segunda-feira, fevereiro 04, 2008
Aos domingos sou, mais do que nos outros dias da semana, um veado. Anseio por mergulhar os olhos, primeiro, e o contentamento, depois, n`A Casa Encantada de João Bénard da Costa, no público. Sequioso, e cobiçoso, ando quase até já não ser domingo, pois só lhe bebo as palavras já mesmo perto das madrugadas de segunda. Domingo é dia de viagem, lento e vagaroso. Ao domingo começa o nocturno semanal do mocho, empoleirado no telhado, e do morcego, a passar rasantes ao fio de alta tensão.
Nesse domingo Bénard da Costa falou-me de A Palavra, de João Miguel Fernandes Jorge, José Loureiro e Rita Azevedo Gomes. A partir de, e a ele dedicado, Carl Dreyer. Para nós. A nós.
Deixei o jornal escorregar, apaguei o candeeiro, adormeci pouco depois.
DUAS ROSAS
No caminho para deus viu-se obrigado
a parar várias vezes.
Vinha do tempo das quimeras.
Partia, a passos rápidos, sem direcção
definida.
De princípio não pensou em nada,
mas a sua situação depressa se lhe mostrou
desagradável e perigosa.
Levava dentro de si a cumplicidade de um
relâmpago, trazia recados de si mesmo
para mais dentro de si próprio.
Todas as suas forças ficaram isoladas
e o tempo tinha o valor físico de um deserto.
Vivia sob lentidão extrema,
não muito longe do que jamais acontecera.
Regressou ao inanimado carácter do seu corpo,
aos objectos do próprio quarto.
João Miguel Fernandes Jorge
Edição da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, Novembro de 2007.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, fevereiro 04, 2008