A montanha mágica

sexta-feira, março 05, 2010

If you ever go to Houston (28)





"Nos finais do Verão de 1822, o reverendo James Dickey regressava a casa, nas imediações de Paris, de uma excursão que fizera com a família pelo condado de Barren, no Kentucky. Através da erva da pradaria, chegou-lhes o som alegre de violinos e os Dickey presumiram estar prestes a encontrar uma qualquer parada ou "feira militar" festiva. Em vez disso, depararam-se com uma procissão composta por cerca de quarenta homens e mulheres negros acorrentados, "o casal da frente tinha violinos" e um outro era obrigado a erguer, com os punhos algemados, a Bandeira das Estrelas e das Listas, que ondulava acima das suas cabeças encurvadas --era um júbilo demente. O pastor veio a saber que aquela provação pública era um castigo colectivo aplicado a todos os escravos por um deles --uma mulher-- ter resistido fisicamente a que a enviassem para outro lado (afastando-a, quase de certeza, do marido e dos filhos) e ter tido a temeridade de levantar a mão ao seu comprador. A propósito dessa situação, Dickey escreve: "A minha alma ficou doente com aquele espectáculo. Como homem, sentia compaixão pelo sofrimento da Humanidade. Como cristão, lamentava as transgressões da Terra Sagrada de Deus e, como republicano, sentia-me indignado por ver a bandeira do meu país insultada daquela forma. Não consegui deixar de me dirigir ao condutor: ´Os Céus amaldiçoarão o homem que se dedica a tal tráfico`".
Temos conhecimento do confronto de Dickey com aquela grotesca procissão, perto de Paris, no Kentucky, porque este foi incluído na livro que aqueceu os ânimos por todo o território dos Estados Unidos: a obra de John Rankin Letters on Slavery. Embora já menos lida, essa foi uma das obras abolicionistas pioneiras."

Este excerto, apenas e só, justificaria a leitura do livro.

Li, em meados de Fevereiro, que Schama iria estar no fim desse mês em Portugal, para apresentar o livro O Futuro da América A História dos EUA dos Fundadores a Barack Obama. Não li, nem vi, nem ouvi, mais nada em relação a essa presença ou não por cá. Mas de certeza que a falha é minha, foi.

Nas primeiras 10 entradas do google (Simon Schama em Portugal): 0/zero informações.
Nas primeiras 20 entradas do google (Simon Schama em Portugal): 0/zero informações.

Alteremos a entrada: Simon Schama: O futuro da américa: primeiras 10: publicidade à edição do livro no Brasil e



primeiras 20:


Adiantando, citar Godard, Elogio do Amor: quando diz que chamar a um país o nome de um continente inteiro... com história milenar... enquanto o país tem pouco mais do que duzentos e poucos anos...

Vi e gostei dos documentários O Poder da Arte; mas o livro é melhor. Um programa que a rtp n apresentou sobre escritores e livros (apenas vi, enquanto fazia zapping, cinco minutos daquele com Günter Grass) tinha um genérico, diria, quase plagiado do destes documentários, enfim.

Schama não tem medo, desprende-se-lhe a língua e arrisca, dá opinião, estende-se ao comprido, diz que gosta de assim e assado, faz previsões, liga-se e implica-se e por aí fora. Tudo ao contrário do que uma certa forma académica de História, e de a fazer, gosta de cilindrar e assar.

Que mais? É um livro delicioso. Delicioso.

Até à página 250, primeira e segunda partes, Schama trata da guerra e da religião. E vai por aí fora, de Thomas Jefferson a West Point, Lincoln, de Montgomery Meigs a Alexander Hamilton, ao Drop Zone Cafe, San Antonio, Texas, 3 de Março de 2008, de Mark Twain a Theodore Roosevelt e... Pena Schama não entrar com Griffith e John Ford e/ou o Three Burials of Melquiades Estrada; até ao O Fervor da América: de Fannie Lou Hamer, de Raven a Providence, de George Washington aos Seixas, de Jefferson aos circuit riders, a Jarena Lee.

Pena é que Schama não tenha feito o mesmo que Alex Ross fez ao seu O resto é ruído, pois este livro merecia um site com os recursos que o estadounidense fez, faz. Disponibilizar os documentos e os discursos e os sermões e as imagens... online seria muito bom. Como Bill Moyers fez, a espaços, no seu Journal.
É certo que esta história dos EUA dos fundadores a Barack Obama deu dois programas de televisão mas...


(Pena que a capa portuguesa, da civilização editora, não tenha sido esta)


Excertos da conversa que podem ver e ouvir e ler entre Bill Moyers e Schama aqui:

BILL MOYERS: ... War, religion - what you call American fervor, I love that term, fervor - immigration, and abundance, or plenty. Tell me briefly why those four themes commanded your attention.

SIMON SCHAMA: The views that America's had historically about those seem to me to gather together into the exceptional American character. For example, it was really only in America that an intense debate was played out, about what the place of the military was going to be in American life.

If you ask me a prediction, Bill, I think ...

But what I wanted to say, Bill, was that this election is an astonishing moment in that respect because Americans were asked to vote on who they thought would be the more authentically, patriotically competent commander-in-chief between a decent, decorated, genuine American white hero and someone who looked and sounded like Barack Obama. You can't make the case that an African American somehow is incapable of embodying American values when every word that falls out of that man's mouth sounds as though he'd written the Constitution. I'm being a little too nice to Obama now.

But you asked, of course, the historical question. That is profound. America begins with an act - and you know, I'm deeply sentimental in my enthusiasm about the beginning of the American experiment. But it begins with an act of profound bad faith. Jefferson writes the Declaration of Independence in which liberty and equality are offered as the defining principles that make you American, while he is himself a slave owner. And then the Constitution is made at the moment in which African Americans are defined as three-fifths of a human in order to give the South enough clout to perpetuate slavery.

