terça-feira, outubro 05, 2010
If you ever go to Houston (42)
LMD, via telemóvel, pormenor de uma das tapeçarias
da exposição A Invenção da Glória. D. Afonso V
e as Tapeçarias de Pastrana, Museu Nacional de Arte Antiga
1. Tom Waits, num inquérito de um jornal inglês, respondeu, há cerca de dois anos, que um dos sons/barulhos/ruídos que mais gosta/gostava era o da campaínha das escolas e o do último toque do dia especialmente; daquele burburinho feliz, daquela alegria, como uma nova vida, que momentos imediatamente depois se ouvia e ouve logo após.
Walter Benjamin escreve na Infância Berlinense: 1900 numa Manhã de Inverno que "o simples toque da carteira fazia regressar, dez vezes maior, todo o cansaço que antes parecia ter-se dissipado. E com ele aquele desejo: poder dormir à vontade" e mais à frente em A Febre escreve "Imperceptivelmente, tal como a princípio se tinha insinuado em mim, a doença ia-se embora. Mas quando eu já estava pronto para a esquecer de vez, recebia dela uma última saudação na caderneta de notas. Nela vinham assinaladas em rodapé as aulas a que eu tinha faltado. Essas não me pareciam, de modo algum, horas cnzentas e monótonas como aquelas a que assistira, mas perfilavam-se como as fitas coloridas ao peito ds inválidos. Na verdade, a anotação «Faltou a cento e setenta e três horas de aula» era, aos meus olhos, a imagem viva de uma longa fila de condecorações."
De um modo geral, em Portugal vive-se para momentos de fotografia, para aparecer para se mostrar e ser visto para dizer meia dúzia de babelas e depois ser convidado para comentar os comentários às balelas que disse ou se disse. Foge-se, corre-se, torna-se a fugir e a correr. Não há tempo, desde que se inventou o relógio de pulso. E corre-se para onde? Tanta pressa para? A consistência? Ricardo Reis.
Esteve sempre visível, mas como é que se deixou chegar a uma mensagem como aquela que a actual ministra da educação gravou há quase um mês atrás? É um enigma.
Ninguém quer saber? Acredito. O ridículo é ridículo.
Que a actual ministra da educação é má demais e que também numa república como a de Portugal, que tem um primeiro ministro que é mau demais para ser verdade, digo, e acho mesmo, já há alguns anos a pessoas mais próximas que o tico e o teco dele não batem bem, mas ela agora exagerou, passou das marcas, mostrou a sua parolice em estado puro, nem para a festa da sobrinha ou da filha da amiga tal ou tal aquilo serve, seja possível é, outra vez infelizmente, um facto. Dizia um amigo que quem lhe disse que assim estava bem não gosta mesmo dela, e acho que se riram mais e da sua figurinha dentro do ministério do que o que se riram fora dele, e não foi pouco. Dizem que é a vida.
Hoje, vi num serviço de notícias assim-assim, lá andava ela atrás e ao lado do presidente da república portuguesa. É o que temos e o que somos. Mas há pessoas que deviam falar mais, escrever mais, dizer que não pode ser assim, que há limites, que há milhares de pessoas por Portugal acima e abaixo que dependem de órgãos de soberania que foram criados para melhorar e servir as pessoas.
2. Aristóteles, mais parece dizia do que disse mas é, como tudo o demonstra, disse que um político não devia exercer um cargo político mais do que dois mandatos de dois três anos cada um. E depois ir dar uma volta. Sim, sim, a democracia atenienese era o que era, mesmo no seu tempo, mas ainda sim está lá tudo.
Claro, a natureza humana também.
Há uma medida que tenho falado e reflectido com os alunos com quem vou tendo o privilégio de trabalhar ao longo dos anos que devia ser introduzida na Constituição da República Portuguesa, e como uma revisão está em discussão pública... adiante.
E é sobre o quê: diz: que quem em Portugal exercer cargos públicos, homens e mulheres, e os gerir mal, quer por gestão danosa quer por incompetência quer por não querer saber por irresponsabilidade, devia ser julgado criminalmente.
É.
Vi um destes dias num canal de tv que um primeiro ministro islandês ia ser julgado por os motivos enumerados acima, e se sentia indignado chegando mesmo a dizer que quem o apontou se fez valer de uma velha lei com mais ou quase 100 anos, que o quiseram tramar, apanhar.
Velha? 100 anos?
Em Portugal e assim (mas olhemos ali para Espanha: quantos primeiros-ministros em 35 anos? quantos ministros da educação ou das finanças? e o salário mínimo é de? e os salários médios são de? e o actual líder da oposição é-o há quantos anos? e aquela gente política que hoje de manhã esteve na praça do município em Lisboa estava lá a fazer o quê, quer o quê, acha que tem mais tempo para?): pessoas que passaram mais de metade da sua vida em instituições públicas, presidentes de junta, presidentes de câmara municipal, deputados, ministros, primeiros-ministros e presidentes da república. E depois as pensões que usufruem e a riqueza que acumularam ao serviço dessas mesmo instituições.
A desvergonha completa.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, outubro 05, 2010