quarta-feira, outubro 07, 2009
"- Pois bem, meu caro --disse Lousteau, que o seguiu--, acalma-te, aceita os homens pelo que eles são, apenas meios. Queres vingar-te?
- A todo o custo --reconheceu o poeta.
- Aqui tens um exemplar do livro de Nathan que Dauriat acaba de me dar, a segunda edição sai amanhã, relê esta obra e escreve um artigo demolidor. Félicien Vernou não suporta Nathan, cujo sucesso prejudica, pensa ele, o futuro êxito da sua obra. Uma das manias destes pobres de espírito consiste em imaginar que não há lugar para dois à luz do Sol. Por isso, publicará o teu artigo no grande jornal em que trabalha.
- Mas que podemos dizer contra o livro? É um bom livro --declarou Lucien.
- Ah! meu caro, aprende o teu ofício --disse Lousteau, rindo. - O livro, mesmo sendo uma obra-prima, deve apresentar-se, no teu entender, como uma idiotice, uma obra perigosa e doentia.
- Mas como?
- Transforma as qualidades em defeitos.
- Sou incapaz de semelhante empresa.
- Meu caro, um jornalista é um acrobata, terás de te habituar aos inconvenientes da situação. Olha, eu sou bom rapaz, vou dizer-te como proceder em ocorrências como esta. Atenção, meu caro!
[...]
Hoje em dia, os costumes na literatura e na edição mudaram tanto que muitas pessoas não acreditariam nos imensos esforços, seduções, nas vilezas, nas intrigas que a necessidade de obter estes reclamos inspiravam aos livreiros, aos autores, aos mártires da glória, a todos os forçados condenados a sucesso perpétuo. Jantares, bajulações, presentes, tudo servia para cativar os jornalistas. A história que se segue explicará melhor do que qualquer asserção a estreita aliança entre a crítica e a livraria.
Um homem de grande estilo e que pretendia vir a ser estadista, naquele tempo jovem, galante e redactor de um importante jornal, conquistou a estima de uma famosa livraria editora. Certo dia, um domingo, na casa de campo em que o opulento livreiro recebia os principais redactores dos jornais, a dona de casa, então jovem e bonita, levou para o parque o ilustre escritor. O empregado mais categorizado, um alemão frio, grave e metódico, que só pensava em negócios, passeava-se de braço dado com um articulista, conversando sobre um empreendimento sobre o qual o consultava; a conversa arrastou-os para fora do parque, chegaram ao bosque. Ao fundo de uma moita, o alemão vislumbra uma silhueta que lhe parece a mulher do patrão, pega no lornhão, acena ao jovem redactor para que se cale, se vá embora, e ele próprio volta a trás com todo o cuidado.
- Que viu o senhor? --perguntou-lhe o escritor.
- Quase nada --respondeu ele. - O nosso artigo será publicado. Amanhã teremos pelo menos três colunas nos Débats.
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, outubro 07, 2009