A montanha mágica

sábado, junho 07, 2008

O Poder da Arte (1/8)





pormenor de A incredulidade de São Tomé, Caravaggio



Poucos dias depois da Fnac ter colocado nas suas prateleiras a caixa com três dvds intitulada O Poder da Arte, de Simon Schama, fui lá, a correr, a ver se ainda havia um exemplar para mim. Houve. E há o livro, também.
Simon Schama é Professor de História e de História da Arte na Universidade de Columbia. No seu percurso académico passou, entre outras instituições, por Cambridge (Christ’s College, 1966-76), Oxford (Brasenose College, 1976-1980) e Harvard (1980-1993). Já foi premiado com: Wolfson Award for History, W.H Smith Prize for Literature, the National Academy of Arts and Letters Award for Literature e, mais recentemente, 2007, foi-lhe atribuído o National Book Critics Circle Award for Nonfiction, por “Rough Crossings”. Para televisão, para a BBC e para a PBS, alguns dos seus trabalhos são: dois filmes sobre Rembrandt, cinco episódios de Landscape and Memory, o laureado A History of Britain, Tolstoi, uma adaptação com cerca de 90 minutos de Rough Crossings e Power of Art.
Na página do departamento de História da Arte e de Arqueologia da Universidade de Columbia, de onde estes dados foram retirados, ainda se pode saber mais.
O Poder da Arte são oito documentários sobre as vidas e as obras de: Caravaggio, Bernini, Rembrandt, David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rothko. Não os comprei com a intenção, nem com a ilusão, de que ia ficar a saber quase tudo sobre cada um destes mestres. Não, trouxe-os para casa para poder ver mais uma abordagem sobre cada um e poder ver imagens belíssimas. Olho para a pintura, para a escultura, e por aí fora, com os olhos de um não especialista mas atento sobretudo aos mistérios de cada um.
Não foi com surpresa, portanto, que li comentários negativos aos conteúdos desta edição, dizendo que as escolhas das obras, das imagens, e dos textos lidos tinham sido mal escolhidos (não pode ser só Jarman, ainda que____________________); mas também li, sem surpresa, um texto, pelo menos, a dizer bem sobre os mesmos. Eu gostei e gosto do que vi e vejo e, por isso, estou aqui.


Primeiro: Michelangelo Merisi da Caravaggio



Vá, desce pelas curvas escuras
da avenida que conduz ao Trastevere:
verás que, imóvel e devastada, como
arrancada a uma lama de outras eras
--para satisfazer quem pode roubar
mais um dia à morte e à dor--
tens a teus pés toda a cidade...

Versos de Pier Paolo Pasolini
in Poemas, Assírio & Alvim



Começa-se pela localização temporal e espacial: Roma, 1600: “O maior centro de propaganda a que a cristandade já assistiu.” Teria dito de outra forma mas… “A Igreja Católica está sitiada pelos protestantes do norte da Europa” que dizem “contem apenas com a Palavra, a verdade está nos Evangelhos, preto no branco. Os quadros nas igrejas são uma distracção, são ídolos imundos, destruam-nos.
Os católicos ripostam: e os que não sabem ler, não merecem ser salvos? Não deverão os pobres ter uma visão do sacrifício do Salvador, da vida da Virgem?”

Simon fala-nos, depois, de duas Romas: a dos palácios, da aristocracia, e a aquela que está para “além dos muros”, da de Caravaggio e dos seus amigos cujo lema “ao percorrerem as ruas era nec spe, nec metu. Sem esperança, sem medo (…) A Roma de uma multidão suada e barulhenta. Uma centena de milhar que se acotovela nos mercados e piazzas. A Roma do vinho azedo, dos alhos chochos, dos vermes da rua, dos duvidosos soldados em part-time prontos a cortarem-nos a bolsa ou o pescoço mal nos vissem. A Roma dos pedintes, dos saltimbancos, dos acrobatas, dos charlatães e das prostitutas. Milhares deles a trabalhar no Ortacchio, o Paraíso do Mal, junto ao rio Tibre.”

