domingo, janeiro 13, 2008
Cartão continente
Jenny Holzer
O Delfim, de José Cardoso Pires, é um livro que amiúde me vem à memória, por muitos e variados motivos.
Diz-se e afirma-se muitas vezes, à boca cheia, que Portugal é um país de brandos costumes. A mim ensinaram-me, há uns anos, que é falso, é mentira, é frase feita. Ouvi os argumentos, registei-os e procurei-os. Encontrei alguns. Basta, assim simples, pegar num livro de História de Portugal, e, voilá, lá está. Ou estar atento ao dia a dia. Mas escolham uma História narrativa. Pode ser que se divirtam mais e depois podem encher também os queixos dos outros com argumentos, que provavelmente ficarão calados, e um pouco assustados, a ouvi-los. Brilharão, qual genealogista cheio da certeza que o pó dos manuscritos lhe deu.
Claro que a História é uma disciplina, ia a dizer ciência mas como acima já disse preferir a narrativa... ia levantar um tumulto sem ser preciso, com pouco interesse nos dias que correm. E percebe-se o porquê. Pode ser pornográfica, é por isso que é vista como tão ruim. Podem acreditar que sim, que é verdade, desculpem mas há um Fernão Lopes dentro de cada um de nós.
Gosto mais de acreditar que Portugal é um oeste, terra selvagem, apesar da idade ou mesmo por isso, aonde tudo é possível. De vez em quando lá surgem bandos de especialistas prontos a varrer tudo o que lhes aparece e faz frente. Estes bandos, normalmente cheios de certezas, sem memória, tem apenas um lema: lavar da cabeça das pessoas alguma ideia que possa atrapalhar os dias de glória a que estão predestinados.
De volta à realidade, quem pegar num livro de História, e o ler, deve rir-se de quase tudo o que já viu em vida, no que aos pregadores políticos e analistas e formatadores e revisionistas de serviço em directo diz respeito. É que é muito mau ver as figurinhas que andam por aí a fazer. O que lhes vale é que eles não sabem senão metiam-se num buraco e apanhavam tais crises de pânico que jamais ousariam dizer qualquer merda pela boca fora, mas assim andam por aí em pose de fotografia vinte e quatro horas por dia. É que as televisões estão sempre a mostrá-los. E quando lhes perguntam que livros andam a ler, por alturas do Verão, durante o ano não têm tempo, e eles respondem que andam a ler um livro de História, um Churchill ou um Tocqueville ou um Kennedy ou um Kissinger... nunca um Nicolau Clenardo ou um Sá de Miranda ou um Fernão Mendes Pinto ou um Las Casas ou um Padre António Vieira ou um Frei Bartolomeu dos Mártires ou um D. Francisco Manuel de Melo ou um Pero Vaz de Caminha ou um João de Barros ou um Frei Manuel do Cenáculo ou um D. Duarte... E como não podem mandar um elefante ao Papa com emissários a atirar moedas de ouro ao ar não sabem o que fazer aos poucos tostões que restam depois de o esbanjar e de pagar a assessores e carros e telefones e seguranças e jantares e almoços e viagens... enfim. Quando não sabem o que fazer só uma obra faraónica se vislumbra, não é preciso dar espessura a nada, escolas, hospitais, centros de sáude, ipss, tribunais, prisões, vias de comunicação, melhores salários... E assim vão indo os quadros comunitários de apoio, ou lá como se chamam. Aos que me vão ouvindo vou-lhes dizendo que os portugueses apenas estiveram, e estão, quase sempre interessados em quem lhes desse dinheiro para gastar à toa, sem pensar no Reino, no Estado ou no País. E-s-t-r-u-t-u-r-a, digo, estrutura.
Isto para dizer que o governo de Portugal é, neste momento, e têm sido, muito mau, maus, mesmo muito mau. Diria mesmo ridículo. Quanto a presidentes Thomas Mann explicou tudo em Sua Alteza Real. Gosto de acreditar, porém, que há-de haver um dia em que eles entrarão no Cassandra de Woody Allen, como acontece a todos nós, é que não chega apenas ir ouvi-lo ao Estoril, ou se calhar chega mesmo.
Gosto mesmo, muito, é da História das Ideias.
posted by Luís Miguel Dias domingo, janeiro 13, 2008