segunda-feira, junho 07, 2010
Taganrog, Anton Tchékhov: 150 anos 150 posts (11/150)
LMD, fotografia de telemóvel do livro citado, Maio, 2010
"Tchekov foi admitido na classe preparatória da escola secundária de Taganrog em 1868, e a 2 de Outubro de 1869 passava para a segunda classe. Os estudos clássicos estavam na moda nesse tempo e ele teve de estudar latim e grego. A escola russa obrigava a uma frequência de oito anos, mas o escritor esteve dez anos nessa escola, tendo perdido o ano na terceira e quinta classes. Desventuradamente, desde muito pequeno mostrara excepcional habilidade para manejar o instrumento de cálculo, o que, para o pai, era razão suficiente para o conservar na loja até altas horas da noite, em prejuízo, evidentemente dos seus estudos. «Perdes muito tempo», costumava dizer Pavel para Tchekov, segundo Alexandre. «Farias melhor se fosses para a loja e olhasses ali pelas coisas. Aprende a comerciar!» E Alexandre acrescenta: «Anton chorava por ter de abandonar o que era próprio e, na verdade, necessário a uma criança da sua idade para trocá-lo pela loja, que detestava. Ali procurava, por todas as maneiras, fazer os seus trabalhos de casa e nas noites de Inverno mais frias gelava ao fazê-los».
No entanto, se Tchekov pouco tempo tinha para si durante os períodos de aulas, não lhe faltava tempo para se distrair durante as férias de Verão, que habitualmente duravam três meses. Durante as férias os rapazes andavam quase descalços e dormiam em «choupanas» no jardim. Quando andava no quinto ano, Tchekov costumava dormir debaixo de uma trepadeira que ele próprio plantara, dizendo, então, sentir-se como «Job debaixo da figueira». Tinha um pombal seu e pombos próprios, coisa de que era profundo conhecedor. Os rapazes levantavam-se de manhã muito cedo, e Tchekov adorava ir à praça fazer compras para a mãe. Ali passava muito tempo em volta das gaiolas dos pássaros, como se previsse o tempo em que, obrigado a ganhar a vida em Taganrog, já nos últimos anos do curso, apanharia pintassilgos e os iria vender ao mercado. Um dia, lembra Miguel, Tchekov comprou um pato e no caminho para casa passou o tempo a puxar-lhe pelas penas para o fazer grasnar. «Quero que toda a gente saiba», dizia ele para Ivan e Miguel, «que temos hoje pato para jantar!».
Todos os dias os rapazes iam tomar banho ao mar. Tchekov tinha dois cães pretos que habitualmente levava consigo. Banhavam-se num grande banco de areia, que tinham de percorrer a pé numa extensão de quase um quilómetro antes de chegarem à água profunda do mar de Azov, mar sem marés. Pela tarde iam pescar para outro lado da praia, perto do ancoradouro, onde o leito do mar era salpicado de rochas agudas.
Um dia, Tchekov atirou-se à água do alto do molhe e abriu a cabeça um pouco acima da testa. Tão fundo foi o golpe que ficou com uma cicatriz mais tarde anotada no seu passaporte como «sinal particular»."
David Magarshack (trad. João Gaspar Simões), Tchekov, Editorial Aster, Lisboa, 1960.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, junho 07, 2010