terça-feira, julho 12, 2011
um destes dias vi pela primeira vez a semente do ódio, Jean Renoir
a certa altura, depois de ter deixado tudo para tentar ter ainda mais, Sam Tucker vendo e sentindo o desespero de ambos vestido na sua mulher Nona que desesperadamente se envolve mistura e se faz terra, afasta-se como que procurando um lugar olha para o céu e
e também num destes dias em O Homem da Guitarra, Jon Fosse
"Peço-te meu Deus
toma a minha mão
e leva-me para a tua beira
Peço-te
Deus
acolhe-me na tua grande misericórdia
Deixa-me ser
pesado e livre
no teu vasto movimento
Deixa-me ser
como era antigamente
um nada cheio de qualquer coisa
Deixa-me ser
para nada
e deixa que a canção se ouça
Deixa-me ser
um sinal desconhecido
para os outros decifrarem
Deixa-me ser
uma canção das estrelas
que os anjos possam cantar
Deixa-me desta vez descansar
e deixa-me voltar a encontrar
o meu amigo
o cão que perdi
e deixa-me ficar a olhar
sem nada ver
Pára de cantar, abana a cabeça, desanimado
Irónico
Sem nada ver
no azul do ar
Ir e voltar
Vai até ao balcão e bebe um golo de cerveja, pega na guitarra, desaperta as duas últimas cordas, solta-as das cravelhas, ficam a abanar como as outras, coloca a guitarra em cima do balcão, agarra no sobretudo, veste-o, calça as luvas, levanta a caixa da guitarra e dá uns passos. Detém-se, apoia-se na caixa da guitarra
(excerto de O Homem da Guitarra, de Jon Fosse, trad. Pedro Porto Fernandes, Livrinhos do Teatro, Artistas Unidos / Cotovia, 2008)
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, julho 12, 2011