A montanha mágica

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Histórias Inquietas (1)






fotograma de Dias do Paraíso de Terrence Malick




"- Sim... quero dizer, se aquilo era verdade, sabes... se realmente aquilo lhe aconteceu... Que achas?
- Meu caro! --exclamei-- tu estiveste demasiado tempo fora. Que pergunta a tua! Olha só para isto aqui.
O sol brilhou com um reflexo aquoso a oeste e desapareceu entre duas longas filas de paredes; e depois a confusão dos telhados, das chaminés, dos letreiros pintados nas fachadas das casas, o verniz preto dos caixilhos das janelas ganharam um aspecto resignado e soturno com os últimos raios de sol. Toda a extensão da rua, profunda como um poço e estreita como um corredor, estava cheia duma animação obscura e incessante. Nos nossos ouvidos ressoava um rumor surdo de passos precipitados, sobressaindo acima dum outro mais vasto -- um rumor enorme, vago, vibrante, como de respirações ofegantes, de corações que batem com força, de vozes entrecortadas. Um sem-número de olhos olhavam fixamente em frente, pés moviam-se apressados, rostos neutros passavam, braços subiam e desciam. Por cima de tudo isto, uma estreita faixa dum céu coberto de fumos estendia-se entre os telhados altos, esticada e imóvel como uma bandeirola suja esvoaçando por cima da turba alvoroçada.
- Siiimmm... --disse Jackson, pensativamente.
As grandes rodas dos hansoms giravam lentamente junto ao lancil dos passeios; um jovem pálido errava, vencido pelo aborrecimento, com um stick ao lado e as abas do sobretudo ondulando mansamente contra os calcanhares; os cavalos pisavam com precaução na calçada escorregadia, sacudindo as cabeças; duas raparigas cruzaram-se connosco, falando com garridice e de olhos brilhantes; um senhor de idade, elegante, de cara avermelhada, pavoneava-se alisando o bigode branco; e uma faixa amarela de anúncios com letras a azul aproximava-se de nós lentamente, enfunada sobre as nossas cabeças, como um estranho destroço à deriva num rio de chapéus.
- Siiimmm --repetiu Jackson. Os seus olhos azul-claros viam isto tudo com desdém, divertidos e duros, como os olhos dum rapaz. Uma fila desordenada de omnibuses vermelhos, amarelos e verdes, rolava, monstruosa; duas crianças miseráveis atravessaram a rua a correr; um bando de homens sujos, com lenços vermelhos atados à volta do pescoço nu, caminhava aos bordos, discutindo grosseiramente; um velho andrajoso e com o desespero estampado na cara vociferava horrivelmente na lama o nome dum jornal; enquanto que ao longe, por entre as cabeças agitadas dos cavalos, para lá do brilho baço dos arneses, para lá da confusão dos painéis lustrosos e dos tejadilhos das carruagens, se podia ver um polícia de farda e capacete escuros levantar um braço rígido num cruzamento.
- Sim, estou a ver --disse Jackson lentamente.-- É verdade; isto arfa, corre, rola; é forte e vivo; esmaga-nos se não tivermos cuidado; mas que me enforquem se é tão real como... aquela coisa... aquilo, a história de Karain!
Eu com franqueza, acho que ele esteve demasiado tempo fora."


Joseph Conrad (trad. Carlos Leite), Histórias Inquietas, Assírio & Alvim, 2002.


posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, fevereiro 22, 2008

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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