sábado, maio 17, 2008
1. Os mais descontentes
Um dia, um professor disse-nos que nós, os portugueses, éramos os mais descontentes dos descontentes, os insatisfeitos, dos indo-europeus que só pararam quando o mar encontraram. Muitos partiram muitos ficaram. E cá estamos, com outros mais que se juntaram vindos de outras paragens.
Estas palavras assaltam-me muitas vezes, por diversos motivos. E hoje, sexta-feira dia 16 de Maio, indo lá fora fumar um cigarro, por volta das 21h05m, levei comigo o livro Portugal e os Portugueses, de Manuel Clemente, de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, editado recentemente pela Assírio & Alvim. Não consegui deixar de o ler até agora, que já são 22h55m, até à página 73.
E logo no primeiro capítulo, chamemos-lhe assim, Portugal e os Portugueses (da página 9 à página 17), Manuel Clemente me fez ouvir, quando não esperava, e que bom é quando isso acontece, as palavras que ouvi há anos e que me vão assaltando dia sim dia sim dia não.
História, Projecção Religiosa, Geografia, Poesia, Figurações.
"Como se este [Portugal] fosse outra coisa do que nós realmente somos, apesar do distanciamento impossível que gostamos de manter com ele, ou com o que a sua nomeação evoca".
Projecção Religiosa: "que a relação que mantemos com Portugal é, fundamentalmente, bíblica."
Geografia: uma horta em Paris e um arquivo de documentação portuguesa em Cochim, nas mãos do bispo local que não sabia "nenhuma palavra nossa".
Poesia: a constante utilização do sufixo «inho/a», mesmo nas coisas mais utilitárias e prosaicas".
Figurações: o Zé Povinho, os painéis de Nuno Gonçalves e "a estátua que nunca se colocou no pedestal do alto do Parque Eduardo VII"
"Vivemos geralmente mal connosco próprios, por nos acharmos sempre aquém do que teríamos sido ou do que poderíamos voltar a ser..."
2. Portugal país encomendado a Nossa Senhora
E ao segundo capítulo, chamemos-lhe assim, Notas de Cultura Portuguesa (da página 35 à página 62, O culto de Nossa Senhora: da fundação à restauração da nacionalidade), Manuel Clemente me fez ouvir, quando não esperava, e que bom é quando isso acontece, as palavras que ouvi há anos e que me vão assaltando dia sim dia sim dia não.
Disse-me num outro dia outro professor, que Portugal era um país encomendado a Nossa Senhora. Naquele tempo percebi aquelas palavras mas se me pedissem para as sustentar gaguejaria, e não seria pouco, ou optaria por inventar meia hora de palavras sem dizer nada.
Manuel Clemente, partindo da História do Culto de Nossa Senhora em Portugal, de Alberto Pimentel, mostra, em 27 preciosas páginas, desde quando e como fomos partindo e chegando à devoção mariana. E escolho para citar uma parte do período da Fundação de Portugal pois é aí que, diz o autor, acabamos por encontrar mais respostas do que nos subsequentes: "Os cruzados virão até ao Tejo, aceitarão ajudar D. Afonso Henriques e em Julho está feito o cerco da cidade. Do alto das muralhas os mouros provocam os sitiantes. Fazem-no exactamente em torno deste tema critológico-mariano: «em arruídos e palavras injuriosas e insultantes, afrontavam a Santa Maria, mãe do Senhor, amesquinhando-nos porque adoramos com tanto respeito, como a um Deus, o filho duma pobre mulher, e dizemos que é Deus e filho de Deus, quando é evidente que só há um Deus, por quem foram criadas todas as coisas que têm princípio; que não pode existir outro que lhe seja coeterno e participante da divindade; que Ele era a suma Bondade, Perfeição e Omnipotência, e que, sendo omnipotente, era indigno e blasfemo restringirmos a um corpo humano e às formas dos membros o tão grande poder duma tão alta divindade; que nada julgavam mais insano e contrário à nossa salvação do que acreditarmos semelhantes coisas; e perguntavam-nos porque não afirmávamos antes que esse Filho de Maria era um dos maiores profetas, já que ao homem não é lícito usurpar o nome de Deus».
Aqui temos --mesmo devendo alguma coisa à redacção tanta teologia das muralhas abaixo-- o quadro propriamente teológico em que a conquista de Lisboa também decorreu."
Todavia, "esses indícios não significam, só por si e na maioria dos casos, uma consistência específica de marianismo nacional ou português, antes repetem aqui o que podemos encontrar noutras partes do mundo católico."
3. D. Manuel Clemente na grande entrevista de Judite de Sousa
Vivia João Paulo II os seus últimos dias e andava toda a comunicação social em alvoroço. Jornalistas sôfregos em busca de opiniões que lhes dessem minutos de fama, que tinham conseguido vislumbrar em alguém uma certa discordância em ver João Paulo II continuar a ser papa naquelas condições de saúde.
Judite de Sousa entrevistou assim, por aqueles dias, o Bispo Auxiliar de Lisboa, D. Manuel Clemente, e o que pudemos ver foi um homem num registo de tempo muito longo e uma jornalista num tempo muito curto. Não conseguiu nada do que queria, apenas ouviu que o mundo pula e avança mas não tão assim.
E mais uma vez, nessa noite, estive em Valparaiso.
posted by Luís Miguel Dias sábado, maio 17, 2008