A montanha mágica

sexta-feira, setembro 12, 2008

as raízes do olho estão no coração (2)






fotograma de Juventude em Marcha, de Pedro Costa




"O Estado em nós


Para uma pessoa se enquadrar bem no seio do Estado e do povo, precisa de uma visão recta, de um juízo recto e de boas oportunidades. É necessário ter uma orientação política, não essa que se aprende nos livros e nos cursos, mas essa outra que se vai formando lentamente. Lá por um estudante ter feito todo o curso de medicina com ardente entusiasmo, não significa que seja já um médico magnífico. Para isso requere-se muito tempo. Sê-lo-á quando conhecer vitalmente o homem saudável e o doente, o corpo e a alma de um e de outro, quando conhecer não só com o entendimento (nesse caso, os melhores médicos seriam os que melhores alunos da Faculdade), mas através desse contacto vital com o doente concreto que tem ali na sua presença, quando for dotado de um olho que, através dos sintomas externos, saiba penetrar até à própria raiz da doença, saiba ver que o corpo está doente por causa da alma e a alma por causa do corpo, quando tiver um ouvido fino, que capte não só o que se diz abertamente, mas o que se diz a meias e até o que se cala. É verdadeiro médico quem possui tacto fino e mão segura, firme e terna ao mesmo tempo, quem tem uma confiança esperançada no seu coração, no seu poder de curar e de libertar. Esse homem é um perfeito médico. Nesse caso, há «formação médica».
O mesmo acontece com um homem de Estado. Não é só a ciência, aliás necessária (quem se intromete em assuntos de governo sem um rigoroso conhecimento da sua missão é um irresponsável), que faz o homem de Estado, na verdadeira acepção da palavra. Só o é aquele que consegue uma atitude análoga, que vê com rigor o que é o «Estado», que intui o que é útil e o que é prejudicial ao Estado, que é dotado de uma potência criadora, construtiva e conservadora do Estado.
É desta atitude política que queremos falar. Primeiro, porque um dia alguns de nós terão deveres a cumprir na vida pública. Além disso, porque precisamente agora a questão política tornou-se urgente e inquietante de uma maneira especial. Também é nosso intuito fazê-lo da maneira mais simples possível. De coisas tão importantes como a essência do Estado, ou a maneira de estruturar a sociedade futura, falaremos muito pouco. Dedicaremos a nossa atenção a coisas miúdas. À semelhança dos outros capítulos, só nos interessa fornecer o instrumento de trabalho. Falaremos, é certo, de parlamento, autoridades e leis; mas só para vermos como se encontra na vida ordinária as raízes de todas estas coisas.
Com isto pretendo o que, na minha maneira de ver, é vital. Não me interessa dizer isto ou aquilo ou aquilo, mas apenas uma coisa: pôr a descoberto a atitude política. Se a tens, olhas à tua volta, observas, a cada movimento, cada leitura do jornal, dilata-te o horizonte. Se não a tens, então tudo é negociação, aborrecimento e intriga.
Tenho de pressupor, para já, que tu não és desses que saem da sede do partido carregado de caixas de ficheiro, dispostos a revolucionar o mundo do pensamento com os milhares de títulos que essas caixas costumam conter: «nacional», «internacional»; «popular», «humanitário»; «fidelidade ao Estado», «revolucionário»...
Hoje em dia, toda a gente tem essas coisas espalhadas pelos bolsos. Abrir os olhos, examinar os gestos alheios, reflectir demoradamente sobre alguma coisa, isso já não é preciso. Os ficheiros resolvem tudo. Seria absolutamente supérfluo perguntarmos a nós próprios como actuariam, em dadas circunstâncias, certas palavras ou normas, ou determinados acontecimntos. Surge qualquer ideia ou aparece uma oportunidade, ou regista-se qualquer acontecimento? Deita-se um olhar; --já está! esta ou aquela atitude! Vai-se à caixa --aqui está! Pronto! É formidável não ser preciso pensar! Nós, pela nossa parte, não estamos dispostos a que os partidos nos carimbem, nem que os jornais nos esmaguem."



Romano Guardini (trad. Ruy Belo), Cartas de Formação, Editorial Aster, Lda, Lisboa, 1960.


posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, setembro 12, 2008

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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