A montanha mágica

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

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Estava para aqui a corrigir testes de avaliação e ao mesmo tempo a pensar numas notas que tirei de um livro e que gostava de continuar a organizar.

Primeiro os testes: à pergunta, depois de leres o documento, pequeno excerto de Bossuet sobre a justificação do poder dos reis absolutos, o aluno deu esta resposta deliciosa: “Os reis falavam com Deus mas Deus nunca respondia, por isso eram os reis que mandavam.”

Da organização das notas: do livro de um teólogo alemão… quando fomos surpreendidos pela notícia da resignação do Papa Bento XVI.

E ao dizer surpreendido já se está a dizer algo. Adiante, acabarei aqui.

Dessas notas (que começaram com: "Nunca compreendi muito bem a Pietà [de Miguel Ângelo]. Já me explicarás por que te impressionou tanto a ti.") ainda por trabalhar duas ou três ou reflexões mais imediatas:

a) o teólogo é alemão e cristão protestante, logo também não obedece hierarquicamente à autoridade do Papa;

b) escreve ele a certa altura, numa carta a um amigo: “ser cristão não significa ser religioso de uma certa maneira, converter-se num tipo de pessoa através de um método determinado (um pecador, um penitente ou um santo) significa isso sim ser pessoa, não um tipo de pessoa, mas sim o ser humano que Cristo cria em nós. Não é o acto religioso que faz o cristão mas sim a sua participação na vida através do sofrimento de Deus.”
E depois diz: “não devemos começar por pensar nas próprias misérias, problemas, pecados ou angústias mas sim dexar-se arrastar para o caminho de Jesus Cristo, para o acontecimento messiânico, para que aí se cumpra Isaías 53. E daí vem “Acreditai no Evangelho”, isto é, aquele que João designa como «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (João 1, 29). (Por outro lado, Joachim Jeremias afirmou recentemente que «cordeiro» em aramaico podia traduzir-se também por «servo». Que bonito, se pensas em Isaías 53!)”

Isaías 53, da Bíblia dos Capuchinhos:

“Quem acreditou no nosso anúncio? A quem foi revelado o braço do Senhor? O servo cresceu diante do Se¬nhor como um rebento, como raiz em terra árida, sem figura nem beleza. Vimo-lo sem aspecto atraente, desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado.Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós o reputávamos como um le¬proso, ferido por Deus e humilhado.Mas foi ferido por causa dos nos¬sos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que nos salva caiu so¬bre ele, fomos curados pelas suas chagas.Todos nós andávamos desgarra¬dos como ovelhas perdidas, cada um seguindo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre ele todos os nossos crimes.Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro, ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador.Sem defesa, nem justiça, leva¬ram-no à força. Quem é que se preocupou com o seu destino? Foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que foi ferido. Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios, e uma tumba entre os malfei¬to¬res, embora não tenha cometido cri¬me algum, nem praticado qualquer fraude. Mas aprouve ao Senhor esmagá-lo com sofrimento, para que a sua vida fosse um sa¬crifício de reparação. Terá uma posteridade duradoura e viverá longos dias, e o desígnio do Senhor realizar-se-á por meio dele. Por causa dos trabalhos da sua vida verá a luz. O meu servo ficará satisfeito com a experiência que teve. Ele, o justo, justificará a muitos, porque carregou com o crime de¬les. Por isso, ser-lhe-á dada uma mul¬¬tidão como herança, há-de receber muita gente como despojos, porque ele próprio entregou a sua vida à morte e foi contado entre os pecadores, tomando sobre si os pecados de muitos, e sofreu pelos culpados.”

O ou os servos do Senhor no centro do dia-a-dia, do quotidiano.
No simples e no complexo.
A ajudar.
A contribuir.
A refletir.
A problematizar.
A descansar.
A não fazer nada.
A afastar-se de um deus ex machina, de quem nos lembramos mais ou apenas nos momentos mais apertados ou irrespiráveis.
“É vivendo plenamente a vida deste mundo (problemas, sucessos e fracassos, experiências e perplexidades) que nos tornamos ou aproximamos da crença. Que nos entregamos por completo nos braços de Deus, e então já não tomamos a sério os nossos sofrimentos mas sim os sofrimentos de Deus no mundo.”

Chegarmos assim a um mundo maior de idade: “O mundo adulto é mais sem Deus e, quiçá, é precisamente por isso que chegaremos a estar mais perto de Deus”.

d) “Como podemos ser arrogantes perante os nossos sucessos, ou a sentir-nos fracassados perante os nossos fracassos, se na vida deste mundo também nós sofremos a Paixão de Deus?”

e) resignação de Bento XVI.

Num mundo adulto, ainda que em momento de transição para não se sabe muito bem para onde e para quê, esta aceitação dos limites (já de si elevados) do ser humano não nos deverá fazer parar e refletir sobre o que temos e andamos a fazer cheios de pressa e a correr daqui para ali e para acolá? A comer-nos as nós próprios a uma velocidade vertiginosa?
A dizer que o Poder é o que é.
Que somos apenas servos/centros mais ou menos activos.
Que a nossa Paixão está já/sempre aí.
Quantos de nós é que sabemos dizer que não? Que não aceito o convite. Não estou preparado. Que não sei. Quantos de nós é que…
Viver intensamente também é isso, parece-me.
E num país como o nosso onde tudo é muito difícil, tantas vezes ouvimos dizer que o português tem de se transcender, onde sabemos quase desde logo que não conseguiremos, é preciso muita sorte e assim, e que desde logo estamos condicionados por isto mesmo, e que quando conseguimos parece que tivemos de deslocar uma montanha e se acrescenta logo que é como um milagre… e ficamos a tremer e assim.

Vemos isso ao longo de tantos testemunhos e ao longo dos séculos nas palavras de Elisa de “Casas Pardas”, Maria Velho da Costa: “Puta de casa que isto volta sempre ao mesmo por mais que a terra trema. É que tudo isto tem muito a ver com o poder e seus diversos nojos (lutos renovados).”

Bento XVI abriu uma nova era.
Creio que mais lumisosa.
Ou não?
Mais adulta.

E como escreve o teólogo alemão: “A esperança cristã na ressurreição distingue-se da esperança mitológica porque remete e recentra o ser humano – de um modo totalmente novo e ainda mais radical que no Antigo Testamento— na sua vida na Terra.”

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, fevereiro 14, 2013

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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