terça-feira, março 10, 2009
Penso que tem muito que ver com um gosto provinciano do Pirandello: a especulação da má-língua. Uma senhora de quem fui amigo, pintora, Titina Maselli, sobrinha da mulher do Pirandello, que vivia no mesmo prédio quando era pequenina, dizia: "Aquilo o que era?, era um homem da Sicília que gostava de estar à esquina a dizer: 'Esta é casada com aquele, mas anda a sair com o outro'. Sem consequências. O que ele gosta é de explorar as hipóteses narrativas". Efabular. Gosta da má-língua sem maldade. Gosta das hipóteses romanescas que o real lhe oferece. A Titina dizia que ele era como o boticário da aldeia.
Nunca teria percebido na época que o Fellini só era possível nesta cultura - eu teria feito uma encenação mais viscontiana, ou seja, nobre, lenta, respeitando os códigos teatrais. Descobri-o há dois anos num espectáculo que vi em Itália, e que era mau, de um encenador muito bom, o Federico Tiezzi. Tinha uma ideia engraçada: ele achava que "Os Gigantes da Montanha" era a origem de "Julieta dos Espíritos" (1965) do Fellini. Eia pá, nunca me tinha lembrado desta! E realmente, quer o "Oito e Meio", quer o "Amarcord" (1973) só eram possíveis numa cultura onde esta destruição da narrativa já tivesse sido possível.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, março 10, 2009