A montanha mágica

quarta-feira, dezembro 08, 2010

das imagens mais fortes que podemos destacar do tempo que estamos a viver é sermos confrontados com uma imagem e até em repetição e alguém a dizer que o que nós estamos a ver não é o que estamos a ver mas antes sim sim outra coisa, repetidamente, é poderoso


Abstract Painting, 1963, Ad Reinhardt (American, 1913-1967)


Uma vez que sou cidadão português, dizer que não mereço o dom e a qualidade de ter Gonçalo M. Tavares a escrever em língua portuguesa, e a partilhar o mesmo tempo.
Sou dos que não merecem. O meu Jerusalém é uma sétima edição, lida há apenas meio ano e da sua obra apenas li ainda Uma Viagem à Índia e Matteo Perdeu o Emprego, que devorei. Aprender a rezar na Era da Técnica está ali, quase quase. Não mereço, outra vez, portanto. Sem lirismo. É mesmo assim.

Recebi um destes dias, na caixa do correio, umas fotocópias amarelecidas duma entrevista que Gonçalo Tavares deu à revista chamada, exageradamente, Ler. As perguntas do jornalista/conversador são naturalmente, e mais uma vez, más e dá para passar por cima delas, lendo só as respostas. Foi o que fiz numa segunda leitura.

Mas antes de lá ir fiquemos antes por aqui:

Sexta-feira, 26 de Novembro, Ípsilon, página 36, título da recensão A tabela periódica, autor Pedro Mexia:

"E cada texto nomeia, a bold, o protagonista do texto seguinte, incluindo um, chamado Nedermeyer, que nem chega a aparecer."

No livro, página 151: "A seu lado, por exemplo, Matteo tem um homem, Nedermeyer, que está a vender fotografias antigas da família.
Matteo disse que não tinha dinheiro, mas que se ele próprio fizesse negócio depois lhe compraria as fotografias.
- Há uma hora vi um atleta a ser atropelado --disse o homem, Nedermeyer. - Está a ser um dia muito longo. (Nedermeyer entretanto nada dissera -- ou por delicadeza ou por já não ter forças para protestar -- mas era evidente o mau cheiro que vinha do embrulho que estava aos pés de Matteo.)

[...]

Agora página 11: "No 3º andar, Nedermeyer vê tudo da janela do apartamento que acabara de esvaziar por completo, na véspera, de móveis e objectos. De costas para a janela, de joelhos, está uma prostituta que há muito baixara as calças do Sr. Nedermeyer. Este, no entanto, mesmo naquela situação, não deixou de ver tudo o que aconteceu na rua. E passado uma hora estará na feira a vender velhas fotografias do seu casamento, que levará num envelope."


Mexia, enfim; nem literal nem sem ser literal. É mau. É a vida. Mais vale cair em graça, com letra pequena.

Mas, depois, acho, piora ainda mais: Mexia, ibidem: "Que o ´não` de Kashine mostra que a verdade é aleatória, e que a insubmissão verbal pode ter consequências desvastadoras. Tavares está decerto consciente de que essa sua ´interpretação autêntica` é contestável, mas na verdade essa interpretação é apenas mais uma ligação."

Na página 166 "não que introduz o caos, de certa maneira, a maldade (...) bastando acrescentar o não, onde antes estava o sim, para dar início ao inferno, ao desassossego."; na página 192: "Pois o que vemos na história de Kashine é precisamente esta exactidão que explode, que provoca múltiplos efeitos, um não que perturba, que põe em causa, um não que não domina os seus efeitos.

Voltando lá: as entrevistas deste entrevistador, quer para a rádio, que agora às vezes sou obrigado a ouvir, pelo menos um ou dois minutos, quer as apenas escritas, são más por várias razões, são as perguntas e o tom das perguntas, o não encadeamento nas ideias e reflexões dos convidados, parece que há perguntas playlist ou perguntas teleponto e que fugir delas é o trapézio sem rede, fica-se exposto ao dizer não sei, nunca pensei, nunca reflecti, explique-me, não conheço, nunca vi, nunca me apercebi ou percebi, mas o que parece certo é que a falta de trapézio é muito pior. E depois é o que se vê e lê.

As páginas que aparecem numeradas com o número 36 e 37 são bem prova do que acabei de dizer, mas em pior ainda, porque revelam também a ausência, muitas conversas e entrevistas depois, de reflexão sobre aquilo que vê, lê e ouve. Então as perguntas que começam "«O Reino» talvez não explicite nomes de autores..." e "Se esse jogo intertextual e metaliterário for muito..." são ruinosas e o tralho é grande mas mostram, por outro lado, um Gonçalo M. Tavares de excelência.

