tornem os mais fortes.
[...]
Esta igualdade na alternância do mando e da obediência, é o primeiro atributo da liberdade que os democratas apresentam como fundamento e como fim da democracia.
O seu segundo carácter é a faculdade de viver como se quer. Este direito provém também da liberdade, é mesmo nisto que se encontra toda a sua energia, porque só se é escravo quando não se pode viver à sua vontade. Daqui resulta que ninguém se deve submeter a outro, ou que isso só deve acontecer num sentido de compensação, consequência necessária da liberdade repartida por todos em iguaç medida.
Supostos estes princípios, eis as màximas democráticas que daí resultam:
1º Que todos têm direito de escolher entre todos os seus magistrados;
2º Que todos têm o poder sobra cada um e que cada um deve, por sua vez, mandar nos outros;
5º Que não se deve conferir a mesma magistratura mais de uma vez â mesma pessoa, ou pelo menos, que raramente e em relação a muitos poucos casos isso se deve fazer, caso não se trate de cargos militares;
6º Que todos os cargos devem ser de curta duração ou, pelo menos, todos os cargos em que esta duração breve se mostrar conveniente;
7º Que todos devem passar pelo poder judicial, qualquer que seja a classe a que pertençam, e devem conhecer todos os assuntos, qualquer que seja a sua matéria, quer se trate de causas da maior importância para o Estado, tais como são as contas e a censura dos magistrados, ou a reforma do governo, quer, da mesma maneira, quando se trate de convenções privadas;
8º Que a Assembleia Geral é senhora de tudo e os magistrados de nada; ou que, pelo menos, só a Assembleia tem poder de decisão sobre os interesses principais e que aos magistrados só pertencem os assuntos de pequena importância;
12º Que não de deve aceitar qualquer magistratura perpétua. Se existisse alguma ainda do antigo regime, diminuir-se-iam as suas atribuições e de electiva se transformará em dependente de sorteio.
Este é o espírito de todas as democracias.
O primeiro princípio em que unanimemente se fundam é o direito que fazem resultar da igualdade numérica. Quanto mais longe se leva esta igualdade, tanto mais vincada é a democracia. Pobres e ricos, todos ao mesmo nível, devolução do poder a todos, para que seja exercido por cada uma na sua vez, sem exclusão nem disparidade: assim se compreendem a igualdade e a liberdade."
Uff? Século V a. C.. Reler. Em voz alta.
De um livrinho intitulado A Construção Europeia de 1945 aos Nossos Dias, 1998, de Pascal Fontaine, alguns excertos, todas entre « », sem que entre no ou seja:
«A 19 de Setembro de 1946, em Zurique, Churchill faz um apelo à reconciliação franco-alemã e á unidade do continente (...) De 7 a 11 de Maio de 1948 realiza-se na Haia, o Congresso da Europa, onde se propõe a criação de Uma Assembleia Constituinte Europeia.»
«A 5 de Junho de 1947, o general Marshall propõe o auxílio à Europa por parte dos Estados Unidos. ao acelerar guerra ´à fome, á pobrexa, ao desespero, ao caos`. A Europa libertada está na penúria e precisa do apoio económico americano para a recosntrução do continente. Em 27 de Junho de 1947 inicia-se em Paris uma conferência que culmina a 16 de Abril de 1948 com a assinatura de uma convenção que institui a Organização Europeia de Cooperação Económica.»
Deixemos para outro lado, devido á extensão, a discussão sobre o e se o Plano Marshall...
«O fracasso da conferência de 25 de Abril de 1947, em Moscovo, sobre a Alemanha, o bloquei de Berlim em 1948, o ´golpe de Praga`, ao confirmarem o domínio dos partidos comunistas sobre os países ocupados pelo Exército Vermelho, fazem recear a ameaça de um vono conflito em solo europeu. A Alemanha passa a estar no centro da guerra fria. Os Estados Unidos querem rearmar a parte ocidental da Alemanha, de forma a inseri-la no esforço colectivo de defesa dos Ocidentais. Mas o governo francês opõe-se a um rearmamento descontrolado da Alemanha e quer conservar uma tutela sobre o Sarre e o Rur.»
