A montanha mágica

quinta-feira, agosto 02, 2012

a apresentação de uma ausência 2/2




Tu não estás no lugar, mas o lugar em ti.

Angelus Silesius, A rosa é sem porquê  



Depois de acordar e de me levantar e de abrir algumas janelas vi como no oeste os ramos secos algum coton no chão a rebolar-se e a avançar corredores fora, devo ligar o aspirador e, sim, foi assim que.

Continuemos, então, com Jean Genet no estúdio de Giacometti:

"Cada objecto cria seu espaço infinito (...) se olho um quadro, percebo-o na sua absoluta solidão de objecto enquanto quadro. Mas isso não me preocupa. O que interessa é o que a tela deve representar. Aquilo que eu pretendo decifrar nessa solidão é simultaneamente a imagem sobre a tela e o objecto real por ela representado. Terei primeiro que tentar isolar o quadro no seu significado de objecto (tela, moldura, etc.), a fim de subtraí-lo á imensa família da pintura (mesmo que o devolva mais tarde) e a imagem sobre a tela a estabelecer ligações com a minha experiência do espaço, com o meu conhecimento da solidão dos objectos, dos seres e dos acontecimentos..."


Por que é que Rui Chafes dispôs assim as caixinhas?
Por que é que ele deixou aqueles intervalos entre elas?
Podia tê-las posto umas em cima das outras por exemplo ou  assim. Assim em pirâmide. Ou como um muro. Ou como muralha. Ou como jaulas. Ou.





[para ver melhor clicar em cima das imagens]


Em Sombras Curtas (II) escreve Walter Benjamin:

"Sinal secreto. Há um dito de Schuler que passou de boca em boca. Dizia ele que todo o conhecimento deve conter um grãozinho de contrasenso, como os padrões das tapeçarias antigas ou os frisos ornamentais, nos quais se descobria sempre algum pequeno desvio em relação aos eu desenvolvimento regular. Por outras palavras: o que é decisivo não é a passagem de conhecimento a conhecimento, mas o salto adentro de cada conhecimento. É ele o sinal insignificante da autenticidade, que o distingue de toda a mercadoria de série fabricada a partir de um molde."


Aqueles intervalos?
O que são aqueles espaços?
Lugares?
Ou?
E?






Carreiros?
Ruas?
Caminhos?
Atalhos?
Travessas?
Veredas?
Avenidas?

Labirinto?
É?

Em Elogio da Sombra, Junichiro Tanizaki escreve:

"basta, de facto, que a parte invisível esteja impecável para que se conceda um juízo favorável à que não se vê. E infinitamente preferível, num lugar a ssim, dissimular tudo com uma penumbra indistinta, e deixar apenas adivinhar o limite... (...) Um cofrezinho, um tabuleiro de mesa baixa, uma estante de laca brilhante com desenho a pó de ouro, podem parecer de masiado vistosos, berrantes, até ordinários; mas façam uma experiência: mergulhem o espaço que os circunda numa negra escuridão, depois substituam a luz solar ou eléctrica pela claridade de uma única maparina ou vela, e verão de imediato esses objectos vistosos adquirir profundidade, sobriedade e densidade (...) este pulsar da chama que é o repetido pestanejar da chama (...) Alguma vez, vocês que me lêem, viram «a cor das trevas à luz de uma chama?» São feitas de uma matéria diferente das trevas da noite numa estrada, e se posso arriscar uma comparação, parecem feitas de corpúsculos como que de uma cinza ténue, onde cada parcela resplandecesse com todas as cores do arco-íris."


O que são as caixinhas?
Rostos?




Casas?
Catedrais?
Corpos?
Cofres?
Caixas de fósforos?
Arcas?

Arco-íris?
Jaulas?
Elevações?
Miradouros?
Pontos de observação?






Caixões?
Truman Capote num dos contos de Música para camaleões...
Ai.

Do livro 50 Poemas, Tomas Tranströmer:

Uma árvore passeia-se à chuva,
passa por nós no cinzento refrescante do dia.
Tem um assunto a tratar. Apanha vida da chuva
como um pintassilgo num pomar.

