quarta-feira, agosto 12, 2009
"- Por favor, minha querida --perguntou a senhora d`Espard à senhora de Bargeton a coberto do leque --, diga-me se o seu protegido se chama efectivamente senhor de Rubempré?
- Adoptou o nome da mãe -- esclareceu Anaïs, embaraçada.
- Mas qual é o nome do pai?
- Chardon.
- E que fazia esse Chardon?
- Era farmacêutico.
- Bem me parecia, minha querida amiga, que a alta sociedade de Paris não podia zombar de uma mulher adoptada por mim. Não me agrada ver chegar uns tantos brincalhões desejosos de me encontrarem na companhia do filho de um boticário; se quiser, partiremos juntas, e já.
A senhora d`Espard assumiu um ar impertinente, sem que Lucien tivesse adivinhado de que modo interviera naquela alteração da expressão do seu rosto. Pensou que vestira um colete de mau gosto, o que era verdade; que o corte da sua casaca era exageradamente moderno, o que também era verdade. Reconheceu com uma secreta amargura que devia vestir-se num alfaiate comedido e prometeu a si mesmo que, no dia seguinte, iria consultar o mais célebre, a fim de poder rivalizar, na segunda-feira, com os homens que encontrasse em cada da marquesa. Se bem que distraído pelos seus devaneios, não despegou os olhos do palco, atento ao terceiro acto. Enquanto admirava a pompa do espectáculo, entregava-se a fantasias em redor da senhora d`Espard. Desesperou-o a súbita frieza que contrariava estranhamente o ardor intelectual com que atacava aquele novo amor, indiferente às imensas dificuldades que antevia e que prometia a si mesmo vencer. Abandonou a sua profunda contemplação para voltar a observar o seu novo ídolo; mas, ao voltar a cabeça, encontrou-se sozinho; ouvira um ligeiro ruído, a porta fechava-se, a senhora d`Espard arrastava a prima. Lucien sentiu-se extremamente surpreendido com aquela súbita saída, mas não pensou durante muito tempo no caso, precisamente porque o considerava inexplicável.
Quando as duas mulheres subiram para a viatura que enveredou pela Rua de Richelieu em direcção ao bairro de Saint-Honoré, a marquesa declarou, num tom de raiva contida:
- Minha querida, em que está a pensar? espere que o filho do boticário se torne realmente célebre antes de se interessar por ele. A duquesa de Chaulieu ainda não se mostra na companhia de senhor de Canalis e ele é célebre, é um fidalgo. Este jovem não é seu filho nem seu amante, pois não? -- indagou aquela mulher altiva, lançando à prima um olhar inquiridor e claro.
«Que sorte a minha ter mantido aquele pobre tolo à distância sem lhe conceder o mínimo favor!», pensou a senhora de Bargeton."
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, agosto 12, 2009