sábado, julho 19, 2008
poder dizer: hoje vou ver e ouvir Leonard Cohen.
repete: hoje vou ver e ouvir Leonard Cohen.
José Tolentino Mendonça, no ípsilon de ontem:
"Vou ao Leonard Cohen porque ele é o Cohen, não é? Quem leu o "Cântico dos Cânticos" compreende que o que Cohen fez é algo que tem uma ressonância semelhante. Fala do amor como uma cartografia do fogo e da solidão dos grandes amores, o inacabável de cada amor. É na absoluta profanidade desta voz que ressoa o sagrado. O Cohen mostra o que pode ser a luta com o Anjo, com a procura da transcendência. É um canto onde a queda, a culpa, o sofrimento, a solidão são uma luz que se acende na escuridão -- e são comoventes. Se por perdão entendermos uma espécie de salvação -- é óbvio que ele não se perdoou. Somos uma dor, e ele repete isso vezes sem fim.
Descobrir o "Songs of Love and Hate" é como ver Tarkovski pela primeira vez: é ficar horas sem conseguir fazer mais nada. O que me aproxima dele não é o que tem de único, é o que tem de comum connosco."
Tiago, Voz do Deserto, no ípsilon de ontem:
"O Cohen é um homem que tem uma coisa que eu gosto muito: acredita em Homens e Mulheres - podia ser chamado misógino por isso, mas ele fala de Mulheres como quem fala do desconhecido. Ele tem uma dimensão religiosa que mais ninguém tem - ninguém trabalha a imagética assim. E também já não há homens assim. Há um ´ethos` judaico que no Cohen está muito aperfeiçoado. Ele não é assim tão confessional como parece - por isso é que estão lá as escrituras, para picar, para ferir."
Pedro Mexia, no Público de hoje
"Muita gente tem visto nessa discrepância uma tendência depressiva. Cohen sempre negou tal rótulo. O que ele descreve é o sofrimento que resulta de uma ideia de separação ou isolamento. Uma ideia a que chama, com grande rigor teológico, “pecado”. Quem descreve os períodos da vida em que perdemos a Graça não é um depressivo mas um realista: “Um pessimista é alguém que está à espera que chova. Enquanto eu já estou encharcado até aos ossos”, disse. Aqueles que atacam uma suposta componente “depressiva” esquecem que as canções de Cohen estão cheias de aceitação, ironia e compaixão. E não são só as canções, é o próprio homem. Quando Kurt Cobain se suicidou, Cohen fez o comentário mais humano do mundo: “I’m sorry I couldn’t have spoken to the young man”. A bondade é o vício dos profetas."
Luís Miguel Oliveira
"E, como em Cohen há mais para além de self-pity masculina a choramingar pelas negas das mulheres ou pelos amores desvanecidos, interessa-me o seu lado, digamos, equitativo, a capacidade de se pôr num ponto de vista exterior. Exterior a si, porque frequentemente fala por dois e há um drama comum a duas pessoas (One of Us Cannot Be Wrong, a mais genial after-breakup song alguma vez escrita). E exterior ao género, pela manifesta capacidade de incorporar, nem que seja narrativamente, a feminilidade. Acho que isto já devia ter sido dito há muito tempo: Cohen é o Mizoguchi dos "songwriters", e não existe puta de canção mais
mizoguchiana (se tolerarem o emprego do vernáculo como reforço do superlativo) do que The Stranger Song, versão cantada das Irmãs de Gion ou dos Crisântemos Tardios e de todas as outras histórias de mulheres que descobrem tarde demais que são elas, my love, são elas who are the stranger."
posted by Luís Miguel Dias sábado, julho 19, 2008