A montanha mágica

segunda-feira, abril 11, 2011

Alterando o ângulo de visão (2)




II – lendo as Actas de um Concílio da Frígia

O texto “é uma galáxia de significantes mais do que uma estrutura de significados”, Roland Barthes, e de Michel Certeau «a escrita produz-se sempre no território e na língua do outro», citações de A Leitura Infinita.

Em entrevista à Pastoral da Cultura, 16/3/11

"O que é que a História nos diz acerca de Jesus?

É uma personalidade fascinante, da qual, mesmo parecendo que são poucas, temos muitas informações. Sabemos que Jesus é um crente judeu. Sabemos que ele lê a tradição dos pais, a tradição das Escrituras, e que as comenta de uma forma que, ao mesmo tempo, é em continuidade com a tradição profética e messiânica de Israel, mas também é uma forma nova.
Sabemos que Jesus era um mestre considerado no seu tempo porque os fariseus o acolhiam e o convidavam para suas casas. Sabemos que ele fez uma experiência como os rabis faziam, que é a de ter um grupo de discípulos que ele inicia. Sabemos também que ele tem uma lógica de diferenciação, e mesmo de rutura, em relação ao seu tempo. Jesus prega uma palavra que é original, uma palavra de amor e inclusão, uma palavra de perdão, num sistema religioso demasiado fechado para o admitir.
E a forma como ele fala de Deus é nova, original. Há uma dicção de Deus que ele faz como ninguém – “Quem me vê, vê o Pai”, diz Jesus a Filipe.
E depois há o seu próprio destino. Não podemos esquecer que Jesus morre como um maldito. Jesus é excluído daquele sistema religioso porque a sua palavra, o seu estilo e a sua mensagem não eram comportáveis pelo universo religioso do seu tempo."

Não podemos esquecer que Jesus morre como um maldito.

Voltemos a Perdoar Helena: “Mas, sabes, prefiro Eurípedes… Quando chegou a Atenas a notícia da morte de Eurípedes, Sófocles apareceu vestido de luto, apresentando os seus actores e o coro sem as coroas do costume… O teatro oficial rendia-se à memória de um maldito… É preciso voltar a Eurípedes.”

Em A Técnica da Tragédia de Eurípides, Humphrey Davey Findley Kitto escreve “o tema trágico é, se assim o podemos generalizar, o sofrimento social que se segue à prática do mal social –a antítese dramática do método de Sófocles, uma falta individual que leva ao sofrimento individual. Por consequência temos, de um lado os que praticam o mal, do outro os que o sofrem, e uma vez que o aspecto trágico reside no sofrimento mais propriamente do que na opressão, o drama concentra-se nas vítimas. É esta a razão por que temos tantos suplicantes nos altares, mulheres, crianças sem defesa; algumas delas apenas levemente caracterizadas, uma vez que a sua situação não é habitualmente consequência do seu carácter. Isto explica também a grande proporção de velhos, velhos extremamente idosos e decrépitos, não velhos como Tirésias ou Édipo em Édipo em Colono –Peleu, Anfitrião, Iolau, Ífis e o coro em Hércules.”

Ainda Kitto: “O estilo dramático de Eurípides é de contextura notoriamente frágil. Não só o seu estilo poético é simples e límpido, contrastando tão fortemente com o peso do estilo de Ésquilo e com a infinita subtileza e riqueza do de Sófocles, como qualquer outra parte do seu drama tem harmonia.”

E em Ensaios sobre Eurípides, de Maria de Fátima Sousa e Silva: “A orientação realista que Eurípides procurou dar à tragédia influenciou, como é inevitável, a caracterização psicológica das personagens. Humanas como são, as figuras que criou participam das fraquezas inerentes à sua própria natureza. E Eurípides compraz-se em denunciar as lutas interiores que as dominam, como a qualquer simples mortal, o que constitui um elemento novo dentro do teatro trágico. Pela primeira vez, a cena da tragédia abria-se ao vasto domínio das relações sentimentais entre os dois sexos, que os seus antecessores tinham evitado por considerarem indigno tal tipo de intrigas. Aristóteles (Po. 1460b 33 sq.) põe na boca de Sófocles uma apreciação relativa das suas personagens face às de Eurípides, que pode ser expressiva do novo rumo por que a tragédia prosseguia: ´Diz Sófocles que as suas personagens são como os homens deviam ser; e as de Eurípides, tal como na realidade são`.”

