quinta-feira, dezembro 20, 2007
"Retirei a mão debaixo dos cobertores e toquei a campainha para chamar Jeeves.
- Bom dia, Jeeves.
- Bom dia, senhor.
Esta resposta surpreendeu-me.
- É, de facto, ainda manhã?
- É, sim, senhor.
- Bem, e como estás tu? Parece que está muito escuro lá fora.
- Está nevoeiro, senhor. Recorda-se certamente de que estamos no Outono, a estação da cacimba e das colheitas serôdias.
- Estação do quê?
- Da cacimba, senhor, e das colheitas serôdias.
- Ah! Sim, sim, compreendo. Bem, seja como for, arranja-me um dos seus estimulantes, se fazes favor.
- Já tenho um pronto na geleira, senhor.
Eclipsou-se e sentei-me na cama com a impressão bastante desagradável de quem sente que vai morrer daí a cinco minutos. Tinha dado na noite anterior um pequeno banquete no Drones, festejando as próximas núpcias de Gussie Fink-Nottle com Madeline, filha única de Sir Watkyn Bassett, C.B.E., e essas coisas pagam-se sempre caro. Assim, um momento antes de Jeeves entrar, estava a sonhar que alguém me enterrava pregos na cabeça, e não eram pregos vulgares como os que usou Jael, a mulher de Hebber, nas cavilhas em brasa.
Jeeves veio com o estimulante de produtos orgânicos. Despejei-o de um trago e, depois do temporário desconforto que inevitavelmente se sofre quando se bebe um dos estimulantes matinais da invenção de Jeeves, e, depois de o topo do toutiço ter voado até ao tecto e de os olhos me terem saltado das órbitas, indo ricochetear na parede em frente como bolas de ténis, senti-me melhor. Seria exagero dizer que Bertram tinha voltado à sua melhor forma, mas entrara, pelo menos na categoria dos convalescentes e sentia-me capaz de dar um pouco à língua.
- Haa...! - Suspirei mais aliviado ao mesmo tempo que recolhia os meus globos oculares e os recolocava nas órbitas.
- Bem, Jeeves, quais são as novidades que o vasto mundo tem para nos oferecer? Isso que tens aí é o jornal?"
P.G. Wodehouse (trad. Ernesto Carvalho), O código dos Wooster, Cotovia - Os livros da raposa, 2007.
Foi de rajada até à página 110 e depois, então 03h e 38m e 38s, adormeci e sonhei com uma nateira de prata. Verdade. Freud, Freud. Faltam 104. A tradução parece-me irrepreensível. Direi mesmo que é de grande nível, de grande nível.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, dezembro 20, 2007