Um salto, até ao papel dos pais fundadores:
«Jean Monnet (1888-1979): ocupa um lugar muito especial na história contemporânea; nem político, nem economista, de Gaulle qualificá-lo-á de ´inspirador`. A sua influência será determinante junto do mundo político europeu, que será por ele guiado na construção da Europa comunitária. (...) Conhecedor dos limites da modernização da França num quadro estritamente nacional, verifica igualmente que nem o Conselho da Europa nem a OECE seriam capazes de integrar económica e politicamente a Europa. Lança a ideia de um Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.»
Robert Schuman (1886-1963): de origem lorena e homem de fronteira, ministro dos Negócios Estrangeiros francês, foi encarregado, pelas potência aliadas, de encontrar uma solução para a questão alemã. Assume a responsabilidade política do plano redigido por Jean Monnet.»
«Konrad Adenauer (1876-1967): chanceler da Alemanha Federal, de origem renana, quer igualdade de direitos para o seu país. Deseja igualmente ´ancorar a Alemanha ao Ocidente europeu e favorecer a reconciliação franco-alemã.»
«Estes três homens, assim como, em Itália, o presidente do Conselho Alcide de Gasperi (1881-1954), são inspirados por um ideal de paz e estão determinados a criar laços que tornarão definitivamente impensável o regresso aos conflitos intra-europeus.»
«Os Tratados de Roma (o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia CEE e o Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica EURATOM)
A 25 de Março de 1957, no Capitólio, em Roma, os representantes da RFA, da Bélgica, da França, da Itália, do Luxemburgo e dos Países Baixos assinam solenemente os tratados que instituem a CEE e a CEEA.
O Tratado da CEE estabelece objectivos ambiciosos, que são enumerados no preâmbulo. Os Estados membros declaram-se:
- determinados a estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus;
- decididos a assegurar, mediante uma acção comum, o progresso económico e social dos seus povos, eliminando as barreiras que dividem a Europa;
- determinados a fixar como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos;
- preocupados em reforçar a unidade das suas economias e assegurar o seu desenvolvimento harmonioso pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas,
- resolvidos a consolidar, pela união dos seus recursos, a defesa da paz e da liberdade, apelando para os outros povos europeus que partilham dos seus ideiais para que se associem aos seus esforços.»
Uff? 1957. Reler. Em voz alta.
Antes de mais, em próximos encontros/reuniões sintonizar nos plasmas e distribuir em press release. Como performance.
Já agora, vamos ouvir o que a Alemanha tem para dizer, hoje:
jornal público de19 de Maio de 2011: Angela Merkel "em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha. Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas."
Com quem falará Merkel? Que assessores... Que programas de tv verá? Que autores lerá? Que filmes... Que qualquer coisa. Logo às primeiras dificuldades a sério a união europeia dá de si, e esquece tudo, por causa de eleições, por causa de protagonismo, por causa de poder, por causa, enfim, de poder... esse afrodisíaco letal. A união sempre em marcha rápida, é preciso é andar rápido, os tempos estão rápidos, Woyzeck? Cuidado com a navalha.
Büchner? Onde estás Döblin? Onde estás Fassbinder? Onde estás Schönberg?
Saberá Merkel que neste momento há milhares, talvez milhões, de portugueses, espanhóis e gregos que estão reformados e que começaram a trabalhar aos nove, dez, onze anos? Que trabalharam 40, 45 anos em condições duras? Que não foram crianças nem adolescentes? "Mais cedo do que a Alemanha?, senhora Merkel? Ganhe vergonha na cara, e reflita sobre o que foi o século XX europeu. Por um punhado de dólares vai querer arrasar o quê? Sobrará pouco. Leia os tratados de novo, e em tempos não perigosos façam o que deve ser feito e fiscalize-se e corrija-se o que há para corrigir. Mas nem assim será melhor sabe porquê?
Veja-se, um exemplo: Portugal:
no mesmo jornal e no mesmo dia diz assim, acredite-se: "Constâncio aconselha Lisboa a superar objectivos do programa de ajustamento", vice-presidente do Banco Central Europeu. O que fazer? É demasiado mau, não é? O currículo deste homem nos últimos dez anos?
Olhemos também para França: expulsão de romenos. Onde se situa a embaixada romena em Paris? Isso diz alguma coisa? Fechar fronteiras?
