sexta-feira, março 11, 2011
sem título, mas a imagem é um PrtSc do dossier pedagógico da peça A Cacatua Verde, em cena num dos palcos no Teatro Nacional D. Maria
A dado passo voltei para trás e voltei a reler o parágrafo ou a frase:
Escreve José Tolentino Mendonça, "E que os instrumentos que temos para chegar ao coração uns dos outros são inquietantemente limitados. Basta reconhecer como o nosso olhar, este olhar que tão a miúdo absolutizamos, está prisioneiro do presente: aquilo que o olhar anota é sempre e só o presente histórico nas suas configurações. Enquanto que no interior de cada um, o passado e o futuro têm uma força insuspeitável, um impacto a perder de vista."
E tive necessidade de voltar a ler mais duas ou três vezes e de olhar para a estrada, lá fora:
prisioneiro do presente; aquilo que o olhar anota é sempre e só o presente histórico...
Talvez seja, acabei por concordar ao fim de meia dúzia de leituras, mas não é assim tão automático e tão universal, tão mecanizado, não acredito que seja, e acho mesmo que não é, que há pessoas que quando em confronto quando em observação ou acção ou reflexão estão muito para lá do presente histórico, antes convocam todo um lastro que lhes permite decidir, ajudar, avaliar melhor, de texto com mais vírgulas, mais lento, muito mais lento, de observar e agir.
Depois lembrei-me das palavras de Luís Miguel Cintra no ípsilon de 25 de Fevereiro:
"Agora que estou mais velho, não me é possível conceber a vida a nível individual. Em relação a tipos mais novos, tenho quase a certeza de que essa consciência não existe: as pessoas limitam a sua vida ao período individual que vai do nascimento até à morte."
Também com Cintra concordo para depois discordar, por esse quase que também sinto e tenho sentido necessidade de colocar em quase tudo o digo e escrevinho. Quase. Mas acho que é mais insuportável a luta pela eternidade, que é foi e será quase sempre um ou o leitmotiv de milhões e milhões de seres humanos. Ao mesmo tempo que agrega em si aquilo de que a natureza humana é capaz, do bem e do mal. Meios e fins. Viagem. Quantas viagens? Com que idade chegamos ao não ver apenas o presente histórico, ao não individual? Chegamos lá, como? Com que ambições? Qual cosmovisão? Qual cosmogonia? Em que estado?
Cintra diz, assino por baixo: "Para mim o momento mais difícil de interpretar é quando parece que aconteceu a revolução. Não posso deixar de acreditar que aquele homem que viveu oprimido não tenha um momento de entusiasmo. Age como se o cinismo tivesse uma oportunidade de desaparecer. Mas é um segundo, porque imediatamente volta tudo ao normal (...) Há um lado biográfico, ou de ligação com as minhas memórias de vida, que me separa de muitos que intervêm no espectáculo. Eu lembro-me do que pode ser o entusiasmo de uma mudança política. Reconheço isto naquilo que sentimos com o 25 de Abril -- que não foi um segundo, mas um tempo mais dilatado. E as histórias das revoluções são normalmente isso, momentos. Na revolução soviética há um momento de felicidade e de transformação total, que se reflecte na própria arte, mas é um período muito curto. Depressa começa a reconstrução das estruturas do poder. Há constantemente, nestes processos, a sensação de que algo se perdeu. Mas a vida é assim (...) O que ali fica em evidência [Revolução Francesa] é que a máscara da História com maiúscula simplifica a complexidade da vida. Há uma espécie de cilindragem, e de destruição do indivíduo, que a História tem necessariamente de fazer, dividindo em preto e em branco opressores e oprimidos."
Foi essa reflexão que José Gil mostrou da actualidade portuguesa num programa de televisão um destes dias, que o embate com a realidade, o desfasamento entre a palavra e a acção, hoje mais espectáculo, era necessário para daí se poder sair mais espesso mais lúcido e renovados. Clarice a perguntar felicidade, isso serve para quê?
E então José Gil e o psiquiatra Amaral Dias lucidamente (ao contrário de tantos outros mais insignes e outros mais instalados) entenderam o que estava em causa na manifestação convocada para o dia 12 de Março de 2011 na Avenidade da Liberdade em Lisboa, e da sua importância.
Os tantos outros são muitos, que num corrupio desataram a escrever artigos e a aparecer nas tvs a dar opinião quase nunca muito bem fundamentada porque o que é preciso é falar, falar, falar, falar (e dizer que não foram ainda à net, a essa nova grande puta). E disse-se de tudo. Referiu-se o dadaísmo e o surrealismo de algumas frases como acabar com toda a classe política ou de melhorar um hospital em Penafiel, mas não se disse que aquelas reivindicações enumeravam um conjunto de vícios e problemas instaladaos que urge resolver, que é preciso dar atenção, não. Deve ser porque é verdade.
E outros são, por exemplo, Mário Soares, e o seu paternalismo bacoco e vaidoso, o senhor que, para mim, nunca se mostrou humilde mas antes astuto e oportunista e com sede imensa de palco, que no prefácio ao Indignai-vos!, de Stéphane Hessel, diz que os portugueses se podem indignar.
Obrigado.
Logo no segundo parágrafo, Hessel destrona e sumaria: herdeiros genuínos.
Tony Judt propõe o mesmo itinerário em "Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos".
Voltando ao princípio, com que idade, com que lucidez, com que intenções se vê o que se vê, com que consciência do colectivo, com que vontade? A dúvida é, o que é o nosso presente histórico?
Os mais velhos têm quase sempre a tendência para dizer que os mais novos são sempre mais ignorantes e assim, olha, olha.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, março 11, 2011