sexta-feira, junho 27, 2008
Segundo: Giovanni Lorenzo Bernini
“A escultura que eu penso fazer é muito mais uma escultura
do objecto que alguém trazia ao pescoço quando foi morto.
A minha escultura é sempre como uma faca que trazemos no bolso..."
Rui Chafes
A escultura, diz Richard Serra, é, depois da música, a arte das artes. É uma ideia que se pode levar, atravessar e travar o passo de quem passa. Que nos pode aparecer, que nos pode atrapalhar. Quando menos esperamos.
Tenho óbvias dificuldades em falar sobre escultura, por muitos motivos, mas Rui Chafes e Serra obrigaram-me a partir pedra e a fundir ideias. Chegar lá, e depois ir embora. Como um fósforo.
Simon Schama relembra-nos que “o objectivo da escultura clássica era tornar o ser humano mais divino. Pretendia dar à mortalidade da carne uma aura serena de imortalidade. Muitos deles acabavam por parecer divinos mas desumanos.”
De Bernini conhecia o que tinha estudado numa disciplina de História Geral da Arte, leccionada a correr. Conhecia alguns, três ou quatro, dos seus trabalhos que se foram atravessando à minha frente, que a correr tenho de olhar e mandar olhar. Mas como vi sempre pouco, devo ter mostrado sempre pouco. A colunata em S. Pedro, Santa Teresa e mais uma fonte ou outra. Não é coisa pouca, dirão. Não, é. É preciso parar para olhar e ver. E incendiar-se.
De São Lourenço a Scipione Borghese, de Apolo e Dafne a Costanza, de Santa Teresa à Beata Ludovica, Bernini em esplendor.
“Antes de Bernini ninguém conseguiu tornar o mármore tão carnal (…) Nas suas mãos o mármore tremia, jorrava, palpitava e transpirava (…) As suas figuras choram e gritam. Os seus bustos contorcem-se, correm e arqueiam em espasmos de sensações intensas. Como um alquimista, conseguia transformar um material noutro. Transformava o mármore em árvores, folhas, cabelo, em carne.”
Gianlorenzo Bernini, natural de Nápoles, seguiu as pisadas do pai Pietro, que era escultor, parece que medíocre. Depois de muito se falar do pequeno Bernini e de impressionar pessoas importantes levaram-no à presença do papa. Com apenas oito anos, e enquanto estava na presença de sua santidade, Bernini fez “um esboço rápido da cabeça de S. Paulo que levou o embasbacado pontífice a sugerir que o novo rapaz seria um novo Miguel Ângelo.” Quando vi os prisioneiros lembrei-me do dia em que tentei mergulhar numa onda mesmo antes da rebentação, e correu mal... fui sacudido e fiquei sem ar. Aflito.
“Bernini chegou a Roma em 1605. Exactamente nessa época o realismo enérgico de Caravaggio agitava a Igreja.” Pergunta Schama: “então, como é que se ultrapassa Caravaggio?” E responde: “não se ultrapassa, a não ser na escultura.”
Depois de aos 16 anos ter esculpido S. Lorenzo (“queimado vivo e que Bernini tenta captar o momento em que a dor é transcendente, o momento em que, segundo a lenda, ele se volta para os carrascos e diz, num rasgo de humor macabro: podem virar-me, este lado já está; os cronistas escreverão que o cheiro a carne queimada se transformou em perfume”) o cardeal Scipione Borghese “adoptou-o como seu artista privado”. Podemos vê-lo, ao cardeal, e ao pormenor do botão, na escultura que Bernini realizou.
Depois Apolo e Dafne: a perseguição e o loureiro e “aquela nudez sedosa” e a casca de árvore.
“Aos vinte e poucos anos Bernini é uma estrela: o papa Gregório V ordena-o cavaleiro, passa a ser conhecido como cavalieri, e o papa que se segue, Urbano VIII, faz dele o seu melhor amigo”. Dá-lhe livre acesso aos seus aposentos e nas suas tantas conversas o pontífice convence-o a casar, para que tivesse alguém que olhasse por ele enquanto se dedicava à sua arte. “É o maior virtuoso de Roma”.
Não lhe falta nada: “carisma, uma agradável aparência trigueira, dinheiro, estatuto e inimigos.” Francesco Borromini, cujas características apontadas são: “taciturno, neurótico, introvertido, depressivo.” Iam tropeçar um no outro. Bernini era reconhecido, Borromini nunca o seria, como queria.
“Borromini era um arquitecto brilhante, obrigava muros e sacadas a curvarem-se e a projectarem-se onde pareciam não ter esse direito. Os seus tectos cantavam e vibravam.”
A rivalidade começa em 1624 por causa do Baldaquino para a basílica de S. Pedro e por causa dos campanários para a mesma. “Uma das características desagradáveis de Bernini é o seu instinto egoísta para manipular a glória, que há-de voltar-se contra ele.”
Casa-se com Costanza, esposa de um seu assistente. “Em 1637 o romance está no auge.” O amor e o desejo por Costanza faz com que Bernini crie um “novo género de escultura europeia: a representação da intimidade.”
Depois ouviu um boato sobre a infidelidade de Costanza, que andava a encontrar-se com o seu irmão Luigi. Quis ver, viu, quase matou o irmão e mandou rasgar o rosto da amada. O papa perdoa-lhe e casa-o com a “jovem mais bela de Roma”. Luigi foi exilado Bolonha, ela para a cadeia, e o criado que Bernini mandara fazer o trabalho também.
Começa um tempo difícil para Bernini.
O seu atrevimento revela-se, uma vez mais, no projecto do campanário para a basílica. Quer que as suas torres subam mais alto que a cúpula de Miguel Ângelo. Quando a primeira fica pronta, 1641, pouco demora a rachar, um mês. Bernini cai de cama e é chamado…. Borromini, que diz ao papa, ao novo papa, Inocêncio X, em 1644, que “se ele me tivesse perguntado tê-lo-ia alertado. Mas não perguntou.”
1648: o campanário é demolido e Bernini cai também. Levantar-se-à? “Um milagre?”
Sim: Santa Teresa de Ávila em Êxtase.
A expressão? O que significa aquele manto? E aquelas pregas?
“Borromini esgueira-se e vai receber encomendas para igrejas cada vez mais êxcentricas e brilhantes. Costanza sai da prisão. Luigi regressa a Roma e à mesma vida. Para limpar o nome da família Bernini criou a Beata Ludovica.”
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, junho 27, 2008