domingo, dezembro 27, 2009
1. O que significa bem público? O que significa interesse comum? O que é gerir aquilo que não é nosso mas de uma enorme multidão, de milhões?
Que importância têm estas perguntas e com que frequência se fala nelas nos canais de tv e nos jornais e nas revistas e nos cafés e nas universidades?
De modo que podemos concluir que é aquele nível de grau cultural ou civilizacional ou de cidadania em que qualquer pessoa tem vergonha própria em não cumprir o dever que jurou para servir, o dever que tem de cumprir e que se não for capaz tem o dever de abdicar; sim, será um grau civilizacional, cultural e de cidadania maior; maior do que a puta da ambição da luta pela eternidade, que atropela tudo e quase todos para ter lá o nome; haverá sempre revisionistas.
Aquando das últimas eleições nos Estados Unidos da América alguns jornalistas relataram que a grande maior parte das pessoas com quem falaram olhavam para eles com ar estranho quando lhes perguntavam sobre se ser preto ou se ser branco; nessa estranheza morava esse grau civilizacional, cultural e de cidadania.
2. A dado passo John Steinbeck diz que há poucos homens; os olhos continuem em frente mas o cérebro parou: há poucos homens, há poucos homens.
Numa das suas últimas crónicas, intitulada Não há homens, Vasco Pulido Valente chama a atenção para a essência, até que enfim, custa mas chega-se lá, ainda que atrasados.
A questão é essa mesma, e só essa: lá está, de natureza civilizacional, cultural e de cidadania.
É aqui que olhamos à volta a ver se damos de olhos em alguém e... nada. É aqui que Pulido Valente e Pacheco Pereira não entendem e não querem entender que a eleição de Barack Obama teve a importância que teve e foi mundo não foi só um país; nem perceberam por que é que lhe deram o nobel. Mas deviam, nem que fosse por esse átomo de esperança, nem que fosse apenas por uma partícula desse átomo.
Às vezes distraio-me e fico a ouvir este e aquele e começo a ouvir vozes: mas que raio diz este ou aquele? Está tão desfocado, mas tão desfocado. Mas está nos seus minutinhos semanais de abrir a goela e dizer o maior número de disparates no mais curto espaço de tempo.
Tirando 3 ou 4 pessoas que comentam o resto é para encher balões e perder humildades; não dizem nada, nada, nada. Um exemplo: nunca percebi o que o blog chamado blasfémias tinha de especial, nunca lá vi nada a não ser a discussão do assunto do dia e da noite num horizonte muito muito curto; dali nada.
Portugal é assim: cheio de comentadores de tudo e mais alguma coisa que não sabem o que dizem, repetem o que a loja ou a capelinha os manda dizer.
3. Já aconteceu muitas vezes ao longo da História, e vai continuar a acontecer.
Umas vezes ficam mais famosas do que outras, porque a loucura/insanidade é maior: Nero por exemplo.
Egipto, Grécia, Roma, Idade Média, Os descobrimentos portugueses e espanhóis, o Absolutismo, as revoluções liberais, o século XX.
Hoje.
Parece que passamos bem ou com um mero encolher de ombros a aceitar situações, coisas, opiniões, decisões, discursos que se aproximam do grau zero, que põem, de algum modo, em causa o grau civilizacional, cultural e de cidadania. Apenas que sabemos que aquilo não é assim mas que colectivamente se faz passar por assim para ser aceite assim.
E vamos caminhando para muito perto da loucura uma vez mais; nem com Dante.
Nestes centros de poder e/ou de decisão e na periferia mais próxima acham que sim, lembro-me sempre do momento em que passei a achar que a loucura nos ia invadindo: Mário Soares dentro de um autocarro a mandar e a maltratar verbalmente um homem da GNR para ser bem visto pela televisão e mostrar que era fixe por esse país fora. Achei abjecto.
Dirão: Maquiavel. Aqui estamos, direi.
E agora?
Agora é, como não podia deixar de ser, muito pior. Alastrou. Vingou. Mostrou. Matou.
São tantos os exemplos que até dói.
Neste momento de muito má História de Portugal, um primeiro ministro que é para lá de muito mau, mesmo inacreditável, temos e tivemos um governo que vai ficar também muito mal na fotografia, julgavam o quê?; pode, como diz Pulido Valente, ter a vantagem imediata, aparecer, senão o que faria?, na imprensa e etc, etc, mas estão e vão ficar muito mal na fotografia, muito mal. E os comentadores/revisonistas em directo também.
Mas como não conseguem lá chegar... na aldeia, a sabedoria camponesa, como lembrava um destes dias Pacheco Pereira, diz-se que esses é que são os espertos, os muito espertos.
4. "Há um exemplo famoso, preparado pelo professor Daniel J. Simons da Universidade de Illinois. Durante 25 segundos, filmou meia dúzia de jovens de pé, dispostos em círculo, que lançam um par de bolas de basquetebol uns para os outros; nós, os objectos da experiência, observamos o filme. Os jogadores avançam e recuam no círculo e trocam de lugar à medida que passam e batem as bolas, o que torna a cena activa e complicada de seguir. Antes de assistirmos ao filme, é-nos dito que temos uma tarefa a desempenhar, para testar o nosso poder de observação. Temos de contar o número total de vezes que as bolas passam entre as pessoas. No fim do teste, as contagens são anotadas, mas --mal sabe a audiência-- não é este o verdadeiro teste!
Depois de assistir ao filme e de recolher as contagens, o experimentador surpreende toda a gente: «Quantos viram o gorila?» A maior parte da audiência fica estarrecida: não viram nada. O experimentador volta a passar o filme, mas desta vez diz à audiência para o observar de forma descontraída, sem se preocupar com contagens. Nove segundos depois, um homem com um fato de gorila dirige-se calmamente para o centro do círculo de jogadores, pára de frente para a câmara, bate no peito como se desafiasse os observadores e sai com a mesma despreocupação de sempre. Esteve à vista de todos durante nove segundos --mais de um terço do filme --e, contudo, a maior parte das testemunhas nunca o vira."
Richard Dawkins (trad.Isabel Mafra), O Espectáculo da Vida A Prova da Evolução, Casa das Letras, 2009, pp. 25 e 26.
5. É assim que também vamos para 2010.
posted by Luís Miguel Dias domingo, dezembro 27, 2009