terça-feira, junho 21, 2011
começar por um exemplo pop: no Kill Bill de Tarantino a noiva retira-se para junto de um mestre, retira-se para aprender mais profundamente uma arte, arte que irá mais tarde salvar-lhe a vida, e ajudar o realizador, a não precisar de dizer mais sobre como é que a conseguiu desenterrar. desenterrar.
nos últimos dias muita gente discutiu e disse o que lhe ia na cabeça sobre o estado da política portuguesa, e discutiram espantosamente mesmo muito mostrando muito sangue na guelra para assuntos que enfim não valiam mais do que duas frases, minha opinião. mas como há câmaras de tv para entreter, lá está, multiplique-se e assim.
mais parece/parecia uma crítica ou um elogio ao padrão dos vestidos, e tudo numa gravitas aos gritos... não podemos mesmo ser, colectivamente, outra coisa.
aquilo que se calhar, só se calhar, valia mais a pena discutir disse-o José Mattoso na passada sexta-feira, numa comunicação sobre Fraternidade, em Fátima. Fica aqui um excerto:
“O conceito de fraternidade proposto pelos revolucionários de 1789 inspirava-se, de facto, consciente ou inconscientemente, no modelo monástico e religioso da Idade Média Ocidental. A sua origem é, portanto, profundamente cristã. Não apela para a fraternidade de irmãos de sangue mas entre irmãos de crença.
Mas a vida monástica não é, evidentemente, uma solução para a organização da sociedade, mas apenas um sinal, um símbolo que promete transfiguração da fraternidade humana em fraternidade divina.
Todavia, ao contrário do que acontecia na vida monástica e religiosa, e muito menos nas confrarias, seria impensável considerar a fraternidade revolucionária como um ideal que processe a diminuição do indivíduo na comunidade. As regras monásticas criaram práticas tendentes a suprimir a vontade própria e a sacrificá-la ao Bem Comum.
A evolução da cultura ocidental depois da Idade Média, todavia, não foi nesse sentido. Pelo contrário, valorizou cada vez mais a autonomia individual na criação intelectual e artística, no desenvolvimento da personalidade, na responsabilidade pessoal, na iniciativa da acção.
A fraternidade revolucionária é temperada pela liberdade. Concebe a formação e o desenvolvimento da sociedade como resultado da associação harmónica de esforços voluntários individuais.
Aparentemente esta ____ já não espelha de uma maneira tão evidente a origem cristã. Em si mesma, porém, não só não contradiz mas constitui uma forma mais perfeita da realização.
Uma vez que Jesus Cristo aceita entre os seus discípulos não só homens mas também mulheres, não só adultos mas também crianças, não só pessoas sãs mas também cegos, estropiados e leprosos, não só judeus vulgares mas também levitas e sacerdotes do templo, não só fariseus e cumpridores também mas também publicanos e soldados romanos, e se entre os seus discípulos havia temperamentos tão diferentes como os de Pedro e de João deve-se concluir: a imitação de Cristo exige a edificação do Bem Comum, exige a conciliação da edificação do Bem Comum com a realização pessoal.
A realização pessoal implica a liberdade para com todas as leis do mundo. Por isso diz S. Paulo aos Gálatas, que foi para a liberdade que Cristo nos libertou.
Se o ideal monástico medieval não põe em evidência o indivíduo mas a comunidade, é em Jesus Cristo que tem de se procurar a valorização na convivência fraterna, como apoio e estímulo à realização pessoal.
[…]
Contudo, a fraternidade de que falam os liberais pode ter uma inspiração diferente e ao mesmo tempo muito mais precisa. Na mente dos seus ideólogos tinha sem dúvida como modelo oculto a fraternidade maçónica. Para alguns dos seus principais fautores significada a ajuda mútua na prossecução de um modelo de sociedade organizada em função da implantação do progresso universal, como era concebido nesse período.
Este objectivo devia ser alcançado com o concurso e sob a orientação de uma elite esclarecida. A sua eficácia baseava-se na coordenação de esforços de indivíduos escolhidos a dedo, no compromisso da ajuda mútua, tanto para garantir o sucesso pessoal de cada um deles como para suprimir os obstáculos à realização da humanidade por meio do progresso.
Se teoricamente não existe contradição entre fraternidade maçónica e fraternidade cristã, também não se pode negar em muitos casos concretos que o que prevalece é a oposição. Assim acontece nas lojas que continuam o ateísmo e cujos membros se associam para beneficiar da troca de favores pessoais.
O carácter secreto da fraternidade maçónica, em si mesma, também não é incompatível com o ideal cristão, mas a ocultação das pessoas e dos meios de acção favorece a ambição pessoal e a conquista do poder económico e político por meio de processos ilícitos.
A sabedoria cristã não acusa a fraternidade maçónica como tal mas também não pode deixar de apontar os riscos, a perda dos critérios morais quando o objectivo é favorecer um grupo secreto e excluir os seus concorrentes."
Queremos Mestres? Para quê? Não queremos? Ah!
O carácter secreto da fraternidade maçónica, em si mesma, também não é incompatível com o ideal cristão, mas a ocultação das pessoas e dos meios de acção favorece a ambição pessoal e a conquista do poder económico e político por meio de processos ilícitos.
Deve-se ou não discutir as palavras de Mattoso? O que é que elas implicam? O contrário é o que nós somos/temos hoje. Tanta gente em tantas palestras a dizer que não sabem que não percebem por que é que o país a república portuguesa é o que é, e que tem tantas potencialidades.
Um destes dias estava com os Estudos de História da Cultura Clássica, Cultura Grega, da Doutora Rocha Pereira, nos olhos e:
"O rei [Xerxes] convoca a assembleia dos principais dentre os Persas, para lhes expor o seu projecto de expedição contra a Grécia; apenas Artábano, seu tio paterno, ousa discordar. Durante a noite, Xerxes reconhece que seu tio tinha razão em o dissuadir da empresa. Mas eis que, em sonhos, lhe aparece uma figura que lhe recomenda o contrário. Mesmo assim, Xerxes convoca de novo o conselho para lhe comunicar a sua mudança de plano. Pelo que, de noite, a mesma visão o ameaça. O monarca desperta, aterrorizado, chama o tio e acabam os dois por decidir fazer uma experiência: Artábano sentar-se-á no trono régio, com vestes reais, e dormirá depois no leito de Xerxes, a ver se lhe surge a mesma visão. De noite, o fantasma aparece-lhe. Então, Artábano reconhece que são levados por uma vontade sobre-humana, e por isso as coisas teriam de realizar-se como cumpria. É este mesmo Artábano que, mais adiante, dirá a Xerxes que os acontecimentos dominam o homem, e não este a eles."
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, junho 21, 2011