"alivia a minha alma, faz com que eu sinta que a Tua mão está dada à minha, faz com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade"
 Quando a paisagem é de devastação contínua e nocturna tudo o
que lhe acrescentarmos carecerá de nitidez e será antes uma caixa de fósforos irremediavelmente
molhados. 
Por exemplo, atravessa de manhã bem cedo durante tantos dias
a paisagem ardida no verão durante as chuvas e humidade do inverno. Lâminas,
lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas,
lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas,
lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas, lâminas.
É sobre a morte pois mas é mais sobre a vida, a vida vem com
a morte. 
Por isso Rui Chafes pode dizer o que quiser mas não dirá o
que quer dizer. 
Ora, ora.
Se assim fosse não
fazia. 
Falava, falava, falava. 
Ou. 
Não fala, não falava, não falava.
Para ser sobre a morte aquelas portas ou veredas ou caminhos ou
tubos ou colunas tinham de se ir apagando um a um até ficar tudo escuro,
escuro, escuro.
Como em Bela Tarr, no Cavalo de Turim. 
Nós recortados e sugados pela escuridão luminosa. 
Haverá o escuro mesmo escuro sempre escuro? Ou será como o
silêncio, que nunca chega a haver absolutamente? "\"a primeira coisa a morrer são os olhos\".»"
Para mim (“Tranquilidade ferida do sim, faca do não”) também é como Santo Cirilo diz: “O dragão está num dos lados do caminho vigiando quem passa.
Tende cuidado, para que ele não vos devore.”
Que nos persegue e nos pesa o despojamento ao mesmo tempo que
vai apontando o que vamos fazendo aos outros a pensar ou a olhar apenas para nós, e que
depois… depois. É esperar que não seja sempre demasiado tarde, depende da forma como ferimos ou vamos ferindo.
Como se se procurasse/mergulhasse todos os dias em cada uma dessas portas quase totalmente negras e
depois encontrasses em cada uma delas ou uma face do perfume vertiginoso e
obscuro ou fosses dar a um dos círculos do inferno (Em todo o areal, de um cair
lento,/chovia fogo em flocos dilatados,/como de neve em alpe sem o vento” ou “No
monte está de pé um grande velhos,/que volta os ombros para Damiata/e olha Roma
como seu espelho.”) ou. 
Pegue-se em palavras de Chafes: “Cobres de negro, mas nunca
consegues ocultar inteiramente tudo: fica sempre o rasto dessa pequena luz que
se move lentamente na penumbra. Sentas-te no escuro, no escuro dos teus «quadros
negros», e tacteias o que os olhos não vêem, essa acariciante ferida que não te
deixa dormir […] Ensinam-nos a prestar atenção aos mais pequenos detalhes da
vida e são, para mim, um sopro, uma respiração.”
Quase para terminar, Maria Filomena Molder: “Em Idea
della Prosa, Giorgio Agamben lembra que aqueles que voltam à vida após uma
morte aparente, se libertaram da necessidade de ter de morrer, i.e.,
libertaram-se da necessidade de representar a morte: interrogados sobre o que
lhes aconteceu não têm muito a dizer sobre a morte, mas encontram belas fábulas
acerca a vida. […] Só que não encontramos belas fábulas acerca da vida, antes uma
rememoração incompleta das calamidades esplendorosas de viver: nascimento,
viagem, respiração, tortura, passagem, imobilidade, desejo.”  
Para terminar, Eurípides, “Héracles”:
“ANFITRIÃO
Então tu desceste de facto até à mansão do Hades, filho?!
HÉRACLES
Sim! E conduzi até à luz do dia o monstro de tripla cabeça!
ANFITRIÃO
Dominando-o pela força das armas ou com os favores da Deusa?
HÉRACLES
Pela força das armas! É que tinha tido a felicidade de ver as
cerimónias dos iniciados nos mistérios!
[…]
ANFITRIÃO
E porque é que tu permaneceste tanto tempo nos Infernos?
HÉRACLES
Para salvar Teseu do Hades; foi isso que me levou tempo, pai.
ANFITRIÃO
E onde é que ele está?! Será que partiu para a terra pátria?
HÉRACLES
Dirigiu-se para Atenas, feliz por se ter libertado dos
Infernos!” 
De um outro tempo primordial também mas sobretudo de hoje (atente-se, por exemplo, nos títulos obras) Rui Chafes na sua epopeia sagrada (as ideias)
materializada no humano (esculturas). Entre os homens. 
É um privilégio viver ao
mesmo tempo.
          posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, março 25, 2013