terça-feira, janeiro 29, 2013
É brutal, sim, o filme de Haneke. Amor. Ora.
No filme "Poesia" de Chang-dong Lee aquela mulher, sexagenária, é mordida pela poesia e cai, sente-se cair, e vai caindo e caindo mais e cada vez mais, fotograma a fotograma.
Procura também uma... estética (“Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é…”) mas o que encontra é esse tombo tremendo: quando no seu trabalho voluntário de cuidar de um homem septuagenário limitado fisicamente por doença (um avc, talvez) e ao fim de algumas vezes a dar-lhe banho ele, que já tem muitas saudades e muita vontade em voltar a tocar numa mulher e que vê isso como cada vez mais impossível, agarra-lhe a mão e obriga-a ao toque.
Ela reage prontamente e foge assustadíssima. Violentada.
Diz à filha dele, que a espera cá em baixo, que foi a última vez cuidou do seu pai.
Depois, passados alguns dias voltou. Ele propõe-lhe dinheiro em troca. Ela recusa. Mas precisa muito.
O filme, para mim, é sobre isto: da decisão (como chega lá)
de Herberto Helder:
"basta que te dispas até te doeres todo,
retoma-te no tocado, no aceso,
e fica cego e,
por memória do tacto, desfaz os nós,
muitos, muito
atados uns nos outros,
e que inteiramente te alcance o ar e,
depois de te haver abraçado de alto a baixo, apareça já
inextricável, ar
falado, a fino ouvido: cacofónico,
mas de um modo exacto, acho,
música inquieta, inconjunta, impura,
isso: essa música"
o filme, dizia, é sobre isto: da decisão (como chega lá) que ela já tinha tomado em fazer amor com aquele homem antes mesmo dele lhe dizer que lhe pagava. Uma única vez.
Iluminações.
Brutal, também.
fotograma do filme Poesia
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, janeiro 29, 2013