segunda-feira, setembro 21, 2009
"- A influência e o poder do jornal ainda agora estão a despertar --disse Finot--, o jornalismo não passou da infância, mas crescerá. Dentro de dez anos, tudo passará pela publicidade. O pensamento esclarecerá tudo, ele...
- Alterará tudo --disse Blondet, interrompeu Finot.
- É uma opinião --comentou Claude Vignon.
- Imporá reis --disse Lousteau.
- E defenderá monarquias --disse o diplomata.
- Por isso --disse Blondet--, se a Imprensa não existisse, nunca deveria ser inventada; mas ela aí está, vivemos dela.
- E acabará por os matar --disse o diplomata. - Não vêem que a superioridade das massas, admitindo que os senhores as esclarecem, tornará a grandeza do indivíduo mais difícil; que, introduzindo o raciocínio no coração das classes baixas, colherão a revolta, e acabarão por ser as primeiras vítimas. O que é que aparece despedaçado em Paris, quando há um tumulto?
- Os candeeiros de iluminação pública --respondeu Nathan--; mas nós somos demasiado modestos para sentir medo, só nos impressionaremos.
- Os senhores fazem parte de um povo demasiado inteligente para permitir que um governo, seja ele qual for, se desenvolva --disse o ministro. - De contrário, pegariam nas penas, a fim de empreender a conquista da Europa que as espadas não souberam conservar.
- Os jornais são um mal --disse Claude Vignon. - Podíamos utilizar esse mal, mas o governo quer combatê-lo. Quem sucumbirá? É esse o problema.
- O governo --respondeu Blondet--, não me queixo de o afirmar. Em França, o espírito é mais forte do que tudo, e os jornais, além do espírito de todos os homens de espírito, têm a hipocrisia de Tartufo.
[...]
- Blondet tem razão --disse Claude Vignon. - O Jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio à disposição dos partidos; de meio passou a negócio; e, como todos os negócios, não obedece a regras. Todos os jornais são, como diz Blondet, armazéns em que se vendem ao público palavras da cor que mais lhe agradar. Se houvesse um jornal de corcundas, defenderia de manhã à noite a beleza, a bondade, a utilidade dos corcundas. Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear as opiniões. Assim, todos os jornais serão, em determinado momento, cobardes, hipócritas, ignóbeis, mentirosos, assassinos; matarão ideias, sistemas, homens e por isso mesmo vingarão. Gozarão do benefício de todos os seres dotados de razão: o mal será feito sem que ninguém seja considerado culpado.
[...]
- As ideias só podem ser neutralizadas por ideias --prosseguiu Vignon. - Só o terror o despotismo serão capazes de sufocar o génio francês, cuja língua se presta admiravelmente à alusão, ao duplo sentido. Quanto mais repressiva for a lei, mas a inteligência eclodirá, como o vapor da válvula de uma máquina. Assim, o rei procede bem, se o jornal estiver contra ele, a culpa será do ministro, e reciprocamente. Se o jornal inventa uma calúnia infame, é porque alguém lha transmitiu. Ao indivíduo que se queixa, pedirá desculpa em nome da liberdade sagrada. Se for levado a tribunal, queixa-se de que não lhe tenham pedido uma rectificação; e se a pedirem? recusa-a, rindo, chama ao crime uma bagatela. Por fim, ridiculariza a vítima quando esta triunfa. Se for punido, se tiver uma grande multa a pagar, apontará o queixoso como inimigo das liberdades, do país e das luzes. Dirá que o senhor Fulano de Tal é um ladrão, explicando que ele é o cidadão mais honesto do reino. Portanto, os crimes são bagatelas! e consegue, em pouco tempo, persuadir todos os que o leiam.
[...]
- O povo hipócrita e sem grande generosidade --prosseguiu Vignon--, ele banirá o talento do seu seio como Atenas baniu Aristides. Veremos os jornais, inicialmente dirigidos por homens honrados, cair mais tarde sob a alçada dos mais medíocres que terão a paciência e a cobardia de goma elástica que faltam aos grandes génios, ou a merceeiros com dinheiro para comprar penas. Já se vêem coisas destas. Mas, dentro de dez anos, um garoto saído da escola julgar-se-á um grande homem, subirá à coluna de um jornal para esbofetear os seus antecessores, para os puxar pelos pés e ocupar o seu lugar."
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, setembro 21, 2009