quinta-feira, setembro 10, 2009
"- Não nos julgues rudes, meu filho --disse-lhe Michel Chrestien--, limitamo-nos a ser previdentes. Receamos ver-te um dia preferir as alegrias de uma pequena vingança à felicidade da nossa pura amizade. Lê o Tasso de Goethe, a melhor obra desse grande génio, e verás que o poeta aprecia os tecidos ricos, as festas, os triunfos, o brilho: pois bem, sê o Tasso sem a sua loucura. A alta sociedade e os seus prazeres chamam por ti? continua connosco... Transporta para o domínio das ideias tudo o que exiges à tua vaidade. Loucura por loucura, inclui a virtude nas tuas acções e o vício nas tuas ideias; em vez de pensares bem e te comportares mal, como dizia d`Arthez.
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Não julgue o mundo da política muito mais bonito do que este mundo literário: nestes dois mundos tudo é corrupção, todos os homens corrompem ou são corrompidos. Quando se trata de uma empresa de edição de alguma importância, o livreiro paga-me, receando ser atacado. Assim, os meus rendimentos dependem dos prospectos. Quando o prospecto sai aos milhares, entram fluxos de dinheiro na minha bolsa e, então, regalo os meus amigos. Se não houver trabalho na editora, janto no Flicoteaux. As actrizes também pagam os elogios, mas as mais hábeis pagam aos críticos, o que elas mais temem é o silêncio. Assim, uma crítica, feita para ser corroborada algures, vale mais e é mais bem paga do que um elogio seco, esquecido no dia seguinte. A polémica, meu caro, é o pedestal das celebridades.
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Posso vir a precisar de escrever dez linhas para o seu artigo --respondeu friamente Lousteau. - Enfim, meu caro, trabalhar não é o segredo da fortuna, em literatura, trata-se de explorar o trabalho dos outros. Os proprietários de jornais são empresários, nós somos mão-de-obra. Assim, quanto mais medíocre for um homem, mais rapidamente sobre na carreira; pode engolir sapos vivos, resignar-se a tudo, idolatrar vis paixões dos sultões literários, como um recém-chegado de Limoges, Hector Merlin, que já faz política num jornal de centro-direita, e que trabalha para o nosso pequeno jornal: vi-o apanhar do chão o chapéu de um chefe de redacção. Sem escandalizar ninguém, esse jovem esgueirar-se-á entre as ambições rivais enquanto estas lutam."
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, setembro 10, 2009