segunda-feira, março 25, 2013
"alivia a minha alma, faz com que eu sinta que a Tua mão está dada à minha, faz com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade"
Quando a paisagem é de devastação contínua e nocturna tudo o que lhe acrescentarmos carecerá de nitidez e será antes uma caixa de fósforos irremediavelmente molhados.Por exemplo, atravessa de manhã bem cedo durante tantos dias a paisagem ardida no verão durante as chuvas e humidade do inverno. Lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas. É sobre a morte pois mas é mais sobre a vida, a vida vem com a morte.
Por isso Rui Chafes pode dizer o que quiser mas não dirá o que quer dizer.Ora, ora.Se assim fosse não fazia.Falava, falava, falava.Ou.Não fala, não falava, não falava.Para ser sobre a morte aquelas portas ou veredas ou caminhos ou tubos ou colunas tinham de se ir apagando um a um até ficar tudo escuro, escuro, escuro.Como em Bela Tarr, no Cavalo de Turim.Nós recortados e sugados pela escuridão luminosa.Haverá o escuro mesmo escuro sempre escuro? Ou será como o silêncio, que nunca chega a haver absolutamente? "\"a primeira coisa a morrer são os olhos\".»"Para mim (“Tranquilidade ferida do sim, faca do não”) também é como Santo Cirilo diz: “O dragão está num dos lados do caminho vigiando quem passa. Tende cuidado, para que ele não vos devore.”Que nos persegue e nos pesa o despojamento ao mesmo tempo que vai apontando o que vamos fazendo aos outros a pensar ou a olhar apenas para nós, e que depois… depois. É esperar que não seja sempre demasiado tarde, depende da forma como ferimos ou vamos ferindo.Como se se procurasse/mergulhasse todos os dias em cada uma dessas portas quase totalmente negras e depois encontrasses em cada uma delas ou uma face do perfume vertiginoso e obscuro ou fosses dar a um dos círculos do inferno (Em todo o areal, de um cair lento,/chovia fogo em flocos dilatados,/como de neve em alpe sem o vento” ou “No monte está de pé um grande velhos,/que volta os ombros para Damiata/e olha Roma como seu espelho.”) ou.Pegue-se em palavras de Chafes: “Cobres de negro, mas nunca consegues ocultar inteiramente tudo: fica sempre o rasto dessa pequena luz que se move lentamente na penumbra. Sentas-te no escuro, no escuro dos teus «quadros negros», e tacteias o que os olhos não vêem, essa acariciante ferida que não te deixa dormir […] Ensinam-nos a prestar atenção aos mais pequenos detalhes da vida e são, para mim, um sopro, uma respiração.”Quase para terminar, Maria Filomena Molder: “Em Idea della Prosa, Giorgio Agamben lembra que aqueles que voltam à vida após uma morte aparente, se libertaram da necessidade de ter de morrer, i.e., libertaram-se da necessidade de representar a morte: interrogados sobre o que lhes aconteceu não têm muito a dizer sobre a morte, mas encontram belas fábulas acerca a vida. […] Só que não encontramos belas fábulas acerca da vida, antes uma rememoração incompleta das calamidades esplendorosas de viver: nascimento, viagem, respiração, tortura, passagem, imobilidade, desejo.”Para terminar, Eurípides, “Héracles”:“ANFITRIÃOEntão tu desceste de facto até à mansão do Hades, filho?!HÉRACLESSim! E conduzi até à luz do dia o monstro de tripla cabeça!ANFITRIÃODominando-o pela força das armas ou com os favores da Deusa?HÉRACLESPela força das armas! É que tinha tido a felicidade de ver as cerimónias dos iniciados nos mistérios![…]ANFITRIÃOE porque é que tu permaneceste tanto tempo nos Infernos?HÉRACLESPara salvar Teseu do Hades; foi isso que me levou tempo, pai.ANFITRIÃOE onde é que ele está?! Será que partiu para a terra pátria?HÉRACLESDirigiu-se para Atenas, feliz por se ter libertado dos Infernos!”De um outro tempo primordial também mas sobretudo de hoje (atente-se, por exemplo, nos títulos obras) Rui Chafes na sua epopeia sagrada (as ideias) materializada no humano (esculturas). Entre os homens.É um privilégio viver ao mesmo tempo.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, março 25, 2013