sexta-feira, julho 25, 2008
Já vou um pouco tarde mas ainda vou a tempo de deixar aqui um pequeno excerto, em jeito de homenagem, do primeiro livro que li de Bronislaw Geremek, a Piedade e a Forca na Idade Média História da Miséria e da Caridade na Europa:
"As controvérsias e os debates teológicos suscitados pela doutrina da pobreza insistiam obstinadamente em tratar o pobre como mero objecto da caridade. Se, por um lado, isso contribuía para dar a conhecer melhor as realidades da miséria material, por outro, em nada concorria para a valorização idéológica e moral de tal condição. A tese que contesta o modelo igualitário da caridade e advoga a necessidade de fazer distinções entre os que solicitam ajuda não foi de modo algum uma invenção da assistência social dos Tempos Modernos. Como mostrou Brian Tierney, trata-se de um princípio já formulado no Decreto de Graciano e nos escritos dos decretalistas do século XII. Ao interpretarem a mensagem patrística (nomeadamente de S. João Crisóstomo e de Santo Ambrósio), eles haviam de facto trazido à luz dois tipos de mendigos: os "honestos" e os "desonestos", como lhes chama Rufino de Bolonha. Os mendigos "desonestos" eram aqueles que, podendo trabalhar, preferiam mendigar e roubar. A miséria fisiológica, reconhecida quando o indivíduo e a sua família careciam de meios de subsistência, era um caso extremo que reclamava ajuda imediata. Nos debates teológicos da época evidencia-se ainda uma outra tese, a de que um roubo cometido numa situação de "necessidade extrema" não é um delito mas a reivindicação de um direito."
Bronislaw Geremek (trad. Maria da Assunção Santos), A Piedade e a Forca História da Miséria e da Caridade na Europa, Lisboa, Terramar, 1995.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, julho 25, 2008