domingo, fevereiro 17, 2008
"O Colégio! Dizer que foi alegremente que penetrei nesse pardo casarão seria faltar à verdade. Dos quatro anos que alí passei (quatro, não: cinco), possuo algumas recordações bem nítidas, entre as quais uma insistente repetição de corredores sombrios, assentos rijos, partidas que se desejava fossem feitas aos outras, Sol não inteiramente gozado e casacos cheirando a cães molhados pela chuva. Isso e o adormecer entre cheiros duvidosos e acordar sem grande vontade disso.
Logo no primeiro dia, mal tive tempo de penetrar na aula a que me competia assistir antes de entrar o Doutor.
Lembro-me de que as janelas eram altas e aparentavam nunca terem sido abertas (calafetadas de poeira, como estavam). Uns quarenta rapazes pouco belos ergueram-se à chegada do Doutor, que era grisalho e não usava óculos. Ele tomou lugar atrás da secretária grande, sobre o estrado. Por cima do grande quadro preto havia um letreiro de cartão onte estava pintado em letras escuras
O ONANISMO É O DESPORTO
DOS IMBECIS
e pelas paredes havia outros letreiros, igualmente contendo Preceitos.
Entretanto o Doutor mandou-nos escrever o título da lição, o qual era: A Polarização dos Ursos Polares. Imediatamente começou a leccionar, falando em voz monótona e passeando de um lado para o outro enquanto agitava um pequeno bastão de pau, possivelmente santo. Ao fim de poucos minutos, um esgalgado fedelho levantou-se e perguntou ao Doutor se o urso branco era ainda mais estúpido do que o urso castanho. O Doutor ouviu-o complacentemente, e respondeu:
«Sabe, não sei. Pessoalmente, sou daltónico.» E recomeçou a discursar enquanto eu, a quem a viagem e a levantadela matutina tinham entorpecido, acabei por adormecer tranquilamente."
Nuno Bragança, a noite e o riso, Publicações Dom Quixote Lda, 1969.
posted by Luís Miguel Dias domingo, fevereiro 17, 2008