Para terminar, na página 125 de A Literatura Nazi nas Américas, Roberto Bolaño, sobre Max Mirebalais, ou Max Kasimir, Max von Hauptmann, Max Le Guele, Jacques Artibonito:

"O êxito de Von Hauptmann foi imediato. Assim, enquanto Mirebalais passava os dias a tentar matar o aborrecimento que o seu trabalho na embaixada lhe causava ou se submetia a revisões médicas intermináveis, nalguns círculos literários parisienses começava a ser conhecido como o Pessoa bizarro das Caraíbas. Claro que ninguém se apercebeu (nem sequer os poetas plagiados, pois não será ilícito pressupor que algum deles terá lido os curiosos textos de Von Hauptmann) do engano."

O Pessoa bizarro das Caraíbas, esta nota apareceu em alguma das recensões que entretanto já foram publicadas em Portugal? Dá dó.

"and everything else is everything else.”


posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, dezembro 08, 2010

Powered by Blogger Site Meter

Blogue de Luís Dias
amontanhamagica@hotmail.com
A montanha mágica YouTube




vídeos cá do sítio publicados no site do NME

Ilusões Perdidas//A Divina Comédia

Btn_brn_30x30

Google Art Project

Assírio & Alvim
Livrarias Assírio & Alvim - NOVO
Pedra Angular Facebook
blog da Cotovia
Averno
Livros &etc
Relógio D`Água Editores
porta 33
A Phala
Papeles Perdidos
O Café dos Loucos
The Ressabiator

António Reis
Ainda não começámos a pensar
As Aranhas
Foco
Lumière
dias felizes
umblogsobrekleist
there`s only 1 alice
menina limão
O Melhor Amigo
Hospedaria Camões
Bartleby Bar
Rua das Pretas
The Heart is a Lonely Hunter
primeira hora da manhã
Ouriquense
contra mundum
Os Filmes da Minha Vida
Poesia Incompleta
Livraria Letra Livre
Kino Slang
sempre em marcha
Pedro Costa
Artistas Unidos
Teatro da Cornucópia


Abrupto
Manuel António Pina
portadaloja
Dragoscópio
Rui Tavares
31 da Armada

Discos com Sono
Voz do Deserto
Ainda não está escuro
Provas de Contacto
O Inventor
Ribeira das Naus
Vidro Azul
Sound + Vision
The Rest Is Noise
Unquiet Thoughts


Espaço Llansol
Bragança de Miranda
Blogue do Centro Nacional de Cultura
Blogue Jornal de Letras
Atlântico-Sul
letra corrida
Letra de Forma
Revista Coelacanto


A Causa Foi Modificada
Almocreve das Petas
A natureza do mal
Arrastão
A Terceira Noite
Bomba Inteligente
O Senhor Comentador
Blogue dos Cafés
cinco dias
João Pereira Coutinho
jugular
Linha dos Nodos
Manchas
Life is Life
Mood Swing
Os homens da minha vida
O signo do dragão
O Vermelho e o Negro
Pastoral Portuguesa
Poesia & Lda.
Vidro Duplo
Quatro Caminhos
vontade indómita
.....
Arts & Letters Daily
Classica Digitalia
biblioteca nacional digital
Project Gutenberg
Believer
Colóquio/Letras
Cabinet
First Things
The Atlantic
El Paso Times
La Repubblica
BBC News
Telegraph.co.uk
Estadão
Folha de S. Paulo
Harper`s Magazine
The Independent
The Nation
The New Republic
The New York Review of Books
London Review of Books
Prospect
The Spectator
Transfuge
Salon
The Times Literary...
The New Criterion
The Paris Review
Vanity Fair
Cahiers du cinéma
UBUWEB::Sound
all music guide
Pitchfork
Wire
Flannery O'Connor
Bill Viola
Ficções

Destaques: Tomas Tranströmer e de Kooning
e Brancusi-Serra e Tom Waits e Ruy Belo e
Andrei Tarkovski e What Heaven Looks Like: Part 1
e What Heaven Looks Like: Part 2
e Enda Walsh e Jean Genet e Frank Gehry's first skyscraper e Radiohead and Massive Attack play at Occupy London Christmas party - video e What Heaven Looks Like: Part 3 e
And I love Life and fear not Death—Because I’ve lived—But never as now—these days! Good Night—I’m with you. e
What Heaven Looks Like: Part 4 e Krapp's Last Tape (2006) A rare chance to see the sell out performance of Samuel Beckett's critically acclaimed play, starring Nobel Laureate Harold Pinter via entrada como last tapes outrora dias felizes e agora MALONE meurt________

São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


Old Ideas

Past