Itália: restabelecimento de fronteiras nacionais? no jornal público de um destes dias: Berlusconi "regressou para saudar ´a ilha libertada`, dias depois da primeira visita e da promessa de ´esvaziar Lampedusa` dos milhares de imigrantes e refugiados que ali se encontravam em condições degradantes (...) ´Viram, mantivemos a nossa palavra. Tudo está sob controlo`, disse Berlusconi, enquanto os habitantes que o tinham vindo ver ao porto aplaudiam. Uma dezena gritou ´Forza Silvio!` e ´Bravo`, descreveu o site fo Corriere della Sera (...) Já os que tenham entrado em Itália até 6 de Abril, dia da assinatura do acorde entre o governo italiano e as autoridades interinas da Tunísia, vão receber autorizações de permanência com duração de seis meses. Com estas, sustenta Roma, poderão mover-se no espaço Schengen. Paris e Berlim enfureceram-se com este anúncio: para o governo alemão, a atribuição destes vistos aos tunisinos contraria ´o espírito de Schengen`. Afirmando compreender ´certos comportamentos`da parte de líderes a braços com ´crises de popularidade`, Berlusconi disse que a Alemanha terá de aceitar ´que é preciso definir uma resposta comum da Europa` aos desembarques nos países do sul. Quanto a França, que tem ´devolvido`os tunisinos a Itália, Berlusconi defende que o governo de Nicolas Sarkozy ´deve compreender que 80 por cento destes imigrantes declaram querer chegar a França e juntar-se aos familiares e amigos`."
Em Viena, numa cidade grande demais, monumental, e quase claustrofóbica onde parece que estamos sempre a ser seguidos e só parece ouvir-se do fundo da rua os tacões de quaisquer sapatos: mas a Viena de muitos outros: vídeo contra Kadafi: ali mesmo ao lado do café Europa:
Finlândia?: "O problema de Katainen é que os Verdadeiros Finlandeses passaram de um obscuro partido tradicionalista da Finlândia profunda para a terceira formação no Parlamento graças, precisamente, à sua oposição à ajuda a Portugal, uma postura que se tornou muito popular num dos países que era até há pouco tempo um dos mais euro-entusiastas (...) De acordo com a imprensa finlandesa, a ajuda a Portugal conta por enquanto apenas com os votos favoráveis garantidos dos 44 deputados do partido de Katainen, e os dez eleitos por um pequeno partido da minoria sueca, num parlamento de 200 deputados. Em contrapartida, 63 deputados opõem-se, enquanto 83 hesitam." jornal público de 6 de Maio de 2011."
Dinamarca: restabelecimento de fronteiras nacionais? controlos permanentes? Realizador Lars Von Trier "declarou-se nazi, disse compreender Hitler e depois pediu desculpa", em Cannes, na conferência de imprensa de Melancholia.
Sintetizando, com Jacques Le Goff "A assinatura do Tratado de Roma é o culminar de um processo que surge após a Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa económica e politicamente destruída, e fragilizada às duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética.
Os Tratados de Roma significaram um triunfo para os europeístas como Robert Schuman e Jean Monnet que ante a impossibilidade de consolidar de maneira imediata uma união política, desenvolveram um processo de integração que afectasse de maneira paulatina diversos sectores da economia, criando instituições supranacionais nas quais os estados membros cedem parte de sua soberania sobre determinadas competências."
De Goethe, e quase para terminar "«O público, especialmente o alemão, é uma caricatura grotesca do demos, e está mesmo convencido de que constitui uma espécie de instância ou de senado".
A terminar, palavras de George Steiner e de Maria Gabriela Llansol, do primeiro: em 2004, na sua conferência no Nexus Institute, Amesterdão, A Ideia de Europa: "mas como poderão equilibrar as proposições contraditórias da unificação económica-política com aquelas da particularidade criativa? Como poderemos dissociar uma riqueza salvífica de diferenças da longa crónica de ódios mútuos? Não sei a respostas. Só sei que aqueles mais sábios do que eu têm de a encontrar, e que a hora é tardia" e de Llansol, em A Restante Vida: "o texto é, pois, ambicioso no que se inscreve, pelas exigências que decorrem do mito final: extensão a todo o corpo zoologicamente humano da dignidade teológica das almas. Será inconcebível aí, que almas imortais acompanhem corpos hierarquizados."
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, maio 26, 2011