And, you know, Lincoln's conversion coming up to the Civil War and then during the Civil War, from someone who found it morally loathsome but pragmatically had to be kept that way, to someone who, for whatever reasons, to win the war or not, was responsible for the Emancipation Proclamation, was an enormous change.

Lincoln, simply in the end, found it unbearable to hold up his head as an American and keep that act of bad faith going. But then we had a hundred years of Jim Crow and we had the civil rights movement. So this moment, it does seem to me to finally wipe clean that original sin, that profoundly repellent act of bad faith at the very beginning.

SIMON SCHAMA: When Obama decided on March the 18th, I'm sure it was actually, to give that great speech, the greatest speech he gave in the entire campaign, in Philadelphia. And he said, "I want to explain to you the relationship between religion and being an African American in America. "I want to explain to you, however much you like or dislike it, the nature of black anger. And then you'll understand why Jeremiah spoke as extremely as he did."

BARACK OBAMA: For the men and women of Reverend Wright's generation, the memories of humiliation and doubt and fear have not gone away; nor has the anger and the bitterness of those years. That anger may not get expressed in public, in front of white co-workers or white friends. But it does find voice in the barbershop or the beauty shop or around the kitchen table.

And occasionally it finds voice in the church on Sunday morning,

SIMON SCHAMA: I thought, he has gone down in flames. I thought that day when I read it, I thought this is a noble speech which has destroyed his candidacy. He's decided to grasp two violently struggling snakes with his hands. And he's had it, really. But he will know when he loses the nomination, I thought, my power of clairvoyance deserting me, that he went down for a good cause. But, of course, it was that moment where actually engaging an issue of morality in American life only did him good. It only did him good.



Ler este post e dar atenção aos links sugeridos levá-lo-á, caro visitante, desinteressado, leitor, desprevenido, a passar/gastar cerca de uma hora do seu precioso tempo.

Querem Hobsbawm?


posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, março 05, 2010

Powered by Blogger Site Meter

Blogue de Luís Dias
amontanhamagica@hotmail.com
A montanha mágica YouTube




vídeos cá do sítio publicados no site do NME

Ilusões Perdidas//A Divina Comédia

Btn_brn_30x30

Google Art Project

Assírio & Alvim
Livrarias Assírio & Alvim - NOVO
Pedra Angular Facebook
blog da Cotovia
Averno
Livros &etc
Relógio D`Água Editores
porta 33
A Phala
Papeles Perdidos
O Café dos Loucos
The Ressabiator

António Reis
Ainda não começámos a pensar
As Aranhas
Foco
Lumière
dias felizes
umblogsobrekleist
there`s only 1 alice
menina limão
O Melhor Amigo
Hospedaria Camões
Bartleby Bar
Rua das Pretas
The Heart is a Lonely Hunter
primeira hora da manhã
Ouriquense
contra mundum
Os Filmes da Minha Vida
Poesia Incompleta
Livraria Letra Livre
Kino Slang
sempre em marcha
Pedro Costa
Artistas Unidos
Teatro da Cornucópia


Abrupto
Manuel António Pina
portadaloja
Dragoscópio
Rui Tavares
31 da Armada

Discos com Sono
Voz do Deserto
Ainda não está escuro
Provas de Contacto
O Inventor
Ribeira das Naus
Vidro Azul
Sound + Vision
The Rest Is Noise
Unquiet Thoughts


Espaço Llansol
Bragança de Miranda
Blogue do Centro Nacional de Cultura
Blogue Jornal de Letras
Atlântico-Sul
letra corrida
Letra de Forma
Revista Coelacanto


A Causa Foi Modificada
Almocreve das Petas
A natureza do mal
Arrastão
A Terceira Noite
Bomba Inteligente
O Senhor Comentador
Blogue dos Cafés
cinco dias
João Pereira Coutinho
jugular
Linha dos Nodos
Manchas
Life is Life
Mood Swing
Os homens da minha vida
O signo do dragão
O Vermelho e o Negro
Pastoral Portuguesa
Poesia & Lda.
Vidro Duplo
Quatro Caminhos
vontade indómita
.....
Arts & Letters Daily
Classica Digitalia
biblioteca nacional digital
Project Gutenberg
Believer
Colóquio/Letras
Cabinet
First Things
The Atlantic
El Paso Times
La Repubblica
BBC News
Telegraph.co.uk
Estadão
Folha de S. Paulo
Harper`s Magazine
The Independent
The Nation
The New Republic
The New York Review of Books
London Review of Books
Prospect
The Spectator
Transfuge
Salon
The Times Literary...
The New Criterion
The Paris Review
Vanity Fair
Cahiers du cinéma
UBUWEB::Sound
all music guide
Pitchfork
Wire
Flannery O'Connor
Bill Viola
Ficções

Destaques: Tomas Tranströmer e de Kooning
e Brancusi-Serra e Tom Waits e Ruy Belo e
Andrei Tarkovski e What Heaven Looks Like: Part 1
e What Heaven Looks Like: Part 2
e Enda Walsh e Jean Genet e Frank Gehry's first skyscraper e Radiohead and Massive Attack play at Occupy London Christmas party - video e What Heaven Looks Like: Part 3 e
And I love Life and fear not Death—Because I’ve lived—But never as now—these days! Good Night—I’m with you. e
What Heaven Looks Like: Part 4 e Krapp's Last Tape (2006) A rare chance to see the sell out performance of Samuel Beckett's critically acclaimed play, starring Nobel Laureate Harold Pinter via entrada como last tapes outrora dias felizes e agora MALONE meurt________

São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


Old Ideas

Past