quinta-feira, fevereiro 28, 2008
"Nos últimos seis meses, mais de 250 sem-abrigo montaram tendas junto ao aeroporto de Ontário, no Canadá, criando um "bairro de lata" em terrenos desocupados. Chamam-lhe a Cidade das Tendas e, para muitos, é a alternativa desejada às pontes, às ruas, aos carros e aos cenários onde costumam pernoitar. "Este lugar é o melhor que nos podiam dar", diz Teresa Pacheco, uma sem-abrigo de 48 anos. "Temos boa comida, água."
Para outros, a Cidade das Tendas é um pesadelo. "Detesto isto. Quero uma casa. Quero uma vida", diz, de lágrima no olho, Teresa Dodson, de 54 anos. "Nunca fiquei nesta situação em toda a minha vida. Mulheres grávidas, pessoas com deficiências, alcoólicos, gente a atravessar um mau momento --estão todos alí, vivendo de comida e água doada.
A Cidade das Tendas começou com cerca de 30 pessoas. Cresceu depressa, para perto de 250 a 300 pessoas sem-abrigo vindos de toda a região.
Neste momento há tendas a cobrir vários lotes de ambos os lados da Avenida Cucamonga. Há cães que andam por alí à solta. Um bebé de seis meses foi encontrado a viver com a mãe numa tenda. As autoridades garantem que todas as mulheres que encontram com filhos são encaminhadas para abrigos. A polícia diz que já houve um assalto, mas poucos crimes têm sido registados. Foi interceptado um "gang" que estava a instalar-se por alí. E alguns deficientes mentais foram abandonados na "cidade".
Há gente que vem até aqui para fazer troça destas pessoas. Alguns até trazem os filhos. Isto não é um sítio para se trazer crianças. Muitos dos que aqui estão são deficientes mentais. O ar está pejado de doenças."
Para se aquecerem, acendem fogos em barris ou em fogareiros. Se os ventos forem fortes, as casas de banho portáteis são levadas pelos ares e o seu conteúdo entorna-se. Dentro de um deles alguém escreveu, com um marcador preto: "Deus odeia-nos a todos."
As histórias de vida arrepiam. Marty Tovar, de 53 anos, rapou todo o cabelo: "Para mudar o meu look, diz. Tem o nariz arranhado porque foi espancado por um grupo de adolescentes, o cotovelo está rachado porque foi atirado contra o vidro de um carro e entrou por ele adentro. Os joelhos quase não funcionam e uma anca está partida. "Mas os meus rins estão bons", diz. Os aviões que aterram no aeroporto passam quase a rasar o recinto."Também tenho um bom nariz" --garante Marty--, aguento bem a pancada.
Teresa Dodson passa por nós, diz que o namorado a expulsou de casa. Bebe "para aliviar a tensão" e dá comida aos pássaros que se juntam à beira da sua tenda.
Gina Worges tem 47 anos e está grávida de cinco meses. Espera que o seu bebé esteja bem, mas, na realidade, não sabe nada: "Andam por aqui veterinários a esterilizar os cães, mas não tenho visto médicos para as pessoas."
Um homem em liberdade condicional de aspecto nervoso que se identifica como "Mississípi" tenta acender uma fogueira no local onde está a tenda de Danielle Rivera. Usa as folhas de um bloco de papel como acendalha. "O agente responsável pelo meu caso deixou-me aqui", diz. "A polícia disse que eu cometi um crime com intenção de causar danos físicos, mas tudo o que eu estava a fazer era tentar acabar com uma luta."
Damaris Rodriguez, 45 anos, perdeu o emprego quando a empresa onde trabalhava foi à falência. O seu último ordenado foi de cerca de cem euros e a renda rondava os 250. Foi despejada e perdeu o carro. "Foi um efeito dominó e acabei aqui", lamenta. A tenda de Damariz está impecavelmente arrumada, com latas de comida colocadas atrás do colchão em cima de um tapete farfalhudo. Cavou um buraco à frente da tenda para despejar a água e usa chinelos que ficaram pretos com lama."
Excertos do artigo A Cidade das Tendas publicado na Pública de 24/02/08. O autor do texto é David Kelly.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, fevereiro 28, 2008