terça-feira, julho 28, 2009
"A meio do serão, o pobre administrador municipal acabou por se entender com uma viúva, a senhora du Brossard, acompanhada pela filha, que nem por isso eram as personagens menos interessantes da reunião. Como o provará uma simples observação: eram tão pobres quanto nobres. A abundância de adornos do seu vestuário revelava uma miséria envergonhada. A senhora du Brossard gabava desajeitadamente e a todo o custo a filha, alta e corpulenta, de vinte e sete anos, que passava por ser uma boa pianista; no seu entender, a filha partilhava os mesmos gostos que todos os jovens celibatários e, no seu desejo de casar a querida Camille, pretendera numa só noite que a filha apreciava a vida errante dos militares e a vida tranquila dos proprietários que cultivavam a terra. Ambas ostentavam a dignidade afectada, agridoce das pessoas que todos gostam de lamentar, pelas quais todos se interessam por egoísmo, e que conhecem o vazio das frases consoladoras que todos apreciam dirigir aos mais desafortunados. O senhor de Séverac tinha cinquenta e nove anos, era viúvo e sem filhos; a mãe e a filha escutaram, pois, com uma pia atenção os pormenores que ele lhes forneceu sobre a criação dos bichos-da-seda.
- A minha filha sempre adorou animais --disse a mãe.-- Portanto, como a seda fabricada por esses bichinhos interessa a todas as mulheres, peço licença para ir a Séverac mostrar à minha Camille como se processam as coisas. Camille é tão inteligente que compreenderá imediatamente tudo o que lhe explicar. Pois não foi capaz de aprender num dia a razão inversa do quadrado das distâncias?
Esta frase encerrou gloriosamente a conversa entre o senhor de Séverac e a senhora du Brossard, depois da récita de Lucien."
Honoré de Balzac (trad. Isabel St. Aubyn), Ilusões Perdidas, Publicações Dom Quixote, 2009.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, julho 28, 2009