Jesus é excluído daquele sistema religioso porque a sua palavra, o seu estilo e a sua mensagem não eram comportáveis pelo universo religioso do seu tempo.

Na mesma entrevista:

"É muito interessante olharmos para os evangelhos porque eles narram sobretudo histórias de encontro. E a pecadora, que atravessa a hostilidade dos fariseus para chegar a Jesus, ou os publicanos que comiam com ele e faziam perguntar “quem é este que come com os pecadores?”, mostram bem como Jesus privilegia o encontro e a relação como lugar onde a fé é possível."

O estar dentro mas num território de fronteira, livre, que permita ver o dentro e o fora, as marcações são em si já uma quase negação, uma quase cegueira. Por isso assusta.

pela menor fenda pode olhar-se a fronteira
e às vezes é aterrador
esse fundo de deserto


Há uma expressão que aprendi e de que gosto muito encigueirados, mas aqui ao contrário; atento, desperto, acutilante.

Viagem. Peregrinação.

Claro que há palavras mais fortes para se adjectivar quem faz parte de uma organização ou instituição e delas mantém uma distância que permite perceber a tal cegueira. Ser/ter uma outra voz. Essa distância lembra-me muito mais o imperador Juliano, de Gore Vidal, do que qualquer outra coisa. Do que daí resulta é mais ou menos semelhante. Reflexão. Renovação. Afirmação.

Três exemplos:

e antes mesmo de sair de casa li um poema do Ruy Belo que tem a ver com o ensaio geral desta peça que a Cornucópia vai mostrar sobre a morte de Judas. Acho que os textos sagrados não se esgotam na Bíblia. A Bíblia é um território sagrado, mas há novos textos sagrados. O poema que li do Ruy Belo é um texto sagrado

jornal i 26/3/2011


E, como no final de um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, podemos rezar:

«Apenas sei que caminho
Como quem é olhado, amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco.»


in O Tesouro Escondido, 2011


Penso que os homens do futuro e as mulheres do futuro rezarão com palavras de Maria Gabriella Llansol.

in encontro Llansol 27/3/2011
[http://www.youtube.com/amontanhamagica1#p/u/1/zi4ugFfTs9o]



Voltemos ao jornal i de 26/3/11

Pela experiencia humana. É sagrado tudo aquilo que dá a ver o ser humano no seu estremecimento. Nesta coisa que é quase original de cada um de nós nascer a cada momento. A aflição, o tumulto, a convulsão, que mesmo quando estamos quietos parece que se adivinha, e que um poema tem obrigação de mostrar nitidamente...

Ao ler quando estamos quietos parece que se adivinha, lembrei-me de Jean Renoir, dessa acalmia que leva à quase adivinhação/pressentimento de que algo decisivo está para acontecer, veja-se, por exemplo, o belíssimo Rio Sagrado.

O poema O próximo viandante ,em A noite abre meus olhos

Acende a lâmpada junto da janela
esta casa deve avistar-se
na distância dos campos

Todas as noites buscam abrigo
viandantes
atravessam o atalho das rosas
e adormecem
nos quartos que dão para nascente

Assim Melitão assomou
por um inverno
quando os hereges de Sardes
haviam planeado dar-lhe a morte

Lendo os seus manuscritos
enquanto ele dormia
aprendi, em segredo, doutrinas
acerca do cânone
das Escrituras Santas

Quando partiu recusei cortesmente
a sua dádiva em moedas
e forneci indicações válidas
sobre hospedarias e estradas

Certamente terá estranhado
tanta bondade da minha parte
mas não o quis deixar
sem honesta retribuição

Anos depois
lendo as Actas de um Concílio da Frigia
extraídas ao alforge
de um teólogo fatigado
soube que Melitão defendia ele também
ensinamentos declarados
agora prescritos

Aprendi então que se deve esperar
ansiosamente
pelo próximo viandante


O que é que se vê de fora? O que é que se vê de dentro? «Quem dizem os homens que Eu sou? Vós, porém, quem dizeis que eu sou?»

