A montanha mágica

terça-feira, abril 28, 2009

"Porque temos medo de estar sozinhos na noite, perante os cacos da vida, ou não é por isso que nos juntamos no teatro?
(Jorge Silva Melo (Lisboa, Setembro de 2008)"







"Esta noite, a sala do teatro está cheia daqueles espectadores especiais que têm por hábito assistir à estreia de qualquer peça nova.
O anúncio nos jornais e nos cartazes de um espectáculo insólito de improvisação provocou grande curiosidade em toda a gente. Só os senhores críticos dramáticos dos jornais locais a não deixam transparecer, porque crêem amanhã poder vir facilmente a afirmar que se trata de uma enorme porcaria. (Meu Deus!, uma coisa no estilo da antiga commedia dell`arte; mas onde estão hoje os actores capazes de improvisar a partir de um esboço de acção, como no seu tempo o faziam endiabrados comediantes da commedia, a quem, aliás, as historietas antigas, as máscaras tradicionais, o reportório, tanto facilitavam o trabalho?) Antes se notará neles uma certa fúria, porque no cartaz não se menciona, e até se ignora completamente, o nome do autor que, apesar de tudo, deve ter fornecido aos intérpretes desta noite e ao seu director um entrecho qualquer: privados de qualquer indicação que os possa remeter confortavelmente para uma opinião já feita, receiam cair em contradição.
Pontualmente, à hora prevista para o início, as luzes da sala apagam-se e a ribalta acende-se.
Nesta súbita penumbra, o público mostra-se, primeiro, atento; depois, não ouvindo os toques do gongue que habitualmente anunciam a abertura do pano de boca, começa a agitar-se um pouco; e mais ainda quando lhe começam a chegar, vindos do palco e através do pano, vozes confusas e exaltadas, como se os actores estivessem a protestar e alguém os repreendesse para pôr termo aos seus protestos.


UM ESPECTADOR DA PLATEIA (perguntando em voz alta, depois de ter olhado à sua volta) O que é que se passa?
UM ESPECTADOR DO BALCÃO Parece que estão a discutir no palco.
UM ESPECTADOR DAS PRIMEIRAS FILAS Talvez faça parte do espectáculo! (Alguém ri.)
UM ESPECTADOR DE IDADE, DE UM CAMAROTE (como se estes ruídos fossem uma ofensa à sua dignidade de espectador sério) Mas que escândalo é este? Quando foi que se viu uma coisa assim?
UMA SENHORA DE IDADE (levantando-se de repente da sua cadeira das últimas filas da plateia, com um ar de galinha assustada) Não será um incêndio? Deus nos livre!
O MARIDO (retendo-a, rápido) Estás louca? Qual incêndio! Senta-te e fica sossegada.
UM JOVEM ESPECTADOR, SEU VIZINHO (com um melancólico sorriso de compaixão) Não brinque com coisas dessas. Qual incêndio! Tinham descido o pano de ferro, minha senhora.
(Toca finalmente o gongue no palco.)
ALGUNS ESPECTADORES NA SALA Ah! Até que enfim!
OUTROS ESPECTADORES Silêncio! Silêncio!
Mas o pano não abre. Em contrapartida, ouve-se novamente o gongue ao qual responde, do fundo da sala, a voz colérica do DOUTOR HINKFUSS, o director, que acaba de abrir violentamente a porta de entrada na sala e avança furioso pela coxia central.
O DOUTOR HINKFUSS O gongue, mas o gongue, porquê? Quem é que mandou tocar o gongue? Quem manda tocar o gongue, quando chegar a altura, sou eu! (Estas palavras serão gritadas pelo DOUTOR HINKFUSS enquanto atravessa a sala e sobe os degraus para o palco. Volta-se para o público, dominando com admirável rapidez o descontrolo dos seus nervos. De fraque, com um fino rolo de papel debaixo do braço, O DOUTOR HINKFUSS carrega a terrível e injustíssima maldição de ser pouco mais alto que uma braçada. Mas disso se vinga arvorando uma indescritível cabeleira. Agita primeira as suas maozinhas, que talvez lhe inspirem, também a ele, um certo desprezo, de tão frágeis que são, e com dedinhos tão pálidos e peludos como lagartas, e depois diz, sem tomar muito o peso às palavras.)"



ESTA NOITE IMPROVISA-SE de Luigi Pirandello, Tradução de Luís Miguel Cintra e de Osório Mateus, Livrinhos de Teatro, Artistas Unidos/Cotovia, 2009.

posted by Luís Miguel Dias terça-feira, abril 28, 2009

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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