sexta-feira, agosto 14, 2009
1. "Cada dia se vai tornando mais claro em todo o mundo que o problema da justiça não é da justiça, mas dos juízes." (Dn, quinta-feira, 13 de Agosto de 2009)
Esta frase foi escrita por um nobel da literatura, José Saramago, elite portuguesa que permite que nos mantenhamos à tona entre as elites internacionais. Como disse alguém, pior é sempre possível.
Jornalista, escritor, romancista, sei lá mais o quê e diz que o problema aqui não é este mas sim aquele, o juiz aqui apenas serve de exemplo.
Este homem andou a ver e a escrever sobre o quê?
2. Na próxima quinta-feira não estarei por cá, voltarei no início de Setembro, para aqui dar conta ou assinalar ou festejar ou brindar ou abrir uma mini ao lançamento em dvd em première pelo jornal público de "Aquele querido mês de Agosto" e até gostava mesmo que a capa desse dia fosse a página 23 do ípsilon de hoje mas sem aqueles dizeres "o filme que dá voz ao interior de Portugal" e que na televisão pública o filme fosse mostrado logo a seguir aos medíocres telejornais
(no dia em que se comemorou o dia da chegada à lua, João Adelino de Faria, intragável, teve como convidado o jornalista que manteve a emissão no ar durante muitas horas nos anos 60: olhem a pergunta dele ao colega dos anos 60: como é que conseguiu manter uma emissão em directo no ar tanto tempo sem internet e sem outras tecnologias dos nossos dias, querem que repita? vamos repetir todos juntos? bibliotecas, livros, jornais, filmes, conversas...)
e seja discutido e falado e festejado, mas sem os marretas que por lá abundam.
Dois testemunhos:
Um: "O Cântico das Criaturas
José Tolentino Mendonça in Página 1, 25.09.2008
Muito se tem escrito sobre "O meu querido mês de Agosto" de Miguel Gomes. É um «road-movie» que nos destapa: leva-nos os olhos por esse Portugal dentro, o Portugal que não é a «west Coast of Europe» da promoção, mas um país antioceânico, de minúsculas enseadas fluviais, uma paisagem pétrea, indiscernível, incessante, com florestas e matas ameaçadas, como se, de alguma maneira, elas (e não nós) se tivessem tornado ocorrências lesivas. É um filme que nos leva pelos cabelos a ver Portugal: um país a que se acede pela camioneta da carreira, ainda de ritos, de ofícios manuais, de jornais de província, de feiras, cabisbaixas ou não, e datas para assinalar... Um país arcaico, onde o desassossego da condição humana se exprime no tom estático e impávido que têm os Autos ou que teve, um dia, o grande teatro grego.
Podemos dizer que o cinema re(a)presenta o que o olhar vê e essa espécie de devolução modifica, adensa, entreabre a própria realidade. Mas não de maneira unívoca, e esse é um traço fundamental nesta obra. O cinema de Miguel Gomes, por exemplo, não nos revela apenas um Portugal submerso, distante das rotativas do discurso dominante. Deixa-se tomar por ele. De repente, sentimos que o filme estremece por o vento nas folhas ser isso mesmo, pelas nuvens riscarem mesmo de silêncio o céu, pelo marulhar ingénuo da pequena cascata afinal se ouvir, pelo deslumbre incalculável de certos encontros acontecer...
Tomando este belíssimo objecto de Miguel Gomes percebe-se então mais fortemente a oportunidade perdida que a ficção televisiva, servida em horário nobre, tem sobretudo representado. Uma telenovela, rodada nos Açores, no Douro ou no topo dos edifícios da Expo, o que faz é desdobrar estereótipos, repetir, deslocar actores daqui para ali, recorrendo ao local como mero cenário. Como quando a televisão se diz aproximar do quotidiano o que frequentemente faz é simplificá-lo até à caricatura. Há uma ânsia de homogeneidade que é uma outra forma de impermeabilização e surdez.
Por alguma razão o que se escuta é tão decisivo em “O meu querido mês de Agosto”. Pode-se pensar que se trata apenas de um chorrilho de cançonetas. A mim pareceu-me, antes, uma actualização, irónica e desesperada, do Cântico das Criaturas."
Dois: Luís Miguel Oliveira: "Quase um jogo, num filme que do princípio ao fim não pára de mostrar jogos e brinquedos, do dominó que a equipa de rodagem laboriosamente constrói na primeira sequência em que aparece aos peluches que decoram o quarto da miúda protagonista. Os "motards", a imagem de uma santa em luminoso efeito especial num céu nocturno, as narrativas sobre crimes de faca e alguidar, os homens da "Festa dos Colhões", os saltos de Paulo Moleiro (espécie de anti-herói local) da ponte para o rio.
Rossellini propunha algo parecido quando se tratava de filmar a religiosidade dos outros. É tudo questão de encontrar a distância justa. A justeza de "Aquele Querido Mês de Agosto" é uma coisa magnífica."
Aquela letra de Marante.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, agosto 14, 2009