Quando para de chover, a árvore também para.
E vislumbra em frente, quieta em noites de luar,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve decorem o céu.









Quantos desfiladeiros há ali?
Quantos encontros?
Quantos recontros?
Quantas emboscadas?








Horas?
Relógio?
Tempo?
Onde?

Som?
Silêncio?
Sombras?


Em Dos lugares aos não-lugares Marc Augé escreve:

"A distinção entre lugares e não-lugares passa pela oposição do lugar no espaço. Ora Michel Certeau propôs, das noções de lugar e de espaço, uma análise que constitui aqui um preliminar obrigatório. Não opõe, pelo seu lado, os "lugares" aos "espaços" como os "lugares" aos "não-lugares". O espaço, para ele, é um "lugar praticado", "um cruzamento de mobiles": são os transeuntes que transformam em espaço a rua geometricamente definida como lugar pelo urbanismo. A este paralelo estabelecido entre o lugar como conjunto de elementos coexistindo numa certa ordem e o espaço como animação desses lugares pelo deslocar-se de um mobile, correspondem várias referências que precisam os seus termos. A primeira referência (p. 173) é a Merleau-Ponty que, na sua Fenomenologia da Percepção distingue do espaço "geométrico" o "espaço antropológico" como espaço "existencial", lugar de uma experiência de relação com o mundo de um ser essencialmente situado "em relação com um meio". A segunda é á fala e ao acto de locução: "O espaço estaria para o lugar como aquilo em que se torna a palavra quando é falada, quer dizer quando é apreendida na ambiguidade de uma efectuação, transmutada num termo relevando de convenções múltiplas, posta como acto de um presente (ou de um tempo) e modificada pelas transformações devidas a vizinhanças sucessivas..." (p.173). A terceira decorre da anterior e privilegia a narrativa como trabalho que, incessantemente, "transforma lugares em espaços ou espaços em lugares" (p. 174). (...) A narrativa enfim, e especialmente a narrativa de viagem, compõe com a dupla necessidade de "fazer" e de "ver" ("histórias de andares e de gestos são balizadas pela citação dos lugares que deles resultam ou que os autorizam", p.177), mas releva em última análise daquilo a que Certeau chama "delinquência" porque "atravessa", "transgride" e consagra "o privilégio do percurso sobre o estado" (p.190)."






"Recorrendo à expressão "narrativas do espaço", Certeau quer falar ao mesmo tempo das narrativas que "atravessam" e "organizam" lugares e do lugar que a escrita da narrativa constitui. (...) Toda a narrativa regressa á infância."



Para acabar ou começar, um excerto do fabuloso texto não, não é um texto é... O Funâmbulo de Jean Genet, do recentemente editado No sentido da noite, Sistema Solar:

"E a tua ferida, onde está?
Pergunto a mim próprio onde morará, onde se ocultará a ferida secreta, para a qual todo o homem corre em busca de refúgio se lhe tocam no orgulho quando é ferido? Esta ferida --que se transforma assim em foro íntimo-- é que ele vai dilatar, encher. Todo o homem sabe encontrá-la, ao ponto dessa ferida se transformar numa espécie de coração secreto e doloroso.
Se observarmos com olhar rápido e voraz o homem ou a mulher que passam --também o cão, o pássaro, uma panela-- essa velocidade do nosso olhar vai revelar-nos com nitidez em que ferida eles se concentram quando há um perigo. O que estou eu a dizer? Já lá se encontram a conquistar com ela --que lhes deu a sua forma-- e para ela, a solidão: vemo-los por completo nesse descair de ombros que fazem para serem eles próprios; toda a sua vida conflui numa ruga maldosa da boca e contra a qual não podem nada, nem querem poder nada, por ser através dela que experimentam essa solidão absoluta, incomunicável --esse castelo da alma-- para serem essa própria solidão."

As pranchas são de O homem que caminha, de Jiro Taniguchi.

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, agosto 02, 2012

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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