quinta-feira, setembro 17, 2009
Midas, Setembro, Pedro Costa
"Lançamento da monografia cem mil cigarros – OS FILMES DE PEDRO COSTA, edição de O SANGUE em DVD, reposição de O SANGUE em sala e reedição em DVD de ONDE JAZ O TEU SORRISO?"
Excertos de cem mil cigarros:
"O Negro é uma Cor, ou o Cinema de Pedro Costa, João Bénard da Costa, p. 26
“Nem Desnos nem Ventura reencontraram as mulheres. Nem Desnos nem Ventura receberam sequer resposta a essas cartas. Nem Desnos nem Ventura verão as mulheres que amaram com os vestidos que sonharam. Em lugar de tudo isso ficou aquele plano fantomático com que começa Juventude em Marcha, onde, para o saguão negro de uma ruína negra, uma mulher (a mesma? outra?) atira janela fora os restos dos pertences do marido. “Julgo que vou esquecer de mim” é a última linha da carta de Ventura. Não se esqueceu, na enganadora aparência da memória. Mas esqueceu-se no corredor escuro. De cor que era ao tempo d’O Sangue, o negro volveu-se na ausência de toda a luz. Sobreviver é repetir incessantemente uma carta de amor ou, como Vanda, repetir incessantemente a história do dia em que deu à treva a filha.”
Straub, Anti-Straub, Tag Gallagher, p. 42
“Os olhos são, de facto, quase tudo para cada um dos realizadores de que Costa gosta (e que têm um papel importante no seu primeiro filme). Pense-se nos olhos esbugalhados de Chaplin; a obsessão de Ford com os olhos. Os Straub até ensinam os seus actores como fixar o chão de forma a que lhes consigamos ver os olhos, Costa mostra-os a contar isto em Onde Jaz o Teu Sorriso?. Mas mesmo em Onde Jaz o Teu Sorriso?, só vemos Jean-Marie em planos gerais pouco iluminados, e quase nunca os olhos de Danièle.”
Política de Pedro Costa, Jacques Rancière, p. 53
“Como pensar a política dos filmes de Pedro Costa? Num primeiro nível, a resposta parece simples: os seus filmes têm aparentemente como objecto essencial uma situação que está no centro do que está em jogo, em termos políticos, no nosso presente: a sorte dos explorados, daqueles que vieram de longe, das antigas colónias africanas, para trabalhar nos estaleiros de construção portugueses, que perderam a família, a saúde, por vezes a vida nesses estaleiros; aqueles que se amontoaram ontem nos bairros de lata suburbanos antes de serem expulsos para habitações novas, mais claras, mais modernas, não necessariamente mais habitáveis.
A este núcleo fundamental vêm juntar-se outros temas sensíveis: em Casa de Lava, a repressão salazarista que enviava os opositores para campos situados no mesmo sítio de onde partiam os africanos à procura de um trabalho na metrópole; a partir de Ossos, a vida dos jovens lisboetas que a droga e a deriva social enviaram para os mesmos bairros de lata, para aí partilharem a mesma vida.”
Condenados à Morte, Condenados à Vida, Rui Chafes, p. 71
“Um país de ervas daninhas. Paisagens de ervas daninhas e rasteiras, feias charnecas sem fim. Longínquos trovões no céu. O país mais triste do mundo. Quero mostrar o país mais triste, mais desolado, vazio e pobre que existe à face da terra. Escuridão e árvores esquálidas, motoretas e triciclos motorizados. Tempestade, chuva, lama. Pegadas na terra encharcada. Um rosto de menino pobre a brilhar no escuro. Uma bofetada na cara. “Faça de mim o que quiser.” Cara muito séria. “O que digo ao Nino?” “Que morri.” Árvores despidas, negras, pavorosamente esquálidas. Como é possível existir um país assim? Um país que gostaria de não conhecer. Uma paisagem sem país. Aguardo. Olho. Espero. Sou uma aranha paciente. Não chego a estar triste, tenho o veneno da aranha. Observo, condenado a esta morte, condenado a esta vida.
“Não te perdes?”, perguntam-me. “Não.””
Ossos, João Miguel Fernandes Jorge, p. 157
“Ossos é um filme de grandes rupturas. Parece que nos fala de um post-humano português, se acaso as nacionalidades permanecerem na linguagem cifrada do replicante. Neste filme mostra-se como se ultrapassou um tempo histórico e social. Como a comunidade na qual nos inserimos já é outra. Como já não se situa no ponto exacto onde cada um de nós ainda a concebe. A ficção fílmica alastrou a toda a geografia portuguesa e, nisso, o filme tem também força documental.”
Histórias de Fantasmas, Thom Andersen, p. 172
“Depois de ter visto projectada a cópia em 35mm de Juventude em Marcha, comecei a identificar mais semelhanças com The Searchers do que com Sergeant Rutledge. Tal como Ethan Edwards, Ventura é um vagabundo, um “peregrino” à procura dos seus filhos perdidos. Quando o agente imobiliário, no apartamento dos prédios novos, lhe pergunta quantos filhos tem, Ventura responde: “Ainda não sei.” Tal como Monument Valley representa todo o Sudoeste em The Searchers, as Fontainhas e os novos bairros de realojamento representam o mundo inteiro de Ventura em Juventude em Marcha. Então, disse-lhe eu: “É como em The Searchers – mas melhor. É The Searchers refeito a partir do ponto de vista de Mose.” Costa respondeu: “Então acha que Ventura é louco?” E eu respondi: “Não, mas eu não acho que Mose seja louco.” Só me ocorreu mais tarde que Mose é a única personagem sã em The Searchers e, por isso, limitei-me a dizer: “É como num filme de John Ford com Francis Ford como protagonista.” Ele acabou por aceitar este elogio. Afinal, o irmão mais velho de John Ford é o mais nobre e amável dos actores com quem ele costumava trabalhar, e os melhores filmes de Ford são sempre aqueles em que Francis tem os melhores papéis. Poderia referir como exemplos My Darling Clementine (1946) ou The Sun Shines Bright (1953).” "
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, setembro 17, 2009