terça-feira, maio 08, 2012
a dado passo da entrevista a Vasco Pulido publicada ontem no jornal i:
"O que é que anda a escrever agora?
Ando a ler. Era um programa que eu tinha, passar um ano a ler. Ando a ler livros sobre a revolução francesa, todos os grandes clássicos, alguns dos quais só se encontram em bibliotecas.
Porquê a revolução francesa?
Porque foi onde tudo começou, aquilo que somos hoje."
fica-se siderado e volta-se atrás, será que li bem, será que ele disse aquilo que percebi. volta-se a ler: "Porque foi onde tudo começou, aquilo que somos hoje."
não sei mas acho que é mau dizer isto assim, por muitas razões. aquilo que somos hoje, fica-se sem saber. acho que é uma tremenda asneira, dizer isto assim.
mas o que me preocupa e por aqui destacar esta nota é o facto de ser Vasco Pulido Valente a dizer isto assim. aliás, nem é pelo facto de ser Pulido Valente a dizer isto assim, mas pelo facto de um homem com os estudos e a vida que tem dizer isto assim.
ser Pulido Valente a dizê-lo e refletindo melhor até nem acho assim muito escandaloso, ele fá-lo mais vezes, diz assim muitas vezes e com umas bojardas de vez em quando, e está no seu mais do que direito.
é que as estruturas políticas, económicas, sociais, culturais podem ter quase começado na revolução francesa mas o Homem com tudo aquilo que o carateriza + ao ser humano = somos de sempre, somos uma incorporação de tudo aquilo que nos separou dos animais não racionais. claro que isto é uma verdade óbvia e também por isso é que é preciso ser muito cuidadoso.
aquilo que começou na revolução francesa foi incorporado naquilo que nós éramos somos, Homem, e por isso com mais ou menos rapidez num tempo mais curto ou num tempo mais longo vamos, sociedade, assimilando ou não aquilo de que somos capazes de promover, desenvolver, andar para trás etc etc tudo dentro do que somos dentro desse tempo mais do que longínquo e primordial.
aliás é isso que Rob Riemen refere na entrevista ao jornal público, e que é o que acho que se vê que falta mais a Pulido Valente nas análises que vai fazendo: os valores espirituais, uma Filosofia da História por exemplo à Ernst Bloch.
um excerto da entrevista a Riemen:
"Não era essa exactamente a minha questão. Era como o mal absoluto pode nascer num país civilizado, desenvolvido e educado. A ideia de cultura, de civilização podem ser ideias perigosas.
[Friedrich] Nietzsche escreveu um texto em que previa que toda a cultura europeia seria aprisionada pelo niilismo. Isso quer dizer que um país pode ter Goethe ou Bach e isso pode não signifi car grande coisa. Voltamos ao signifi cado: no fim, tudo perde o seu significado. É esse o signifi cado de niilismo: a ausência de valores que nos precedem e nos transcendem. Na introdução que Mann escreveu para a sua revista, também disse que “verdade” era a primeira palavra a que temos de devolver o significado, admitindo que não estamos na posse da verdade, mas que há uma verdade para além de nós. E Espinosa disse o mesmo: todo o humanismo europeu baseia-se no facto de conhecermos o ideal a que devemos aspirar.
E isso tem a ver com valores espirituais. Com a verdade, a beleza, a justiça.
Tem a ver também com valores políticos.
Sim. Mas os valores políticos também não significam muito se não assentarem em valores espirituais. Acabam por cristalizar-se em ideologias que distorcem as coisas. Esses valores espirituais são a única forma de garantir que não são as ideologias que nos definem. Sejam elas o fundamentalismo religioso, o capitalismo, qualquer forma de fascismo ou nacionalismo. Só nos passam a defi nir se desistirmos da noção de humanidade, que Thomas Mann e Espinosa definiram como valores universais.
Só há um sistema político para realizar esses valores de que fala, que é a democracia.
Isso foi o que Sócrates concluiu, mas o que aprendemos através dos tempos foi que a democracia tem também a capacidade de cometer suicídio. Estamos a ver isso acontecer de novo. A democracia assenta no espírito da democracia e esse espírito não é apenas um homem, um voto ou instituições. Vimos o que aconteceu nos anos 30. Hitler foi eleito democraticamente. O espírito da democracia quer dizer que a verdadeira democracia é o oposto da democracia de massas. E hoje temos uma democracia de massas.
Mas qual é a diferença entre a verdadeira democracia e a democracia de massas? Hoje há uma democracia de todos em oposição à democracia apenas para as elites.
Estou a referir-me à democracia tal como [Alexis de] Tocqueville ou [Ortega y] Gasset a explicaram. Ou Espinosa, para quem uma verdadeira democracia signifi ca que somos mais do que indivíduos, aspiramos a ser pessoas de carácter, que não somos apenas motivados pelo medo, pela ganância, pela estupidez, mas capazes de um pensamento e de escolhas. É isso que a democracia exige de nós. A democracia é sobre seres humanos que aceitam a responsabilidade pela sua vida e pela sua sociedade e que não entregam essa responsabilidade a uma determinada classe de pessoas que os governa, sejam eles os políticos, os media ou os professores. Isso é a democracia de massas. Hoje estamos de novo confrontados com isso. A nossa classe dirigente nunca conseguirá resolver os nossos problemas porque ela é o principal problema. É de tal maneira estreita de espírito que apenas consegue concentrar-se nas questões que não são verdadeiramente importantes. Em vez de salvar os bancos, devia preocupar-se em dar às pessoas uma boa educação, os instrumentos que lhe permitam conduzir as suas vidas, facultar-lhes o acesso à arte, à cultura, aos livros… para que possam tornar-se seres humanos críticos."
e para terminar, por exemplo, um excerto da excelente introdução de Maria Fátima Sousa e Silva às comédias de Aristófanes:
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"Porquê a revolução francesa?
Porque foi onde tudo começou, aquilo que somos hoje."
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, maio 08, 2012