A montanha mágica

domingo, fevereiro 03, 2008

solipsismo





Richard Serra's sculpture by Hiroshi Sugimoto


"Miss Malin fez uma figura quase patética como todos os que, neste mundo, tomam as palavras das Escrituras au pied de la lettre."

Karen Blixen



Passei toda a semana entretido com o deus não é grande de Cristhopher Hitchens, que, tal como Clinton Richard Dawkins (como o apelidou Pedro Mexia) é, parece-me, outro catequista. Mas os ou as mas mais os os os catequistas às vezes dizem coisas que devem ser ouvidas e tomadas em consideração. É o caso de Hitchens. Não por ser o mais culto de todos, como o referiu José Manuel Fernandes no Público do último domingo do ano de 2007, mas sim por tocar nalguns pontos frágeis reais. E o pior de tudo seria, como no tempo da Reforma, assobiar para o ar e olhar para o lado. O Concílio de Trento corrigiu, depois. Siga, então.
Hitchens diz, às páginas tantas, que se chegou até alí, mais ou menos a meio do livro, e já perdeu a fé, que é o que espero, diz, então sentir-se-á mais livre e mais bem disposto para saborear o que ainda lhe falta ler, diz. São 357 páginas a bater em tudo o que mexe, que não seja passível de ser explicado à luz da Razão.
David Hume, pois claro, muito. Chesterton remetido para um canto, claro. Calma. Nas primeiras páginas ele fala em Bonhoeffer e depois esquece-se... até muito perto do final. Onde o volta a referir, não a sua teologia mas sim na sua coragem. Separar?
Para Hitchens o mundo seria muito melhor sem as religiões. A sua inteligência permiti-lhe dizer isto. Ponto. Dizer o quê?
Não acredito que não tenha visto o THX 1138 de George Lucas. Não acredito.
E depois diz que percebe que muitos escritores, pintores, poetas, cineastas, etc, ao longo de tantos anos tenham organizado a sua vida e construído visões acerca do mundo com base e a partir da Bíblia e outros livros. Diz que os percebe e que tem pena deles, porque hoje já não o fariam, hoje a informação conseguida nos laboratórios, sempre muito limpinhos, das ciências exactas (o que eu gosto deste termo; um dia disse a uma docente de matemática que a matemática não era uma ciência exacta e ela ficou mais vermelha do que o fogo do inferno) não os deixaria caminhar nessa aberração. Dizer o quê? Ponto. Não sei se ele viu o Solaris de Tarkovski, mas se viu, se calhar, não viu as duas esferas. Ou terá razão Pedro Costa quando disse que Tarkovski foi um pobre desgraçado uma vez que ninguém o percebeu.
Claro que Hitchens menciona coisas sobre as quais se deve reflectir. Sobre Teologia não vou falar porque não sei, mas parece-me que se põe a jeito para levar uma tareia a qualquer momento, se quiser sair da sua esfera, não se centrar literalmente no xisto de burgess. Mas quando ele fala sobre o medo inculcado nos fiéis, ao longo de tanto tempo, por homens que deviam conhecer e agir melhor do que outros, ser mais tolerantes, tem razão em apontar o dedo. Mas fazer o quê? Ele sabe dizer e apontar quais são os limites dos seres humanos? Nos diferentes períodos da História? Tanto a nível temporal como a nível espacial como a nível mental? E ele, Cristopher Hitchens, não será também um dos intérpretes radicais da razão e da ciência? Ele que nos diz venham por aqui porque é o melhor. E que tem a certeza disso.
Durante todo o livro quando é mais brando com as religiões é também mais brando com os adjectivos, quase jocosamente. Quase não. Escolhe, como é natural, a adjectivação que mais lhe serve. Normal.
Hitchens passa todo o livro a falar de algo em que não acredita, mas que se esforçou, e que parece não querer perceber, embora diga que já passou por elas todas, outras razões e argumentos que não os seus. Todavia, fez bem escrever este livro. Torna visível outros caminhos. Por isso acho que João Pereira Coutinho não tem razão quando diz que ele não devia ter escrito sobre algo que não conhece.
Termino com Dietrich Bonhoeffer: "O corpo como fim para si mesmo encontra a sua expressão no seio da vida natural nas alegrias do próprio corpo. Se o corpo fosse apenas um meio para um fim, o homem não teria nenhum direito às alegrias corpóreas. Nao seria então lícito superar um mínimo teleológico de fruição física. Isto teria consequências decisivas para o juízo cristão de todos os problemas associados à vida física, a saber, aos problemas da habitação, da alimentação, do vestuário, do tempo livre, do jogo, da sexualidade. Se, pelo contrário, o corpo é fim para si mesmo, existe então um direito às alegrias corpóreas, sem que essas devam, sem mais, estar subordinadas a um fim superior. É inerente à essência da alegria ser corrompida pela ideia de uma finalidade a alcançar. Mais à frente, quando falarmos do direito à felicidade, voltaremos a este ponto. As alegrias do corpo, no seio da vida natural, remetem para a alegria eterna, que está prometida ao homem junto de Deus. Onde a um homem se nega a possibilidade das alegrias corpóreas, utilizando exclusivamente o seu corpo como meio para um fim, tem lugar uma intrusão no direito originário da vida física. «Vai, come o teu pão com alegria e bebe com prazer o teu vinho, porque a Deus agradam as tuas obras. Veste-te sempre com vestidos brancos, e haja sempre óleo perfumado na tua cabeça. Goza a vida com a mulher que amas, durante todos os dias da tua fugaz existência, que Deus te concede debaixo do Sol. Esta é a tua parte na vida, entre os trabalhos que suportas debaixo do Sol.» (Ecl. 9,7ss). «Jovem, regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. Segue os impulsos do teu coração e o que agradar aos teus olhos, mas sabe que, de tudo isso, Deus te pedirá contas» (11,9). «Quem, com efeito, come e bebe senão graças a Ele?» (2,25).
A habitação do homem não tem, como a toca dos animais, apenas o objectivo de proteger das intempéries e da noite, e de permitir criar os filhos, mas é o espaço em que pode gozar as alegrias de uma vida pessoal, rodeado pelos entes queridos e pelos seus bens. O comer e o beber não servem só para manter são o corpo, mas também para gozar naturalmente da vida física. O vestuário não deve apenas cobrir o corpo segundo a necessidade, mas deve ser ao mesmo tempo um ornamento seu. O tempo livre não tem somente o objectivo de permitir, depois, trabalhar mais, mas concede ao corpo a medida de repouso e de alegria que lhe compete. O jogo está, por sua natureza, longe de toda a finalidade utilitarista, é a expressão mais clara do facto de que a vida corpórea é intrinsecamente fim para si mesma. A sexualidade não é tão-só um meio para a procriação, mas no seio do matrimónio possui as suas alegrias no amor recíproco entre duas criaturas, independentemente dessa finalidade. De tudo o que se disse depreende-se que o sentido da vida física nunca se dilui na sua instrumentalidade, antes se esgota apenas na satisfação da exigência de alegria nela ínsita."

Agora vou alí ler o Quebrar o Feitiço, de Daniel C. Dennett, que começa com o cérebro de uma formiga a ser ocupado por um verme que pretende completar o seu ciclo reprodutivo.



posted by Luís Miguel Dias domingo, fevereiro 03, 2008

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