segunda-feira, março 29, 2010
"«O pai», conta Miguel, «gostava de rezar as suas orações, mas de facto interessavam-no mais as formas exteriores do culto do que o conteúdo íntimo da religião. Na igreja, ficava de pé desde o princípio até ao fim do serviço religioso, e em casa desempenhava o papel de sacerdote. Costumava vestir-se de padre e zangou-se com a mulher, que ficara algum tempo em Taganrog, após a fuga do marido por causa dos credores, por ela lhe ter vendido a casula para comprar alimentos. Mas em tudo o mais era tão descrente como qualquer de nós e estava sempre preocupado com assuntos mundanos... Durante muitos anos tomou parte activa nas eleições locais, e nunca perdeu um só banquete público ou qualquer celebração».
Era este culto formalista da religião que levantava atritos entre Pavel e o padre Pokrovski, o prior da catedral de Taganrog, onde ele habitualmente cantava no coro. Não hesitava em espicaçar Pokrovski, durante a celebração do ofício religioso, sempre que achava que não estava a conduzi-lo estritamente de acordo com o ritual eclesiástico. Pokrovski, homem de bela aparência, com uma sonora voz de barítono (estudara para cantor de ópera na juventude), ofendia-se com a interferência de Pavel. Acabou por detestá-lo a tal ponto que nem sequer os filhos dele podia ver.
Pavel casou com Ifigénia Iakovlevna Morozov a 28 de Outubro de 1854."
David Magarshack (trad. João Gaspar Simões), Tchekov, Editorial Aster, Lisboa, 1960.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, março 29, 2010