quarta-feira, junho 24, 2009
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"De manhã voltei à Acrópole sozinha. Escrevi Sophia, Setembro de 1963, numa parede do Parténon, na frontaria, à direita, numa reentrância. Coisa bárbara e selvagem mas que tive de fazer."
"As imagens eram próximas / Como coladas sobre os olhos / O que nos dava um rosto justo e liso / Os gestos circulavam sem choque nem ruído / As estrelas eram maduras como frutos / E os homens eram bons sem dar por isso.
Foi escrito na Granja, a 31 de Agosto de 1943
Ainda na praia D. Ana, Sophia um dia disse: "Telefonou-me um senhor a dizer que quer fazer um filme sobre mim e vai aparecer para a semana." Isto foi, lembra Maria, no Verão de 1968. "Passada uma semana, estávamos na praia e o Miguel vem a correr e diz: 'Venham ver um homem muito magro que diz que vem fazer um filme sobre a mãe!' E fomos todos a correr porque era uma coisa extraordinária, como quando se dizia: 'Venham ver os robertos!' E então, era o João César Monteiro, todo vestido, com um chapéu de palha, uma cigarrilha na boca, água até aos joelhos. Foi nesse dia que a minha mãe o conheceu, e gostaram imenso um do outro. A minha mãe disse: 'Vamos alugar um barquinho e ver as grutas da Ponta da Piedade.'"
É destas grutas que Sophia fala no Livro Sexto (As anémonas rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo. E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos, fogem de mim os peixes.)
No filme, ela desliza no barco com os filhos. O que não se vê é isto: "O César Monteiro ia num barco ao lado a filmar", conta Miguel. "Ele estava todo vestido, com um panamá, e para nos fazer rir atirou-se à água. E o nosso barqueiro, o José Afonso, disse: 'Ele está-se a afogar!' E realmente, o César esqueceu-se que não sabia nadar e o José Afonso teve de o ir buscar. A minha mãe achou engraçadíssimo."
Mas João César Monteiro não ficou por aí. "Na outra filmagem, em Lisboa, apareceu o Jorge Silva Melo", conta Maria. "O João César combinou com a minha irmã Sofia ela pôr uma 'rockada' alta e a minha mãe deu um pulo. Ela não se deixava filmar, sempre que se virava para a câmara ficava hirta, e o João César andava desesperado para ver se ela se desmanchava." Nem por isso. "Ele resignou-se a ter esse silêncio e fez disso uma coisa poética. Filmou a luta, corpo-a-corpo, essa recusa."
"Nunca lhe contei? Uma tarde na ilha da Madeira, tinha eu a idade maravilhosa que já não sei, descobri numa livraria o seu Poesia. E foi um dos mais belos encontros da minha vida. Não há aqui literatura. Tudo isto é verdadeiro. Seu muito admirador. Herberto Helder."
Mais uma vez, obrigado, Alexandra Lucas Coelho.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, junho 24, 2009