Quando chega a Roma, em 1591, 92 ou em 93, Schama diz que foi em 1593, dizem-lhe que para ser pintor famoso deve: “desenhar esculturas antigas, ir ter com mestres antigos, fazer-se humilde.” “Reproduzir aqueles mistérios celestiais através dos seus pincéis? Transmitir uma visão da perfeição? Ai, sim? Caravaggio não estava para aí virado. (…) visões do paraíso? Quem diabo conhecia alguma coisa disso? O que ele conhecia estava mesmo debaixo do seu nariz, aqui na terra, no estúdio. O aqui e agora. Seriam esses os motivos da sua arte (…) Quando lhe perguntaram que modelos ia usar ele apontou para as ruas e disse: ´eles`. E levou-os para dentro do seu estúdio.”

E depois traça-nos o percurso, os dias acidentados e de glória, de Caravaggio, desde o Rapaz levando um cesto de frutas (1593-1594) até David segurando a cabeça de Golias (1605-1606); passa por Pequeno Baco Doente (1593-1594) que em vez de um jovem é apresentado como alguém que está doente, “transforma um deus num homem e não o contrário”. E chama a atenção do Cardeal Francesco Maria del Monte, que lhe vai fazer uma proposta irrecusável. Os Batoteiros (1594-1595); Concerto de Jovens ou Os Músicos (1595-1596), onde a proximidade entre o espectador e o quadro é claustrofóbica; as duas cenas de S. Mateus para a capela de S. Luiggi: A Vocação (1599-1600), Jesus numa sala obscura, numa espelunca, em Roma, e o Martírio (1599-1600), um banho de luz sobre o assassino a acabar o seu trabalho. Caravaggio vive dias bons. Encomendas mais encomendas mais encomendas.

Apesar disso, “torna-se mais agressivo, mais violento e mais imprevisível (…) Ele veste um luxuoso traje negro mas uso-a até estar feito em farrapos. Depois há o seu cão, o ´corvo`, que ele ensina a andar só com as patas traseiras.” Entra na noite escura com os amigos. “O insulto que mais gosta de dirigir, está registado em tribunal: “Fritámos-te os tomates em azeite.”

Pinta A incredulidade de São Tomé (1601-1602), e que dizer? “Só alguém que conhecesse os subúrbios perigosos de Roma seria capaz de pintar este quadro (…) Isto quer dizer que ele não é apenas um revolucionário da arte. Este pecador é também um cristão devoto, um evangelista da ralé. Imaginam como os peregrinos que vinham a Roma, a sua Jerusalém italiana, se sentiam quando eram confrontados com esta imagem deles próprios?”
Pinta Nossa Senhora do Loreto (1605-1607) e dizem-lhe que foi longe de mais.

Entra Baglione na luta das encomendas e canta-se um poema a ele dedicado nas tabernas de Roma, que há-de levar Caravaggio para a prisão:
“Giovanni Baglione
Não passas de um ignorante.
Os teus quadros
Não passam de borrões.”
Em tribunal Caravaggio dirá que não conhece os poemas mas quando lhe dizem os versos diz: “Ah, esse poemas. Não tenho nada que ver com eles mas é óbvio que quem os escreveu percebe de arte.” Fica preso durante meses. Cumpre a pena?

Sai e volta à prisão. Depois chegam as alcachofras. E chega a Morte da Virgem, para Trastevere, que é rejeitado. A modelo que Caravaggio usou? E depois o duelo por Lena, na Piazza Navona, e depois o duelo com Tomasoni, em La Scrofa, e depois fica com a cabeça a prémio. Vai para Nápoles, sossega e pinta. Parte para Malta, em busca de estatuto: entra, no dia 14 de Julho de 1608, para a Ordem dos Cavaleiros de S. João. Pinta a Decapitação de S. João Baptista (1607-1608), quadro que assina “com o sangue de João Baptista.” Passado um mês agride um irmão cavaleiro e é preso. Consegue fugir. Vai para a Sicília e volta a Nápoles. Para pagar um indulto que vem de Roma pinta David segurando a cabeça de Golias, um auto-retrato mais. David e Golias e Golias e David, lutam na cabeça de Caravaggio, e.... Em 1610 zarpa de Nápoles, perde o barco para Ercolo, corre pelo pântano, apanha malária, cai numa praia, morre num convento monástico, “aí, segundo um relatório contemporâneo, sem a ajuda de Deus ou dos homens morreu tão miseravelmente como tinha vivido.”

Relatórios e mais relatórios e mais relatórios.


posted by Luís Miguel Dias sábado, junho 07, 2008

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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