segunda-feira, novembro 02, 2009
"- Então acreditavas no que escreveste? --perguntou Hector a Lucien.
- Sim.
- Ah, meu caro! -- exclamou Blondet. - Julguei-te mais forte! Não, palavra de honra, ao olhar para a tua testa, dotei-te de uma omnipotência semelhante à dos grandes espíritos, todos suficientemente fortes para poderem considerar as coisas nos seus dois aspectos. Meu caro, em literatura, cada ideia tem um direito e um reverso; ninguém pode assumir a responsabilidade de afirmar qual é o reverso. Tudo é bilateral no domínio do pensamento. As ideias são binárias. Jano é o mito da crítica e o símbolo do génio. Só Deus é triangular! O que faz de Molière e Corneille duas excepções, não é a faculdade de pôr Alceste a dizer sim e Filinto, Octávio e Cina a dizer não. Rousseau, em la Nouvelle Héloïse, escreveu uma carta a favor e outra contra o duelo, serias capaz de determinar a sua verdadeira opinião? Qual de nós estaria disposto a pronunciar-se entre Clarisse e Lovelace, entre Heitor e Aquiles? Quem é o herói de Homero? qual foi a intenção de Richardson? A crítica deve contemplar as obras em todos os seus aspectos. Enfim, somos grandes relatores.
- Acredita, então no que escreve? --perguntou-lhe Vernou, trocista. - Somos vendedores de frases e vivemos deste negócio. Quando quiserem escrever uma grande e bela obra, ou seja, um livro, dêem largas ao pensamento, à alma, defendam-na, desabafem; mas artigos lidos hoje, esquecidos amanhã, não valem, para mim, o seu preço. Se atribuírem importância a tanta estupidez, então terão de fazer o sinal da cruz e de invocar o Espírito Santo antes de escreverem um prospecto!
Todos se mostraram surpreendidos por descobrir que Lucien tinha escrúpulos e acabaram de lhe esfarrapar a toga pretexta para lhe envergarem a toga viril dos jornalistas."
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, novembro 02, 2009