segunda-feira, junho 16, 2008
"- O quê? --disse ela, erguendo a janela com prontidão.
- A vossa casa está a arder! Está tudo em chamas! Mexam-se depressa, se... --Os seus gritos ressoavam pela rua como se esta fosse uma caverna de ecos. Muitos pés provocaram uma sucessão de ruídos apressados nas pedras. Houve um homem que correu com uma velocidade quase fabulosa. Envergava calças alfazema. Um chapéu de palha com uma faixa brilhante de seda crispava-se, meio amarrotado, na sua mão.
Quando Henry chegou à porta da frente, Hannigan tinha acabado de arrombar a fechadura com um pontapé. Uma espessa nuvem de fumo derramou-se sobre eles, e Henry, esquivando a cabeça, precipitou-se para o meio dela. Do clamor de Hannigan percebera apenas uma coisa, mas esta deixou-o azul de terror. No vestíbulo, uma pequena chama encontrara o cordel que segurava o «Assinando a Declaração»*. A gravura tombou bruscamente num dos extremos, e caiu ao chão, onde rebentou com o som de uma bomba. O fogo já rugia como um vento invernal entre os pinheiros.
Ao cimo das escadas, a Sra. Trescott acenava os braços como se fossem dois caniços.
- O Jammie! Salvem o Jammie! --gritou ela no rosto de Henry. Ele mergulhou em diante, passando por ela, e desapareceu, seguindo os itinerários, há muito familiares, pelo meio destes aposentos superiores, onde ele uma vez desempenhara um cargo semelhante ao de segunda asssistente da criada interna.
Hannigan seguira-o pelas escadas acima e agarrou fortemente o braço da mulher endoidecida que aí se encontrava. A face dele estava negra de cólera.
- Tem de descer! --bramiu.
Ela gritava-lhe, apenas, como resposta:
- O Jammie! O Jammie! Salvem o Jammie!
*«Assinando a Declaração» é um dos quatro quadros que o Congresso americano encomendou a John Trumbull. Foi colocado, em 1826, na Rotunda do Capitólio --a sala circular e central do edifício, onde estão representados os acontecimentos mais importantes da história norte-americana. O quadro ilustra a assinatura da Declaração da Independência, no Independence Hall, em Filadélfia, a 4 de Julho de 1776, e representa as figuras do comité que elaborou o documento. O famoso segundo parágrafo da Declaração assevera que «todos os homens são criados iguais, ao serem dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis, entre os quais, a Vida, a Liberdade e a busca de Felicidade. Para assegurar estes direitos, são instituídos Governos entre os Homens, obtendo os poderes legítimos do consentimento dos governados. Sempre que alguma forma de governo se torne destrutiva para com estes fins, é o Direito dos Indivíduos alterá-lo ou aboli-lo, e instituir novo Governo.» [N.T.]
Stephen Crane (trad. David Furtado), O Monstro e outros contos, Antígona, 2003.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, junho 16, 2008