A montanha mágica

quarta-feira, dezembro 09, 2009

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"Tudo se complicava muito porque nós (mas quais nós?, quantos de nós) sentíamos, como um espinho na carne, o dever de lutar pela felicidade dos outros. Não o fazer era uma espécie de pecado. Não sabíamos viver com esse peso, essa hipótese sequer, na consciência. Mas lutar seria obedecer de olhos fechados a uma orientação que (e assim me parecia mais e mais) não levaria a lado algum, à transformação dos homens certamente não? E o papel do intelectual (como o de qualquer outro militante) poderia limitar-se a subir e descer escadas com o único objectivo de subir e descer escadas? Não seria sua estrita obrigação (não só dele, mas sobretudo dele) esclarecer, esclarecer, esclarecer os que só o não são, à partida por defeituosa, criminosa organização da sociedade? Uns, como eu, pensavam (o Cochofel, o Carlos de Oliveira, o Lopes Graça, não só estes) que a militância do artista deveria ser sobretudo (sobretudo, não só) no campo cultural. E que ela de modo nenhum deveria impedir o artista de dedicar-se ao conhecimento profundo da linguagem específica da arte e seus problemas. Que não havia arte revolucionária sem começar por ser arte. Que a desejada acção da arte junto do público, além de arte ser, exigia um mínimo de preparação da parte deste, a incluir nas tarefas políticas dos intelectuais.


Depois do 25 de Abril, com a euforia geral e a minha em particular (como era bom falar com toda a gente em qualquer parte!, ver que afinal isso é possível!), voltei a dar-me mais, a dar-me todo: artigos, entrevistas, discursos, reuniões, frenéticos trabalhos de organização e mobilização na escola, no Ministério, até na RTP, essa cabeça perigosa que também pensa por «milhões de cérebros». Pertenci até, embora por pouco tempo, na excelente companhia dos profs. Torre de Assunção e Ário de Azevedo, à Comissão de Saneamento do Ministério da Educação. Não há razão para ocultá-lo. Apesar do que diz uma linguinha que anda por aí escorrendo baba e devia ser cortada.


Luta tenaz, tão sincera como ingénua: os abutres estavam lá, na sombra ainda. Uma luta, como sempre, assente em dois pontos principais: cultura e unidade. Não me chegara a lição da vida inteira. Lutava contra moinhos, contra o vento.
Terei de dizer uma vez mais, hei-de dizê-lo sempre, que nenhum partido de Esquerda percebeu (ou terá querido perceber), para além dos discursos, dos comícios, das entrevistas à Imprensa, não me interessa isso agora, que uma nação secularmente mergulhada na mais completa ignorância das suas próprias carências (que não são só pão e casa, e mesmo para ter o pão, para ter a casa), exigia, antes de tudo, sabem o quê?, ensino. Ensino, no sentido mais vasto e profundo da palavra. Tão vasto e tão profundo que a tarefa imensa de pôr milhões a saber ler e escrever (mas que é ler?, mas que é escrever?) mais não seria que um ponto de partida. Em todas idades. Em todos os recantos desta terra de milagres, crenças e crendices, de faz como vires fazer. Ensino para que se aprenda a ver com os próprios olhos, a intervir com as próprias mãos, a entender também que nunca é por acaso que se volta a falar, com redobrada insistência, nas suas glórias passadas --no largo Oceano ou nos palcos de revista--, como manda a receita dos bons tempos. Que os funâmbulos estão aí. À espera. Às ordens. Não é outra a sua profissão."


Mário Dionísio, Autobiografia, Edições «O Jornal», 1987.


posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, dezembro 09, 2009

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