A jornalista do i também observa,

Passando para o lado académico, e porque já falamos com o Tolentino poeta e o Tolentino sacerdote,

Olho para os homens e para as mulheres como seres humanos, que podem ser mais ou menos do renascimento, fugir do rótulo. Um padre, um papa, um agricultor, um pescador, um juiz, um actor, um escritor, um poeta, um médico, um professor, são todos, em primeiro lugar, seres humanos, depois ou pessoas ou indivíduos, e depois isto ou aquilo.

Em As Estratégias do Desejo Tolentino Mendonça escreve




Veja-se, também, o encontro que o poeta/teólogo/padre... teve com José Saramago aquando da publicação de Caim.

Paremos, então, no poeta.


mas a sua vida vista do aeroplano era tão grande
como nenhuma outra coisa que conheceu

cá em baixo diziam:
«o seu voo prolonga-se sobre cada floresta
e desaparece
nós vemos as florestas
mas não o vemos a ele»


Se fechar meus braços outro os abrirá/no escuro da roda as orações são perpétuas/os vagabundos coroam até a pequena irmã


passaste então a deixar os castores/saltarem para o barco/e voltarem a salvo para terra/julgavam-te talvez morto


A sua morte não passou de um pequeno tremor/as fúrias gritavam/mas ao longe/dentro das câmaras onde esses gritos/de aranha não se escutam


A cada momento perdia/o poder de demarcar-se/tanto da sombra como da luz


Daquela arqueologia dominical regressavam vitoriosos/com ramos secos e pequenas formas/que depositavam sobre a mesa da cozinha/ignorando que se tratavam não de primícias, mas de despojos/pois um império estavam a ponto de perder


Minha mãe acha que ofereço roupagens de Salomão/em troca de fracas penas/porque se as palavras me disserem o que realmente guardam/(e ela carrega no se, como declarando em perigo a condição terrena)//estarei desprovido na mesma/melhor seria deixar truques que misturam/punhais e revelações


Se tiveres de escolher um reino
escolhe o relento
a noite tem a brancura do alabastro
ou mais extraordinária ainda


O que é que se vê de fora?
O que se vê de dentro?

Perguntas que se podem ler em O Tesouro escondido.

E para terminarmos este segundo ponto, palavras de uma entrevista conduzida por António Marujo, 26 de Fevereiro de 2005, que se encontra em A Leitura Infinita: “A repulsa que [o pecado] causa hoje não é diferente da que causava há dois mil anos. Os pecadores não são uma categoria moral, mas social, eram os párias na sociedade do tempo de Jesus. Hoje guardamos lugar para outros párias, porque as sociedades articulam-se sempre numa dialéctica: há as pessoas convenientes e as inconvenientes – que económica, social, política e culturalmente são relegadas para uma posição de menoridade.
Tentei perceber como é que esta gente sem nome participa na construção do personagem Jesus. Jesus era respeitado como mestre no seu tempo, na misericórdia para com os pobres ou nos sinais proféticos que fazia, os milagres. Não é esse o ponto de ruptura. No discurso de Lucas, [a ruptura] é a proximidade de Jesus com os pecadores e a maneira como ele não respeita o espaço dessa divisão social, mas acolhe a proximidade com os pecadores. Isso é absolutamente impertinente.
Jesus dissolve estas fronteiras no interior da sociedade, falando de um perdão que já não passa pelo Templo, mas pelo encontro com ele próprio e com a descoberta da sua identidade divina. Isso tornava inaceitável e, segundo o Evangelho de Lucas, foi esse o motivo da eliminação de Jesus.”

posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 11, 2011

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Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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