terça-feira, janeiro 01, 2008
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fotograma de The Searchers de John Ford
"Recomeçar de novo
Nas passagens de ano, como nas festas de aniversário, ecoam longinquamente cerimónias evocativas dos ciclos regeneradores da vida (da respiração de Deus, como diz o salmista), de renovação e recomeço. É assim que um novo ano parece sempre reacender, mesmo nos corações mais cépticos, a absurda e melancólica chama da esperança. O grego tem dois termos para a ideia de "novo" "neos" (novo em idade) e "kainos" (novo em natureza). Ora, não acreditando decerto ninguém que o ano que agora começa seja de natureza distinta da do que acabou, resta festejar a sua imatura e tenra idade. Hoje, porque amanhã terá já envelhecido. Nele inconvictamente pressentimos talvez, como naquele menino franzino e "setemezinho" de "Morte e vida severina", de João Cabral de Melo Neto, a beleza breve e súbita que habita sempre "qualquer coisa nova/ inaugurando o seu dia" (nem que seja uma coisa tão prosaica como um ano civil), celebrando tudo aquilo que, só pelo facto de ser novo, "corrompe/ com sangue novo a anemia" e "infecciona a miséria/ com vida nova e sadia". Talvez, mas que sei eu?, seja sentido a mais para um dia igual a todos os outros, mas até nas nossas cidades anónimas e "desnaturadas" os símbolos continuam a observar, do fundo do tempo, silenciosamente os homens."
Manuel António Pina
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, janeiro 01, 2008