segunda-feira, outubro 24, 2011
Da Democracia (6)
Vamos então ao debate, a um resumo:
1) Otanes, o primeiro a falar, entre mais disse: “a mim, parece-me bem que só um homem deixe de ser o senhor absoluto de todos nós, pois isso nem é agradável, nem bom (…) Como é que alguma vez poderia a monarquia ser uma instituição bem organizada, se lhe é permitido fazer o que quiser, sem prestar contas? E penso que porventura até o melhor dos homens, com todo esse poder, ficaria fora dos limites do seu juízo habitual. Gera-se um excesso de orgulho pelos bens de que se dispõe e cresce a inveja, própria da natureza do homem desde que ele existe. Tendo estas duas características, o rei possui todas as más qualidades que pode haver: farta-se de praticar actos insensatos, uns por já ter cometido excessos até à saciedade, outros por inveja. De facto, um homem dado à tirania não devia conhecer a inveja, uma vez que tem todos os bens; mas é precisamente o contrário que grassa nas suas relações com os cidadãos – inveja os melhores enquanto vivem e estão à sua beira, e regozija-se com os piores, sempre pronto a dar ouvidos às calúnias. Uma das suas atitudes é o que há de mais absurdo: se se é comedido na admiração que se lhe manifesta, ele fica zangado por não ser lisonjeado com mais entusiasmo; se se lisonjeia com mais entusiasmo, fica zangado por se julgar adulado. E falta ainda o aspecto mais importante, que vou agora referir: ele não só adultera os costumes dos antepassados, como também violenta as mulheres e até condena à morte sem prévio julgamento. Ora, quando o povo governa, esse poder tem, antes de mais, o mais belo de todos os nomes – isonomia; em segundo lugar, de todas as coisas que um monarca faz, nenhuma existe em isonomia: é por sorteio que se recebe cargos públicos, exerce-se o poder prestando contas, todas as deliberações são expostas à comunidade. Exponho-vos, pois, a opinião de que, recusando a monarquia, é o povo que devemos exaltar, porque é em comum, na unidade de todos, que tudo deve estar.”
2) Megabizo, o segundo a falar, entre mais disse: “nada há de mais insensato do que uma multidão inútil, nada há de mais insolente. E decerto fugirem os cidadãos à insolência de um tirano, para virem cair na insolência de um povo descomedido, isso não é, de modo algum tolerável (…) como é que poderia, aliás, saber agir quem nunca foi ensinado, nem viu nada de bom em sua posse e faz precipitar as situações, caindo nelas sem qualquer ponderação, tal qual um rio de caudal engrossado pelas chuvas do inverno? Que usem, pois, as capacidades governativas do povo todos aqueles que desejam mal aos Persas, e só esses; nós cá, pelo nosso lado, elejamos uma assembleia escolhida entre os homens mais notáveis, e confiemos-lhe o poder. Entre eles, de certo, nós próprios nos encontramos também, e é apanágio dos melhores homens tomarem as melhores e mais sensatas deliberações."
3) Dario, o terceiro a falar, entre mais disse: “Das três alternativas que se nos deparam, democracia, oligarquia e monarquia, cada uma delas pode ser teoricamente defendida como a melhor. Mas eu sustento que a última em muito supera as demais. Nada poderá parecer melhor do que um só homem a governar, desde que ele seja o melhor: com efeito, servindo-se do seu bom senso, tão excelente quanto ele próprio, poderá porventura governar o povo sem merecer censura, e melhor poderão assim ser silenciadas as decisões tomadas contra os opositores. Na oligarquia, entre os vários homens que trabalham com empenho para o bem comum, é costume gerarem-se violentos ódios pessoais: pois, por querer cada um ocupar o primeiro lugar e fazer prevalecer as suas opiniões, criam-se grandes inimizades entre eles, a partir das quais se geram divergências políticas, donde surge, por sua vez, o homicídio, graças ao qual se chega à monarquia. Fica, neste quadro, evidente até que ponto a monarquia é a melhor das alternativas. Ora, na hipótese inversa, quando é o povo quem governa, é impossível não haver iniquidades; e quando a iniquidade realmente nasce numa sociedade, não são inimizades que nascem entre os maus, mas sim profundas e temíveis amizades, pois os que agem mal contra o Estado fazem-no pela conspiração. E isso vai acontecendo até que alguém se ponha à frente do povo para o defender e os faça parar. A partir de então, esse homem é admirado pelo povo e, graças a essa admiração, torna-se monarca –o que evidencia também que a monarquia é a melhor alternativa.”
O "mais antigo texto conhecido de teoria política".
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, outubro 24, 2011